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Depois do ultimato de Israel para que palestinos deixassem as suas casas, na iminência de uma intervenção militar na Faixa de Gaza, milhares de pessoas abandonaram tudo para trás. Contudo, a fronteira de Rafah, um posto de controle para o Egito e que foi bombardeado por Israel na segunda-feira (16/10), permanece fechada à entrada de ajuda humanitária e à saída de pessoas, incluindo de agentes humanitários.
Isso deve mudar nos próximos dias, uma vez que Israel afirmou que vai criar uma zona humanitária na região.
Rafah é uma cidade palestina localizada no extremo sul da Faixa de Gaza, na fronteira com o Egito. Vestígios milenares de seu nome foram encontrados em fontes aramaicas. Em 2021, cerca de 185 mil pessoas viviam lá, de acordo com o Escritório Palestino de Estatísticas. Uma população em rápida expansão.
Este lugar é mais conhecido, entretanto, pelo seu estatuto de posto fronteiriço. Ele é um dos três principais pontos de controle, entre cerca de dez que circundam o enclave palestino, sendo uma porta para entrada e saída de Gaza, assim como o posto de controle de Kerem Shalom ( Karm Abou Salem, em árabe) e o de Erez, no extremo norte.
Desde junho de 2007, os 2,4 milhões de habitantes de Gaza vivem sob a administração do Hamas, estando sujeitos ao bloqueio israelita, e “sob cerco total” desde o início do conflito, em 7 de outubro, segundo o governo israelense. O abastecimento de água, interrompido durante uma semana, foi restabelecido no domingo (15), após ser considerado violação do direito internacional.
Do lado palestino, Rafah abriga um dos campos de refugiados na Faixa de Gaza, existente desde 1949, um ano após o início da primeira guerra israel-palestina. A Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (Unrwa) contava 133 mil pessoas vivendo ali em 2023 (antes de 7 de outubro).
Só existe uma estrada para chegar lá, a que percorre a costa do Sinai do Norte, passando por El-Arich, a capital regional, localizada a cerca de cinquenta quilômetros a oeste.
O posto fronteiriço é controlado pelo Egito, fora de Gaza, e por funcionários alfandegários palestinos ligados ao Hamas, no seu interior. Os outros dois postos de controle, Erez e Kerem Shalom, são controlados por Israel.
Desde 2007, a abertura dessa passagem tem sido esporádica. Só os anos de 2011 a 2013 marcam um parêntese, quando a Irmandade Muçulmana estava no poder tanto no Cairo, após a revolução da Praça Tahrir, como em Gaza.
Depois, com a queda do presidente egípcio Mohamed Morsi, Gaza foi novamente fechada. Entre 2013 e 17 de maio de 2018, o posto de controle nunca esteve aberto por mais de três semanas.
A estabilidade das relações entre o Egito e Israel, em paz desde 1979, e o primeiro tratado de paz árabe-israelense, ainda hoje determinam, em parte, o bloqueio a Gaza. Esse tratado previa a divisão do Sinai em quatro zonas. A Zona C se estende de El-Arich a Ras Mohammad, uma reserva natural no extremo sul do Sinai. Dezenas de milhares de policiais patrulham atualmente esse vasto deserto, onde estão espalhadas células jihadistas. A travessia de Rafah está incluída nessa área.
O que passa por Rafah?
Acima de tudo, são pessoas que passam por esse gargalo geográfico: palestinos necessitando de cuidados, estudantes, empresários, fiéis que vão realizar o hajj, a peregrinação a Meca, mas também ocidentais, ou mesmo trabalhadores humanitários, jornalistas, etc.
“Não existem regulamentos muito claros para sair de Gaza, é preciso justificar a saída com um documento”, explica Alexandre Buccianti, correspondente da RFI no Cairo. Isdo é “comparável à forma como os vistos são emitidos para entrar no espaço Shengen”, diz.
Segundo a ONU, em agosto de 2023, 19.608 pessoas foram autorizadas a sair de Gaza, um recorde desde julho de 2012. O acesso foi negado a 314 pessoas.
As cargas passam principalmente pelo posto de controle vizinho, em Kerem Shalom, administrado por Israel. Cerca de 12 mil caminhões entraram em Gaza em agosto, carregados com materiais de construção (42%), alimentos (22%) e ajuda humanitária (3%).
Túneis
Contudo, existe ainda o tráfego subterrâneo entre Gaza e o Egito, que é mais ou menos denso dependendo da geopolítica. Entre 2007 e 2011, segundo a Unrwa, cerca de 1.500 túneis foram ativamente utilizados pelos palestinos para contornar o bloqueio israelita à Faixa de Gaza.
“Não para armas, mas para gás, gasolina, água… As armas não passam pelo Egito, passam pelo mar. A costa de Gaza é uma importante zona de pesca. No entanto, a marinha israelense, pouco desenvolvida, não consegue controlar todos os pequenos botes que circulam por lá”, explica o correspondente da RFI no Cairo.
Mas os soldados egípcios inundaram as passagens subterrâneas. “Nos últimos três anos, devido à aproximação entre o Cairo e o Hamas, os túneis restantes não têm estado muito ativos”, especifica.
Se Rafah continua a aparecer nos noticiários, é porque o posto, do lado palestino, foi alvo inúmeras vezes: três vezes nos dias 9 e 10 de outubro e uma quarta vez nesta segunda-feira. “O objetivo é desacelerar a passagem de cargas humanitárias”, explica o jornalista.
Em 2015, a Anistia Internacional acusou Israel de ter cometido “crimes de guerra” ao matar “pelo menos 135 civis” em Rafah, em retaliação pela captura de um dos seus soldados durante a guerra de 2014 na Faixa de Gaza.
Palestinos concentrados na fronteira
Centenas de palestinos estão atualmente reunidos em Rafah, na esperança de uma reabertura. “Há oito dias que dormimos na fronteira, sem qualquer ajuda”, disse à AFP Osama Abou Samhadana, um egípcio que tenta voltar para casa com a sua família. Embora mais de um milhão de habitantes de Gaza tenham fugido para o sul da Faixa de Gaza, a pressão é forte sobre as portas de Rafah.
“Durante a guerra de 2008, dezenas de milhares de palestinos escalaram a cerca e cruzaram o arame farpado”, lembra Alexandre Buccianti, que estava no local naquela época.
A questão da recepção no Egito de pessoas deslocadas é levantada, mas o Cairo recusa categoricamente a perspectiva de campos palestinos em seu território, aceitando apenas comboios humanitários na outra direção.
“Uma fronteira demasiadamente aberta seria sinônimo de uma nova Nakba”, a “Grande Catástrofe” de maio de 1948, quando 700 mil palestinos, expulsos dos territórios que ocupavam, se exilaram nos países da região.
Hoje, segundo a ONU, Gaza está às vésperas de uma nova “catástrofe humanitária”.