Saiba como a Austrália voltou a entrar em lockdown severo
País, referência no combate à Covid-19, atravessa momento delicado por causa da variante Delta. Parte da população está trancada há 14 dias
atualizado
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A variante Delta do novo coronavírus, detectada inicialmente na Índia, virou a vida dos australianos de cabeça para baixo. Por pouco mais de um ano, os moradores do país levaram a rotina próximo ao normal. Agora, porém, tudo mudou.
Com estádios lotados, boates abertas, shows ao vivo pelas cidades e economia a pleno vapor, a Austrália mostrava ao mundo, orgulhosa, como havia vencido a Covid-19. O sucesso de outrora deu-se devido ao fechamento das fronteiras ainda em março de 2020, com rígido controle daqueles que retornavam à nação, entre outras medidas.
O que aconteceu para que o jogo mudasse em menos de quatro semanas?
Paciente Zero
A crise atual teve início em meados de junho deste ano, quando um tripulante oriundo de um voo dos Estados Unidos escapou da quarentena obrigatória a todos que chegam à Austrália.
O governo não divulgou como o passageiro escapou dos agentes de controle do aeroporto. Tampouco como ele saiu de lá numa limusine enquanto os demais passageiros saíram em ônibus escoltados pela polícia até os hotéis preparados para recebê-los.
O que se sabe é que esse erro custou caro, porque o tripulante estava contaminado com a variante Delta. E o motorista responsável por pegar a pessoa contaminada se infectou – sendo, assim, considerado pelas autoridades australianas o paciente zero, responsável pela cadeia de transmissão que se deu a seguir.
Baixa vacinação
A vacinação na Austrália está pífia quando comparada aos demais países desenvolvidos. Atualmente, amarga o último lugar na lista da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Apenas 10% da população tomou as duas doses da vacina. Além disso, campanhas de conscientização sobre a importância de se imunizar não têm sido suficientes.
Essa falta de consciência faz com que uma boa parte dos australianos recuse as vacinas. De acordo com pesquisa encomendada pelo jornal Sydney Morning Herald, com o instituto de pesquisa Resolv Strategic, em maio deste ano, 30% da população não tinha interesse em se imunizar.
O paciente zero (o motorista da limusine) integra essa parcela da população. Apesar de ter 60 anos, idade na qual já poderia estar vacinado, optou por não tomá-la. Acabou, consequentemente, infectado. A esposa joga no mesmo time e também recusou a vacina. Foi a segunda a se infectar.
Ao deixar o isolamento de 14 dias obrigatório a todos os infectados, ele declarou à imprensa: “Eu me sinto no topo do mundo. Muito feliz em sair de casa novamente”. Naquele momento, Sydney já tinha mais de 200 casos positivos para a variante Delta. A cidade caminhava para o lockdown que afetou todo o país e tem um custo diário, de acordo com o governo, de 143 milhões de dólares australianos (pouco mais de R$ 500 milhões).
Os dias seguintes aos primeiros casos deixaram claras as fragilidades até então desconhecidas. Entre elas, diversos profissionais de saúde e asilos que trabalhavam mesmo não estando vacinados. O erro aumentou o número de casos em Sydney e outras cidades.
Até a última quinta-feira (8/7), todos os estados haviam adotado algum tipo de medida restritiva de movimentação. Poucos, entretanto, devem flexibilizá-las ou removê-las nos próximos dias. Nova Gales do Sul, estado onde fica a maior cidade australiana, Sydney, caminha para a terceira semana de lockdown.
“Não estamos em uma corrida”
Por inúmeras vezes, o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, verbalizou publicamente que não tinha pressa na aquisição das vacinas. Em algumas ocasiões, chegou a dizer não se tratar de uma corrida para ver quem vacinava mais.
Agora, com o aumento no número de casos, mobiliza-se atrás de mais imunizantes, mas já recebeu recusa de grandes laboratórios, como Pfizer e Moderna. Ambos disseram ter como prioridade países com maiores índices de mortalidade.
Como prêmio de consolação, recebeu da Pfizer a garantia de aumento na quantidade de vacinas a partir das próximas semanas. Assim, a Austrália passará a receber 1 milhão de doses semanais contra as 300 mil atuais.
A AstraZeneca, único imunizante em abundância hoje no país, sofreu ataques do governo durante meses, sendo recomendada apenas para maiores de 60 anos. Com o aumento no número de contágios, o governo mudou o discurso e passou a dizer que o imunizante é seguro para todas as faixas etárias.
A mudança repentina não convenceu, e as doses de AstraZeneca continuam esquecidas e rejeitadas nos centros de imunização.
“Acabei de voltar de um posto de saúde e não tinha ninguém. Me vacinei muito rapidamente. O médico que me atendeu disse ser lamentável que a maior parte das pessoas recuse a vacina”, disse Luiz Gustavo, 33 anos, brasileiro morador da cidade de Sydney e que resolveu tomar a AstraZeneca, em vez de esperar novas remessas da Pfizer ou Moderna.
“Eu tenho que sair para acompanhar obras em vários locais de Sydney. Em muitos desses ambientes, as pessoas não usam máscara. Não quero correr o risco de voltar para casa e contaminar minha esposa, que está trabalhando remotamente”, concluiu. O setor de construções é um dos não afetados, ainda, pelo lockdown.
Originária da Índia, a variante Delta é mais contagiosa que as demais. Câmeras de um shopping em Sydney, epicentro da crise, flagraram o momento em que uma pessoa contaminada infecta outra apenas ao se cruzarem. Ambas estavam sem mascaras e não se conheciam.
Futuro
O que se sabe, neste momento, é que o lockdown não deve acabar tão cedo. Na sexta-feira (9/7), foram anunciados 44 novos casos em 24 horas, sendo que, desses, 19 não estavam em isolamento absoluto, o que deve elevar ainda mais as contaminações nos próximos dias.
Os números, quando comparados com outros países, podem não parecer significantes. Entretanto, são alarmantes para uma nação onde, até ontem, a Covid-19 havia ceifado menos de mil vidas. Além disso, volta os olhos dos cientistas mundiais para o comportamento da variante Delta.
Com relação às vacinas, o governo estuda adotar campanhas de conscientização como em outros países, oferecendo prêmios, sorteios e pagamento em dinheiro para aqueles que se vacinarem. O Ministério da Saúde australiano pensa em implementar logo medidas para facilitar o deslocamento das pessoas já vacinadas.
“É uma ação conjunta. Depende do esforço de cada um de nós. Fique em casa. Quanto menos saírem mais rápido voltaremos a vida normal”, disse a governadora de Nova Gales do Sul, Gladys Berejiklian, que concluiu: “Provavelmente, só iremos reabrir quando eliminarmos o vírus por completo em nosso estado”.
A pergunta, agora, é quando isso vai acontecer.
Confira as medidas restritivas atuais:
- Sair de casa apenas para se exercitar, tomar vacina, fazer o teste da Covid-19
- Apenas uma pessoa por casa pode sair para ir ao supermercado
- Andar em, no máximo, duas pessoas
- Não se distanciar mais que 10 quilômetros de sua residência
- Shoppings e comércios fechados
- Não receber visitas
- Caronas proibidas
- Multas de 1 mil dólares australianos para quem descumprir as regras
- Multas de 200 dólares australianos para a não utilização de máscaras