Um texto para explicar o que sentimos e acalmar nossos corações
Texto publicado pelo Harvard Business Review viralizou levando alento para pessoas que estão sofrendo com a crise do coronavírus
atualizado
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Entre os enormes desafios impostos ao mundo pela Covid-19, as pessoas estão sendo forçadas a encontrar maneiras de se proteger da doença causada pelo coronavírus e, diante do cenário de isolamento social, manter a própria saúde mental.
Profissionais responsáveis pela publicação Harvard Business Review (HBR) definiram o que grande parte da população sente nesse momento delicado – uma mistura de angústia, solidão, tristeza e até desespero. Estamos vivendo um grande luto.
Scott Berinato, editor da publicação, escreveu um artigo alentador, que viralizou pelo mundo. No texto, ele conta como, em uma reunião virtual com sua equipe, chegaram juntos à conclusão do que sentiam. “Se podermos nomeá-lo, talvez possamos lidar com ele”, avaliou Scott.
O editor procurou David Kessler, especialista em luto, para ouvi-lo sobre a crise do coronavírus. O relato da conversa, traduzido para o português pela terapeuta Ana Marcela, promete esperança para quem está com dificuldades de lidar com a situação.
“Estamos sentindo que o mundo mudou e ele mudou mesmo. Sabemos que é temporário, mas o sentimento não é esse. Sabemos que as coisas vão ser diferentes. A perda da normalidade; o medo do estrago econômico; a perda de conexão. Não estamos acostumados a este tipo de luto coletivo no ar”, definiu Kessler.
Vale a pena ler tudo e sentir esse alento no coração!
“Parte da equipe da HBR se reuniu virtualmente outro dia — uma tela cheia de rostos, numa cena que está se tornando cada vez mais comum por todos os lados. Falamos sobre o conteúdo que estamos produzindo nestes tempos angustiantes e como podemos ajudar as pessoas. Mas também falamos sobre como estamos nos sentindo. Uma colega mencionou que o que ela sentia era luto. Cabeças acenaram em concordância na tela.
Se podemos nomeá-lo, talvez possamos lidar com ele. Buscamos David Kessler para trocarmos ideias de como fazer isso. Kessler é um grande especialista em luto. Ele coescreveu com Elisabeth Kübler-Ross o livro On Grief and Grieving: Finding the Meaning of Grief through the Five Stages of Loss. Seu novo livro adiciona outro estágio para o processo, Finding Meaning: The Sixth Stage of Grief. Kessler também trabalhou por uma década num sistema hospitalar em Los Angeles. Ele trabalhou na equipe de risco biológico. Seu trabalho voluntário inclui estar na Reserva de Especialistas da LAPD para eventos traumáticos, assim como ter servido na equipe de serviços para o desastre da Cruz Vermelha. Ele é o fundador do www.grief.com, que tem mais de 5 milhões de visitas anuais de 167 países.
Kessler compartilhou seus pensamentos sobre por que é importante reconhecer o luto que você pode estar sentindo, e como ele acredita que vamos encontrar um sentido nisso. A conversa está levemente editada para garantir maior clareza.
HBR: As pessoas estão sentindo muitas coisas agora. Está correto chamar algumas das coisas que elas estão sentindo de luto?
Kessler: Sim, e estamos sentindo vários lutos diferentes. Estamos sentindo que o mundo mudou, e ele mudou mesmo. Sabemos que é temporário, mas o sentimento não é esse, e sabemos que as coisas vão ser diferentes. Assim como ir ao aeroporto mudou para sempre depois do 11 de setembro, as coisas vão mudar e este é o ponto no qual estão mudando. A perda da normalidade; o medo do estrago econômico; a perda de conexão. Isto está batendo, e estamos em luto. Não estamos acostumados a este tipo de luto coletivo no ar.
Você disse que estamos sentindo mais de um tipo de luto?
Sim, estamos sentindo luto antecipado. Luto antecipado é esse sentimento que temos sobre o que o futuro reserva quando é incerto. Normalmente, se centra na morte. Sentimos isso quando alguém tem um diagnóstico extremo, ou quando temos pensamentos normais sobre o ato de que vamos perder algum familiar próximo, ou nossos pais, em algum momento. Luto antecipado é também mais amplamente futuros imaginados. Se tem uma tempestade vindo. Se tem algo ruim ‘lá fora’. Como um vírus, este tipo de luto é muito confuso para as pessoas. Nossa mente primitiva sabe que algo ruim está acontecendo, mas não podemos ver isso, o que rompe o nosso senso de segurança. Estamos sentindo o medo da segurança. Eu acho que não tínhamos perdido coletivamente nosso senso geral de segurança como neste caso. Individualmente, ou em pequenos grupos, pessoas já sentiram isto. Mas todos juntos, é algo novo. Estamos em luto em nível micro e macro.
O que podemos fazer para lidar com o luto?
Entender os estágios do luto é um começo. Mas em qualquer situação em que falo sobre os estágios do luto, eu lembro as pessoas de que os estágios não são lineares e podem não acontecer nessa ordem. Não é um mapa, mas nos permite uma plataforma para acessar este mundo desconhecido. Existe a negação, que dizemos que é um estágio que acontece mais no início: “Este vírus não vai nos afetar”. Existe a raiva: “Vocês estão nos fazendo ficar em casa e tirando minhas atividades”. Existe a barganha: “Ok, se estabelecemos o distanciamento social por duas semanas, tudo vai melhorar, né?”. Existe a tristeza: “Eu não sei quando isto vai terminar”. E finalmente a aceitação: “Isto está acontecendo. Eu descobri como lidar com isso”.
A aceitação, como você pode imaginar, é onde está nosso poder. Encontramos algum controle na aceitação. “Eu posso lavar minhas mãos. Eu posso manter uma distância segura. Eu posso aprender a trabalhar virtualmente.”
Quando estamos sentindo luto, existe uma dor física. E a mente acelerada. Existem técnicas para lidar com isso e fazer com que seja menos intenso?
Vamos voltar para o luto antecipado. Luto antecipado não saudável é realmente ansiedade, e esse é o sentimento sobre o qual você está falando. Nossa mente começa a nos mostrar imagens. Meus pais ficando doentes. A gente vê os piores cenários. Essa é nossa mente sendo protetiva. Nosso objetivo é não ignorar essas imagens ou tentar fazê-las ir embora — sua mente não vai deixar você fazer isso e pode ser doloroso forçar. O objetivo é encontrar o equilíbrio nas coisas que você está pensando. Se você sente que a pior imagem está tomando forma, faça com que pense também na melhor imagem. Todos nós ficamos doentes e o mundo continua. Nem todo mundo que eu amo morre. Talvez ninguém morra porque estamos todos fazendo os passos certos. Nenhum cenário deve ser ignorado, mas nenhum deve dominar também.
Luto antecipado é a mente indo para o futuro e imaginando o pior. Para se acalmar, você tem que voltar para o presente. Isto vai ser um conselho familiar para qualquer pessoa que já meditou ou praticou mindfulness, mas as pessoas podem sempre se surpreender com o quão prosaico esse movimento pode ser. Você pode nomear cinco coisas que estão na sala onde você está. Existe um computador, uma cadeira, uma foto de um cachorro, um tapete velho e uma xícara de café. É simples assim. Respire. Perceba que no momento presente nada do que você tinha antecipado aconteceu. Neste momento, você está bem. Você tem comida. Você não está doente. Use seus sentidos e pense sobre o que eles sentem. A mesa é dura. O cobertor é macio. Eu consigo sentir o ar com meu nariz. Isto realmente funciona para diminuir um pouco a dor.
Você também pode pensar sobre como abrir mão do que você não tem controle. O que seu vizinho está fazendo está fora do seu controle. O que está no seu controle é ficar a um metro de distância deles, e lavar suas mãos. Foque nisso.
Finalmente, é um bom momento para estocar compaixão. Todo mundo vai ter níveis diferentes de medo e luto e isso se manifesta de diferentes jeitos. Uma pessoa com quem trabalho ficou muito rude comigo outro dia e eu pensei: “Isso não parece esta pessoa. Isso é como a pessoa está lidando com esta situação. Estou vendo seu medo e ansiedade”. Então, seja paciente. Pensar sobre quem geralmente a pessoa é, e não quem ela parece ser neste momento.
Um aspecto particularmente perturbador nesta pandemia é essa finalização em aberto, não saber quando acaba.
Isto é um estado temporário. Ajuda falar isso. Eu trabalhei 10 anos no sistema hospitalar. Eu fui treinado para situações como esta. Eu também estudei a pandemia da gripe de 1918. As precauções que estamos tomando são as certas. A história nos conta isso. Isso se chama sobrevivência. Vamos sobreviver. Este é um tempo de se superproteger, mas não se super-reagir.
E acredito que vamos encontrar sentido nisto. Eu fiquei honrado que a família de Elisabeth Kler-Ross me deu permissão para acrescentar um sexto estado ao luto: significado. Eu tinha falado com Elisabeth um pouco sobre o que viria depois da aceitação. Eu não queria parar na aceitação quando eu experienciava o luto pessoal. Eu queria significado naquelas horas mais difíceis. Mesmo agora, as pessoas estão percebendo que elas podem se conectar através da tecnologia. Elas não estão tão distantes quanto imaginavam. Elas estão percebendo que podem usar telefones para conversas longas. Elas estão apreciando caminhadas. Eu acredito que vamos continuar encontrando significado agora e quando isso tiver acabado.
O que falamos para alguém que lê tudo isto e ainda assim se sente sobrecarregado com o luto?
Continue tentando. Existe algo poderoso sobre nomear como luto. Isso nos ajuda a sentir o que está dentro de nós. Tantas pessoas me disseram na última semana: “Estou dizendo para meus colegas de trabalho que estou tendo dificuldades” ou “eu chorei na noite passada”. Quando você nomeia, você sente e isso se move através de você. Emoções precisam de movimento. É importante que reconheçamos o que estamos passando. Um produto infeliz do movimento de autoajuda é que somos uma primeira geração que tem emoções sobre suas emoções. Falamos para nós mesmos: “Estou me sentindo triste, mas não deveria sentir isso; outras pessoas se sentem pior”. Nós podemos — e devemos — parar no primeiro sentimento. “Eu me sinto triste. Vou me deixar sentir triste, por cinco minutos pelo menos”. Seu trabalho nesse momento é sentir sua tristeza, e/ou medo, e/ou raiva, independente se mais alguém esteja sentindo algo. Lutar contra isso não ajuda porque seu corpo está produzindo o sentimento. Se a gente permite que os sentimentos aconteçam, eles vão acontecer de uma maneira ordenada, e nos empoderar. Então, não somos vítimas.
Numa maneira ordenada?
Sim. Às vezes tentamos não sentir o que estamos sentindo porque temos essa imagem de um “bando de emoções”. Se eu me sentir triste e deixar isso dentro, nunca irá embora. O bando de emoções ruins vai me perseguir. A verdade é que a emoção se move através de nós. Não existe um bando externo que vai nos pegar. É absurdo pensar que não deveríamos sentir luto agora. Permita-se sentir o luto e siga adiante.
Entrevista realizada por Scott Berinato, editor senior da Harvard Business Review e autor dos livros Good Charts Workbook: Tips Tools, and Exercises for Making Better Data Visualizations and Good Charts: The HBR Guide to Making Smarter, More Persuasive Data Visualizations.”