Ucranianos viram refugiados preferenciais, e Europa “abre” fronteiras”
Medidas de acolhimento a ucranianos escancaram disparidades entre crise de refugiados em 2015 e atuais regras migratórias no continente
atualizado
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A crise migratória ocasionada pela guerra na Ucrânia trouxe uma mudança de paradigmas na Europa sobre o drama dos refugiados. O conflito no Leste Europeu lançou luz ao contraste: países que historicamente tinham, em maior ou menor grau, políticas anti-imigração, mudaram de postura e abriram as portas para “abraçar” cidadãos que cruzam fronteiras em busca de abrigo.
O relatório Tendências Globais 2021, da Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para Refugiados (Acnur), divulgado às vésperas do Dia Mundial do Refugiado, nesta segunda-feira (20/6), aponta um novo recorde. Impulsionado pelo cenário global, o número de pessoas forçadas a fugir de conflitos, violações de direitos humanos e violência ultrapassou, pela primeira vez, a marca de 100 milhões.
A crise migratória ocasionada pela Guerra na Ucrânia desencadeou a migração em massa mais rápida da Europa, fazendo eco ao massivo fluxo de deslocamento populacional da 2ª Guerra Mundial. Cerca de 10 milhões de cidadãos do país atacado pela Rússia foram forçados a deixar suas casas em razão do conflito bélico, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
Diante de índices tão expressivos, países europeus se uniram para disponibilizar recursos e viabilizar a retirada de cidadãos do território ucraniano. A União Europeia prometeu “apoio inabalável” ao país, a partir do programa Care: Ação de Coesão para Refugiados, em tradução livre, e destinou pelo menos 500 milhões de euros para lidar com as consequências humanitárias da tragédia.
A mudança no posicionamento da comunidade europeia diante do acolhimento de imigrantes é bem-vinda, segundo o porta-voz da Acnur no Brasil, Luiz Godinho.
“A acolhida de pessoas refugiadas da Ucrânia por parte dos seus países vizinhos tem sido um exemplo de solidariedade e comprometimento, tanto das autoridades governamentais quanto da sociedade como um todo. Esperamos que esse exemplo seja inspirador para outros países também adotem posturas semelhantes para com pessoas refugiadas de outras nacionalidades”, disse, em entrevista ao Metrópoles.
Em relação à crise migratória agravada em 2015, quando quase 1 milhão de refugiados chegaram à Europa, a postura das nações do continente parece ter mudado – mas com ressalvas. País reconhecido pela firmeza nas políticas migratórias, o Reino Unido, por exemplo, se ofereceu, em março, a pagar uma espécie de “mesada” de 350 libras (cerca de R$ 2.196) para britânicos que pudessem oferecer abrigo aos cidadãos da nação em conflito.
A vizinha Polônia, conhecida na comunidade internacional por uma política de imigração bastante restrita, recebeu quase 2,5 milhões de ucranianos. O contraste é marcante com medidas tomadas semanas antes pelo governo polonês. Em janeiro, o país tinha começado a construção de uma barreira de metal de 186 km na fronteira com Belarus para impedir a chegada de imigrantes de Afeganistão, Iraque e países da África. Situação similar ocorreu com a Hungria, que recusou várias vezes a entrada de migrantes africanos – e abraçou ucranianos.
Duas medidas
A diferença de tratamento em razão da origem dos refugiados é notável, de acordo com especialistas. A maioria dos refugiados ucranianos estão alocados em países europeus. Apesar da política de acolhimento aos vizinhos de continente, o premiê britânico, Boris Johnson, decidiu, na última semana, enviar sete refugiados de países como Afeganistão, Albânia e Egito de volta a Ruanda, a partir de um acordo com o governo do país africano.
A decisão foi severamente criticada, e o avião – que levaria apenas os sete cidadãos acusados de entrar ilegamente no país – impedido de levantar voo por uma decisão da Justiça europeia horas antes da decolagem.
“A recepção aos ucranianos é muito diferente da recepção aos [refugiados de] outros países. Refugiados de outras nações, em especial da África e do Oriente Médio, encontram muito mais resistência. Existe uma perspectiva eurocêntrica, em que os cidadãos europeus se enxergam mais nos ucranianos brancos, de olhos azuis, levando em conta o ponto de vista étnico e religioso”, pondera o professor Leonardo Paz, da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Os motivos por trás dessa disparidade entre os dois períodos de grave crise migratória, além das questões étnicas e de raiz xenofóbica, abrangem questões temporais e também econômicas.
“Essa diferença de tratamento pode ser explicada, também, porque presume-se que os países entenderam que essa situação na Ucrânia seria mais rápida do que a delonga presenciada em outros casos, bem como a proximidade com o país de origem”, explica a professora Vanessa Matijascic, do curso de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap).
“Pragmaticamente, também existe o interesse dos países em receber determinadas nacionalidades de refugiados em detrimento de outras, pelo perfil que esses refugiados e imigrantes podem ter em termos de contribuição para a economia do país que recebe”, completa.
Marco histórico
Os índices apresentados no Relatório Global da Acnur são alarmantes. O levantamento aponta que, em 2021, uma em cada 78 pessoas no planeta foi forçada a fugir de sua terra natal em razão da violência, guerras ou violações de direitos humanos, “um marco dramático que poucos teriam esperado há uma década”.
A Turquia permaneceu o maior país de acolhimento de refugiados no mundo em 2021, com mais de 3,8 milhões pessoas abrigadas no fim do ano (15%). Em segundo lugar, em nível global de países que recebem pessoas que deixaram sua terra, está a Colômbia; em terceiro, Uganda; em quarto, Paquistão; seguido pela Alemanha, quinta no ranking global e segundo país da Europa no acolhimento a migrantes.
“Os números subiram em todos os anos da última década”, disse o Alto Comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi. “Ou a comunidade internacional se une para enfrentar esta tragédia humana, resolver conflitos e encontrar soluções duráveis, ou esta tendência terrível continuará”, completou.
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