Quais são as prioridades máximas da COP27?
Conferência sobre mudanças climáticas, a COP27 começa no Egito. Países ricos são instados a contribuir para evitar mudanças climáticas
atualizado
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Com a guerra russa contra a Ucrânia e os protestos no Irã dominando as manchetes, os líderes mundiais estão perdendo de vista a “luta de vida ou morte” em torno do clima global, advertiu o secretário-geral da ONU, António Guterres, com vista à 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP27), que transcorre desde o domingo (6/11) até 18 de novembro de 2022 no Egito.
Falando à imprensa em Nova York em outubro, Guterres urgiu as nações industrializadas a cumprirem integralmente seus compromissos coletivos, inclusive o de investir, até 2025, 100 bilhões de dólares anuais em ações climáticas em países em desenvolvimento. Essa meta, estabelecida em 2020, ainda está longe de ser alcançada.
“As ações das mais ricas economias desenvolvidas e emergentes simplesmente não fecham a conta”, criticou o diplomata português.
“Somados, os atuais compromissos e políticas estão batendo a porta para a nossa chance de limitar o aumento da temperatura global a 2ºC [em relação à era pré-industrial], ainda mais de cumprir a meta de 1.5ºC”, disse.
Em seguida às recentes enchentes devastadoras no Paquistão e às ondas de calor e secas recordes por todo o planeta, o tema “perdas e danos” deverá ocupar papel central nas negociações na cidade-balneário Sharm el-Sheikh, no Mar Vermelho.
A ideia de fornecer reparações aos países vulneráveis por perdas, tanto econômicas quanto culturais, relacionadas a catástrofes climáticas foi abordada pela primeira vez na cúpula do clima de 2013, em Varsóvia. Contudo o progresso tem sido lento.
Nações ricas, como os Estados Unidos e na Europa, têm se mostrado relutantes em se comprometer com um fundo – que pode chegar a centenas de bilhões de dólares até 2030 – dedicado a cobrir o custo pesado de suas altas emissões de gases causadores do efeito estufa.
Importância de abordar perdas e danos
A questão das perdas e danos é especialmente premente para os países insulares a baixa altitude, que têm sido os mais vulneráveis à subida do nível do mar e a tormentas cada vez mais destrutivas.
“Não temos mais tempo para desperdiçar: nossas ilhas estão sendo atingidas pelos impactos climáticos mais severos e mais frequentes, e a recuperação se dá à custa de nosso desenvolvimento”, expôs Walton Webson, presidente da Aliança dos Pequenos Estados Insulares na Assembleia Geral da ONU em setembro.
Ele frisou que não basta se concentrar em medidas de adaptação: “Onde vamos encontrar o dinheiro para reconstruir? Por que as nossas ilhas, que menos contribuem para as emissões que causam esta crise, pagam o preço mais alto?”
Segundo Wael Aboulmagd, o representante especial do Egito para a cúpula climática, a COP27 priorizará esse tema e “encontrará financiamento para os países passando necessidades extremas confrontarem as perdas e danos imediatos que consomem uma parte importante de seu produto interno bruto anual”.
Opção por renováveis em meio a crise energética
Esta conferência do clima será a primeira desde que a Rússia começou a reduzir seu suprimento de gás natural e outros combustíveis fósseis, em seguida a sua invasão da Ucrânia.
A retaliação de Moscou contra as pesadas sanções globais desencadeou uma crise energética sobretudo na Europa, acentuando a necessidade de migrar para a energia renovável.
Em sua agenda, a presidência egípcia da COP27 deu grande ênfase à “promessa de inovação e tecnologias limpas”, dedicando vários dias ao hidrogênio verde e à descarbonização da energia.
Na conferência de 2021, em Glasgow, Escócia, um dos principais focos foi dar fim ao emprego de combustíveis fósseis, em especial para a geração de eletricidade.
Um dos resultados foi mais de 30 países se comprometerem a encerrar o apoio público direto, estimado em 24 bilhões de dólares anuais, “para o inabalado setor internacional de combustível fóssil”, até o fim de 2022.
No entanto, a escassez provocada pela guerra na Ucrânia minou os esforços para elevar a parcela de fontes renováveis na matriz energética, com alguns países – inclusive a Alemanha – recorrendo ao carvão mineral e ao petróleo para compensarem a carência.
Um dos principais pontos de debate em Sharm el-Sheikh deverá ser a forma como essa nova insegurança vai alterar a meta de acelerar a transição para a energia renovável.
Como pagar a conta da transição
Para muitos cientistas, ativistas do clima e a ONU, a energia renovável é o único caminho adiante. Contudo, ministros africanos do Meio Ambiente e das Finanças têm se pronunciado contra um abandono rápido dos combustíveis fósseis, alegando riscos para seu crescimento econômico.
A chefe das Finanças da Nigéria, Zainab Ahmed, afirma que certos países não têm alternativa.
“Se não obtivermos financiamento para desenvolver [fontes de] gás a preços razoáveis, estamos negando aos cidadãos de nossos países as oportunidades de obterem desenvolvimento básico”, comentou numa conferência ministerial africana no Cairo, em setembro.
Diversos países da África também dependem da exportação de petróleo e gás para financiar medidas de adaptação, tais como a expansão dos projetos de fontes renováveis e de eficiência energética.
Com o Egito decidido a defender os interesses africanos na COP27, também será um tema central a “transição energética justa e financiável” para o continente.
Segundo estimativa do Banco Africano de Desenvolvimento, a África tem um déficit de 108 bilhões de dólares anuais para o financiamento de medidas climáticas. Ela recebe menos de 5,5% da verba global para o setor, em parte devido a uma percepção de risco e a mercados verdes pouco desenvolvidos.
“A verdade da história é que os recursos que necessitamos precisam de crédito, os riscos precisam ser mitigados”, comentou à DW em setembro Amina J. Mohammed, vice-secretária-geral da ONU e ex-ministra do Desenvolvimento da Nigéria.
“Eles precisam de soluções na mesa, permitindo que esses recursos fluam. Isso não está acontecendo, e precisa acontecer ontem”, disse.
Investimentos versus corte de dívidas
Outro tema forte nas discussões da conferência do clima será o perdão de dívidas, sobretudo no contexto da crise provocada pela pandemia de covid-19.
Segundo uma análise recente do Instituto Internacional do Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED, na sigla em inglês), o corte imediato da dívidas de 58 países em desenvolvimento – mais de três quartos dos quais na África Subsaariana – liberaria para iniciativas climáticas cerca de 105 bilhões de dólares em verbas públicas.
“Com milhões de habitantes dos países mais endividados já sofrendo inundações, incêndios florestais e calor abrasador, um esquema abordando dívida soberana, ao lado da crise climática e a perda da biodiversidade, traria três vezes mais benefícios”, avalia Sejal Patel, economista ambiental do IIED.
“Programas para o clima e a natureza bem projetados fortaleceriam a resiliência econômica desses países, e assim sua capacidade futura de arcar com dívidas”, continua.
“Esta é uma COP de implementação, está acontecendo na África”, resume a vice-secretária-geral da ONU Amina Mohammed. “Se não conseguirmos demonstrar comprometimento com a África desta vez, então as promessas realmente foram quebradas.”