Recomendação de Bolsonaro sobre golpe é “imoral”, diz relator da ONU
Fabián Salvioli ressaltou o “direito das brasileiras e dos brasileiros de conhecer a verdade sobre crimes hediondos do passado”
atualizado
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A relatoria especial da Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu comunicado nesta sexta-feira (28/3) no qual pede ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), para reconsiderar a recomendação de quartéis realizarem “comemoração adequada” do golpe militar, ocorrido contra a democracia brasileira em 1964. As informações são do portal Uol.
No documento, o relator especial da ONU para a Promoção da Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição, Fabián Salvioli, não poupou críticas ao governo Bolsonaro. Num raro gesto, ele chegou a qualificar a iniciativa do presidente de “imoral”. “Estou profundamente preocupado que as celebrações planejadas possam levar a um processo de revitimização para aqueles que sofreram”, alertou o relator.
“O Brasil deve reconsiderar planos para comemorar o aniversário de um golpe militar que resultou em graves violações de direitos humanos por duas décadas”, diz trecho do comunicado.
A reação da ONU ocorreu depois que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Instituto Vladmir Herzog denunciaram Bolsonaro pela “tentativa de modificar a narrativa do golpe de Estado de 31 de março de 1964 no Brasil”.
Internamente, a ONU já vinha acompanhando a situação no Brasil desde o começo da semana. Agora, decidiu divulgar um duro comunicado, no qual alerta que o “período em questão no Brasil foi marcado por um regime de restrições aos direitos fundamentais e violenta repressão sistemática”.
Citando a Comissão Nacional da Verdade, o relator aponta que mais de 8 mil indígenas e pelo menos 434 suspeitos de serem dissidentes políticos foram mortos ou desapareceram forçadamente. “Estima-se, também, que dezenas de milhares de pessoas foram arbitrariamente detidas e/ou torturadas. No entanto, uma lei de anistia promulgada pela ditadura militar impediu a responsabilização pelos abusos”, indica a ONU em outro trecho do documento.
Comemorar o aniversário de um regime que trouxe tamanho sofrimento à população brasileira é imoral e inadmissível em uma sociedade baseada no Estado de Direito. As autoridades têm a obrigação de garantir que tais crimes horrendos nunca sejam esquecidos, distorcidos ou deixados impunes
Fabián Salvioli, relator especial da ONU para a Promoção da Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição
O relator faz, ainda, um alerta: “Quaisquer ações que possam justificar ou relevar graves violações de direitos humanos durante a ditadura reforçariam ainda mais a impunidade que os perpetradores desfrutam no Brasil, dificultariam esforços para impedir qualquer repetição de tais violações e enfraqueceriam a confiança da sociedade nas instituições públicas e no Estado de Direito”.
Mal-estar geral
Conforme insiste Fabián Salvioli, no comunicado, que o povo brasileiro tem o direito de “conhecer a verdade sobre crimes hediondos do passado e as circunstâncias que conduziram a esses crimes, bem como o dever do Estado de preservar as evidências de tal violência”. Segundo ele, tal medida poderia garantir “a preservação da memória coletiva desses eventos e a proteção contra argumentos revisionistas e negacionistas”.
O mal-estar pela posição brasileira não se limita ao chefe de governo. Nos corredores da ONU, causou uma enorme surpresa o posicionamento do chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, de que não considera ter havido um golpe de Estado no Brasil em 1964, assim como a de parte do segmento militar, no sentido de que as Forças Armadas não se arrependem de ter tomado o poder à força por 21 anos.
A percepção é a de que o governo Bolsonaro estaria ameaçando até mesmo sua credibilidade internacional ao não reconhecer fatos históricos.
Há recomendações do Ministério Público Federal contra as solenidades. Parentes de mortos e desaparecidos no período militar e entidades como o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União repudiaram a orientação de Bolsonaro para que os militares promovessem as “devidas comemorações” do dia.