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Turismo na Arábia Saudita: um passeio pelo absolutismo

Um relato sobre um dos países mais fechados do mundo, onde é proibido beber álcool, beijar em público e até jantar fora sem companhia

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1 de 1 9699690a-faef-4627-82ca-0d8d7e092d0a - Foto: Raphael Veleda/Metrópoles

Berço do islamismo, o rico reino da Arábia Saudita passa por um lento e cuidadoso processo para deixar de ser um dos países mais fechados do mundo. Essa abertura inclui a ampliação dos direitos civis dos sauditas, especialmente das mulheres, e a permissão para o turismo de pessoas não muçulmanas. Apesar de não estar entre os países de onde já se pode pedir o visto on-line, o Brasil também ganhou o direito de mandar visitantes para essa monarquia absolutista. Mas, antes de começar a olhar o preço da passagem, saiba: a viagem é um legítimo choque de cultura para o brasileiro.

As diferenças principais estão nos costumes. Muito do que é considerado normal e prazeroso no Brasil é proibido na Arábia Saudita. Para começar, a venda e consumo de qualquer bebida alcoólica, ainda que em local fechado e privado, é crime. As regras de vestimenta são rígidas e, apesar do calor, mesmo homens não devem usar roupas que deixem o corpo à mostra. Bermudas, por exemplo, não são proibidas, mas não pega bem usá-las. É vetado aos homens abordar – e sobretudo tocar – mulheres desconhecidas.

Também é proibido fazer proselitismo de religiões que não sejam a islâmica – o que inclui, por exemplo: usar uma camiseta com uma imagem sacra; beijar em público (mesmo casais casados); e usar linguagem profana (e o que é isso? A polícia local vai julgar). O veto para o sexo fora do casamento, aparentemente, não vale mais para estrangeiros em visita, mas essa é uma das mudanças que ainda estão em uma zona cinzenta. Já no caso de relações homossexuais, não há dúvidas: são proibidas e punidas com um bom tempo de cadeia (ou castigo pior).

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Então, por que ir?
Se a Arábia Saudita é um lugar tão rígido e tão oposto ao Brasil, por que então o Metrópoles publicaria uma reportagem sobre a abertura do turismo para um lugar como esse? Porque uma das grandes graças de viajar é ter a oportunidade de conhecer o diferente, ué!

O país desértico nunca esteve na minha lista de interesses turísticos, mas uma visita a trabalho, acompanhando a agenda do presidente Jair Bolsonaro em outubro deste ano, me deu a oportunidade de conhecer um pouco mais da história árabe, um povo acolhedor e curioso, cenários deslumbrantes e uma culinária deliciosa (finalmente, adjetivos que são vistos mais rotineiramente em reportagens de turismo).

Meu relato é limitado porque, de um país maior do que o estado do Amazonas (são ao todo 2.150.000 km²), conheci apenas a capital, Riade. A cidade vale uma visita por si só, mas viajantes que vão até o outro lado do mundo também podem esticar a programação para experiências no deserto e visitas a sítios arqueológicos de civilizações antigas. As cidades sagradas do islamismo, porém, permanecem fora dos limites para quem não segue a religião. Se você não é muçulmano, portanto, não tenha esperança de conhecer Meca ou Medina.

Riade é uma cidade de pouco mais de 5 milhões de habitantes que mistura bairros de arquitetura tradicional com enormes e futuristas arranha-céus erguidos com a fortuna do petróleo. Andar a pé por longas distâncias é complicado por causa do calor (nos meses mais frios, de outubro a dezembro, o clima parece o dos dias mais quentes em Brasília, com temperatura de até 35 ºC).

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O serviço de táxi é ruim para turistas porque a cobrança segue o costume local da negociação – e alguém de fora sempre vai acabar pagando mais. Serviços como Uber, porém, estão disponíveis e funcionam bem. Nas áreas mais nobres, todos os prestadores de serviço falam inglês. Nos famosos mercados de rua (souks, em árabe), no entanto, é bem mais difícil achar vendedores que falem alguma língua além da local – mas eles farão o possível para negociar gesticulando e serão insistentes.

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Imigrante indiano vende doces em Riade

A Arábia Saudita nasceu aqui
Algo que pode ser chamado de visita obrigatória em Riade é a fortaleza Al Masmak, uma impressionante construção de 150 anos conservada no centro da cidade e considerada pelos moradores um dos locais mais importantes do país. Foi ali que, em 1902, o rei Abdul Aziz se protegeu em uma espécie de quartel-general e, nas três décadas seguintes, uniu o reino que sua família controla com mão de ferro até hoje – beneficiado pelas maiores reservas de petróleo do mundo.

Na fortaleza é possível conhecer a história árabe, ver uma série de objetos antigos e perceber o destaque que o país reserva a seus monarcas, de Abdul Aziz até os atuais mandatários, o rei Salman bin Abdul Aziz e o príncipe regente, Mohammed bin Salman (de quem Bolsonaro se disse quase irmão ao visitar Riade).

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A presença da família real em todos os contextos, aliás, é um dos grandes choques para os visitantes acostumados a democracias liberais ou monarquias mais “cenográficas”, como o Reino Unido. Se no Brasil a impessoalidade é um valor sempre perseguido no exercício do poder público, na Arábia Saudita os monarcas são o Estado, e sua presença é sentida em todos os ambientes.

Imagens dos mandatários estão nos muros (onde, aliás, não há pichações de nenhum tipo), em outdoors, nas fachadas das lojas, em prédios públicos e privados, em capinhas de celular… E qualquer atitude em relação a essas imagens que possa ser considerada provocação é crime.

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A solidão masculina
A melhor maneira de aproveitar a Arábia Saudita é como casal (hétero e casado mesmo), pois essa é a formação social que vai enfrentar menos restrições de acesso. Mulheres, apesar de estarem ganhando espaços como o direito de dirigir e não serem mais obrigadas a usar a abaya (túnica que cobre todo o corpo), ainda não podem entrar em muitos lugares. E mesmo os novos direitos ainda são incertos. Em relato recém-publicado, uma colega jornalista contou no UOL que foi barrada na porta de um shopping por não estar vestida como deveria – apesar de estar toda coberta.

Foi num shopping, aliás, que percebi que o homem sozinho também tem a circulação restrita. Pude entrar e comer, mas todas as lojas – até as de roupas apenas masculinas – tinham na porta avisos em árabe e inglês informando que só era permitida a presença de “famílias”, um jeito de dizer que homens sozinhos não são bem-vindos.

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A palavra “familiar” também está em destaque em restaurantes e lojas de rua, deixando poucas opções para o homem desacompanhado. E os lugares que permitem a entrada de pessoas desacompanhadas – digamos, uma filial da cafeteria Starbucks – invariavelmente terão salões separados por sexo. A porta dos homens é a da esquerda.

Dito tudo isso, minha conclusão pessoal é de que o turismo em uma legítima monarquia absolutista e fundamentalista é bem difícil – e que essa é uma das razões de a visita valer a pena.

Ficou curioso? O país tem um site (em inglês) para incentivar e instruir sobre o turismo. A embaixada em Brasília não tem site, mas recebe interessados no Lago Sul (QI 9, Conjunto 9, Casa 18). Também dá para ser atendido por telefone: (61) 3248-3525 / (61) 3248-3523.

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