Suspeito de ataque com 5 mortos na Alemanha é imigrante “islamofóbico”
Médico de 50 anos levava vida “comum” na Alemanha, se dizia ex-muçulmano e alegava ser perseguido por radicais religiosos
atualizado
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Contrariando as especulações iniciais que circularam na internet horas depois do atentado a um mercado de Natal na cidade alemã de Magdeburg que matou ao menos cinco pessoas e feriu mais de 200, o suspeito que atirou um carro em alta velocidade contra uma multidão na noite de sexta-feira (20/12), identificado como Talib Al-Abdulmohsen,tem um perfil que destoa de outros atentados atribuídos a imigrantes.
Refugiado “islamofóbico” de meia-idade, ele se dizia ex-muçulmano e perseguido por radicais religiosos e por seu país de origem, a autocrática Arábia Saudita, simpatizava com o partido anti-imigração AfD e atuava como médico – uma profissão de prestígio, cujo exercício na Alemanha por estrangeiros requer um alto nível de integração à sociedade e domínio do alemão.
A designação “islamofóbico” partiu da ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, que afirmou neste sábado durante visita a Magdeburg não poder dizer muito sobre o caso, dado que as investigações ainda estão em andamento, mas que “só podemos dizer com certeza que o agressor era claramente islamofóbico”.
O BKA, a Polícia Federal alemã, está ajudando nas investigações conduzidas pelas autoridades estaduais. Para que o caso passe à esfera federal, é preciso ainda investigar se o atentado envolveu uma organização terrorista, o que ainda não pôde ser confirmado.
Mensagens postadas pelo suspeito na internet têm levado especialistas a afirmar que a hipótese de terrorismo parece distante, embora a motivação do crime continue incerta. Em entrevista coletiva concedida às 16h deste sábado (21/12, 12h de Brasília), autoridades citaram como hipótese uma “insatisfação com o tratamento de refugiados sauditas”.
Pedido de refúgio aceito
Nascido em 1974 na cidade saudita de Hufuf, segundo a revista alemã Der Spiegel, o suspeito se mudou para a Alemanha em 2006, para estudar.
Em 2016, foi reconhecido pelo governo alemão como refugiado. Em entrevista concedida ao jornal Frankfurter Zeitung em 2019, ele alegou ter sido ameaçado de morte em seu país de origem por ter renunciado à fé islâmica – crime passível de prisão e até pena de morte na Arábia Saudita, segundo uma entidade alemã de apoio a refugiados seculares.
O suspeito vivia em Bernburg, cidade de 32 mil habitantes a menos de 50 quilômetros de Magdeburg, ambas no estado da Saxônia-Anhalt, e atuava profissionalmente como médico especializado em psiquiatria e psicoterapia.
Ele trabalhava desde 2020 no sistema prisional, com pessoas que sofrem de dependência química. A clínica psiquiátrica em Bernburg, uma instituição estadual, afirmou que ele estava afastado da função desde o final outubro, por ter sido avaliado como inapto para o trabalho.
Segundo o jornal Mitteldeutsche Zeitung, ele teria se ausentado do trabalho nas últimas semanas por motivo de doença. Colegas de trabalho ouvidos pelo jornal afirmam que ele parecia despreparado em reuniões com a equipe.
Um vizinho do suposto agressor em Bernburg ouvido pela MDR descreveu o homem como muito “retraído”, mas com comportamento “normal”. “E agora descobrimos, depois de mais de três anos [de convivência como vizinhos], que esse homem matou várias pessoas, feriu várias pessoas”, lamentou. “O homem fugiu para cá porque deu às costas ao islã. Não dá para entender.”
Ativismo
Em entrevista concedida ao jornal Frankfurter Zeitung em 2019, o suspeito disse que as mulheres da Arábia Saudita recorriam a ele em busca de proteção “porque foram violadas pelo seu tutor masculino”. O sistema de asilo alemão, disse ele, era “um caminho para as mulheres alcançarem a liberdade”.
À emissora britânica BBC, o médico deu entrevista no mesmo ano apresentando o serviço que criou para ajudar ex-muçulmanos a fugir de perseguição em seus países de origem, sobretudo no Golfo Pérsico. Ele alegou que 90% das pessoas que o procuravam eram mulheres entre 18 e 30 anos.
O suspeito teria procurado diversos veículos jornalísticos alegando ter denúncias a fazer. Ao Spiegel, ele criticou as autoridades alemãs e ativistas que defendem o direito ao asilo, acusando-os de desinformar pessoas em busca de refúgio e não impedir que regressassem a países do Golfo. Também afirmou que, uma vez de volta a seus países de origem, mulheres seriam mortas por seus pais.
Radicalização e simpatia com a AfD
Nos últimos anos, seu discurso se radicalizou. Oito dias antes do ataque, ele publicou em sua conta no X uma entrevista que deu a um blog islamofóbico americano. Entre as teorias conspiratórias que compartilha, está a de que o Estado alemão tem conduzido uma “operação secreta” para “caçar e destruir vidas” de ex-muçulmanos sauditas em todo o mundo ao dar asilo a “jihadistas sírios”.
Além de simpatizar abertamente com a AfD, ele queria criar uma “academia para ex-muçulmanos” em cooperação com o partido, segundo o Spiegel. “Quem mais lutaria contra o islã na Alemanha?”, argumentou.
Em novembro, ainda segundo a revista, ele postou nas redes sociais que a “Alemanha precisa proteger suas fronteiras contra a imigração ilegal”, e acusou a ex-chanceler federal Angela Merkel de perseguir com sua política de refúgio um plano para “islamizar a Europa” – uma tese frequentemente defendida por radicais de ultradireita.
O suspeito também publicou mensagens em que desejava a morte de Merkel por causa da política de imigração da ex-chefe alemã de governo. “Se a pena de morte for reintroduzida, ela merece ser morta.”
Desde o ano passado, a Alemanha vem endurecendo sua política de migração, tornando-a especialmente restritiva para refugiados. Recentemente, após a queda do ditador sírio Bashar al-Assad, o país suspendeu a concessão de asilo a sírios.
Anos depois de dizer agir em defesa de refugiadas sauditas, o suspeito escreveu em um site onde oferecia ajuda a essas mulheres: “Meu conselho: não peçam asilo na Alemanha.”
Problemas psíquicos
Outro vídeo publicado pelo suspeito em redes sociais é repleto de mensagens desconexas, que sugerem paranoia, como uma afirmação de que a polícia roubaria cartas dele.
O tom paranoico de algumas de suas mensagens sugerem, segundo a imprensa alemã, que o homem sofreria de instabilidade psíquica.
O suspeito também procurou no passado a DW. Em março de 2021, ele afirmou via Twitter que era espionado por sauditas e pela Arábia Saudita, e acusou as autoridades alemãs de não tomar providências e não levá-lo a sério. Em outubro de 2023, ele escreveu à DW que as autoridades alegaram que o caso dele não seria de interesse público.
“[As autoridades] Permitem que um refugiado saudita esteja exposto a intimidação, vigilância e perseguição”, escreveu.
Muitas de suas alegações, porém, não puderam ser confirmadas pela DW.
Em novembro e dezembro deste ano, o suspeito voltou a procurar a DW, com a promessa de oferecer provas. Depois disso, não houve mais contato.
Alertas às autoridades
Diversas pessoas teriam procurado as autoridades alemãs para alertar sobre o conteúdo das postagens do suspeito, que até então não estava no radar das forças de segurança como islamista ou potencial ameaça à segurança pública.
Também a Arábia Saudita teria alertado as autoridades alemãs sobre o suspeito e pedido a sua deportação, segundo as agências de notícias Reuters e dpa – que um país totalitário denuncie opositores, contudo, é algo que o especialista em terrorismo da emissora alemã ARD Holger Schmidt afirma não poder ser considerado incomum. A dpa afirma que ele seria um xiita, minoria étnico-religiosa reprimida no país.
Segundo o Spiegel, o médico respondia a um processo em Berlim por atrapalhar serviços de emergência. Em fevereiro de 2024, ele teria comparecido a uma delegacia de polícia na capital alemã para fazer um boletim de ocorrência. Na ocasião, forneceu informações desconexas e, insatisfeito com o policial que o atendeu, ligou para os bombeiros para pedir “aconselhamento jurídico”.
Por causa disso, o suspeito foi condenado a pagar uma multa no valor de 600 euros, e recorreu. O recurso seria analisado um dia antes do atentado, na quinta-feira, mas ele não compareceu ao tribunal.
Ainda de acordo com o Spiegel, o suspeito também foi denunciado à polícia por ameaças publicadas nas redes sociais. Ele teria escrito em uma postagem no X que a Alemanha pagaria “um preço” por perseguir refugiados sauditas. A polícia estadual, porém, descartou à época uma possível ameaça.