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Saiba quem é Marine Le Pen, a extrema direita repaginada da França

Nos últimos anos, Le Pen abrandou o tom do seu programa político e até se apropriou de velhas pautas de esquerda

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Marine Le Pen, política francesa, do partido de extrema direita Rassemblement National -- Metrópoles
1 de 1 Marine Le Pen, política francesa, do partido de extrema direita Rassemblement National -- Metrópoles - Foto: Reprodução/Getty Images

O golpe mais esperto dos assessores de imprensa de Marine Le Pen, candidata à presidência da França, foi talvez o novo diploma da candidata como criadora de felinos: sempre que o assunto esquentava durante a campanha presidencial, ela falava de seu amor pelos gatos-de-Bengala que povoam seu sofá em casa.

Havia também aquele inalterável sorriso de campanha: de penteado mais suave, a voz mais branda do que antes, a populista de direita posou milhares de vezes para as câmeras de selfie de seus fãs. E nas localidades pobres e ignoradas da província francesa, ela escutou, incansável, as queixas sobre a aposentadoria parca demais, salários-mínimos ou a alta dos preços.

Le Pen recebeu seu partido, a antiga Frente Nacional, por assim dizer, como herança do pai Jean-Marie, que na década de 1970 fundou o agrupamento misto radical de direita, reunindo veteranos da guerra da Argélia e ultranacionalistas. Em 2002 desencadeou um terremoto político ao, de repente, chegar ao segundo turno presidencial enfrentando Jacques Chirac – o qual, no entanto, o derrotou fragorosamente, com 82% dos votos.

Desde então, porém, a FN lutava por um lugar ao sol da política francesa. Quando, em 2011, Marine assumiu e começou a desbastar as manifestações mais grosseiras de xenofobia e a lembrança de tradições fascistas, pai e filha se desentenderam. Ele criticava o curso de desradicalização, e quando, num aparte, classificou as câmaras de gás dos nazistas como um “detalhe da história”, ela o expulsou do partido.

De lá para cá, reina a discórdia na família Le Pen. Em 2018, após ser derrotada nas presidenciais por Emmanuel Macron, Marine rebatizou a legenda como Rassemblement National (Reagrupamento Nacional – RN), em mais um passo na direção de uma imagem mais conforme e convidativa ao eleitorado.

Entretanto, tanto o pai quanto a sobrinha Marion Maréchal Le Pen, há muito cotada como esperança jovem da extrema direita, condenam o distanciamento em relação aos ideais originais. Na eleição de 2022, ambos exortaram os franceses a não votarem em Marine, mas sim no remanescente da antiga FN Éric Zemmour, que, com palavras de ordem brutais, agitava contra o islã e o excesso de estrangeiros na França. No primeiro turno, contudo, o radical de direita ficou com parcos 7%.

Na contramão da União Europeia

Para Marine Le Pen, por outro lado, o longo processo de “desdiabolização” valeu a pena. Atualmente 39% do eleitorado a considera presidenciável: ela abrandou a própria imagem ao ponto de apenas cerca da metade dos franceses a considerarem politicamente perigosa.

Caso se eleja, ela promete um governo de “unidade nacional”, apelando assim aos eleitores tradicionais dos conservadores. Mas como estes praticamente sumiram na primeira ida às urnas, Le Pen, em mais uma metamorfose, tenta aliciar os adeptos do esquerdista linha-dura Jean-Luc Mélenchon, que quase lhe roubou o segundo lugar no primeiro turno.

Nas apresentações públicas e entrevistas, a ultradireitista se concentra quase exclusivamente em questões sociais, no aumento da aposentadoria, na manutenção dos 60 anos como idade mínima, nos auxílios para estudantes e famílias pobres e na preservação do poder aquisitivo.

Com cortes fiscais, ela diz que vai combater a alta dos preços da energia e defende uma “economia patriótica” de “a França em primeiro lugar”, norteada pelos interesses nacionais – sem, no entanto, especificar como pretende financiar a cornucópia das benesses sociais.

Foi-se a antiga reivindicação aberta de retirar a França da zona do euro e da União Europeia, com que Le Pen assustou muitos eleitores em 2017. Por outro lado, ela continua a apoiar o projeto de uma “Europa das pátrias”, defendida pela bancada populista de direita do Parlamento Europeu: menos integração, apenas uma liga de nações mais informal, sem sistema comum de defesa nem brigas ferrenhas entre os países pela distribuição das verbas.

Na prática, algumas exigências de Le Pen resultariam numa espécie de “divórcio a frio” da atual UE, já que ela só aceita que franceses natos tenham direito a benefícios fiscais, e rejeita a primazia das leis europeias. No momento, aliás, a candidata já está em conflito com a UE: os guardiães de finanças de Bruxelas a acusam de ter malversado centenas de milhares de euros em verbas parlamentares em seu tempo como eurodeputada.

Rússia como calcanhar de Aquiles

Continua servindo como munição para os adversários de Marine Le Pen um antigo empréstimo que a então Frente Nacional tomou de um banco russo durante a campanha eleitoral de 2017. No entanto, desde o início da invasão da Ucrânia a candidata tem disfarçado sua antiga proximidade e admiração pelo autocrata Vladimir Putin.

Atualmente ela condena a guerra, defende o fornecimento de armas e as ajudas financeiras para a Ucrânia – embora anunciando que no futuro deseja novamente uma relação mais forte com a Rússia, equivalente à com os Estados Unidos. Também aqui a candidata deixa em aberto se isso deve ocorrer só depois do fim da guerra ou apesar dela.

A única medida que ela rechaça no momento são sanções ao petróleo e gás da Rússia, as quais, a seu ver, prejudicariam os próprios franceses. Além disso, que a França abandone as estruturas de comando da Otan – o que muito conviria a Moscou.

No geral, a ultradireitista pleiteia que seu país se retire dos compromissos internacionais, recolhendo-se a uma espécie de supernacionalismo econômico e político. Aqui se trata de uma manifestação de um antigo impulso antiglobalização que muitos franceses consideram atraente, mas que não contém nenhum plano para uma economia nacional.

Diluída, mas ainda extremista de direita?

Um estudo da Fundação Jean-Jaurès conclui que “a comunicação do RN se tornou mais flexível”, porém as posições seguem sendo “radicais”, sobretudo no que se refere à imigração e a questões culturais. Um exemplo é a reivindicação de Le Pen de que se proíba o lenço de cabeça islâmico.

“Se a desintoxicação não é programática, então é apenas uma questão de apresentação”, diagnosticam os politólogos do think tank associado ao Partido Socialista. Do ponto de vista econômico, o RN representa um tipo de “social-populismo”, pleiteando cortes fiscais, mas em questões de lei e ordem, as exigências de Le Pen continuam fiéis a um padrão de extrema direita.

O jornal liberal de esquerda Le Monde igualmente classifica o programa da candidata como extremista de direita. E, em entrevista à emissora de TV France 24, o professor Jacques Rupnik, da Sciences Po Paris, também considerou a transformação de Le Pen antes uma questão de estilo: “Ela está menos agressiva, se apresenta mais como política de centro. Mas o programa segue contendo o velho cerne da Frente Nacional, um partido anti-imigração.”

E enquanto Emmanuel Macron fala da guerra na Ucrânia, Le Pen fala das consequências desse conflito armado: “‘Nós vamos proteger vocês contra os efeitos no custo de vida, limitar o preço da energia: na verdade, vou fazer parar a inflação…’ Ela é uma maga!”, ri o cientista político.

E essa é justamente a questão: se a magia da autodesintoxicação política é tão eficaz que no domingo os franceses, contrariando a maioria das pesquisas de intenção de voto, vão fazer de Marine Le Pen sua nova presidente.

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