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Pressão de produtores rurais da França frustrou acordo Mercosul-UE

Maior potência agrícola na UE, a França contabiliza 1/4 da produção total do bloco. Entrada do Mercosul assusta setor agropecuário francês

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Declaradamente contra o acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia (EU), a França é o país do bloco europeu que mais se beneficia de subsídios direcionados ao agronegócio. De acordo com dados da Comissão Europeia, os produtores do argonegócio francês receberam, entre 2014 e 2020, € 11,4 bilhões (cerca de R$ 61 bilhões) pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader).

E foram os produtores rurais franceses os maiores responsáveis por pressionar o presidente do país, Emmanuel Macron, a jogar contra o acordo que o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), gostaria de ter fechado essa semana. Oficialmente, os dois blocos dizem que vão continuar negociando, mas diplomatas brasileiros admitem nos bastidores que a chance de um acerto num futuro próximo praticamente não existe.

Maior potência agrícola na União Europeia, a França contabiliza um quarto do agronegócio do bloco, graças, em parte, à competititvidade que os subsídios asseguram. E é exatamente essa competitividade que franceses acham que seria ameaçada com uma parceria entre Mercosul e UE.

As tratativas para essa cooperação entre o bloco sul-americano e a UE duram mais de 20 anos e encontram o maior obstáculo na França. Macron, disse, no último sábado (2/11), que o contrato entre Mercosul e União Europeia é “antiquado” e “incoerente”. A declaração tem como contexto a resistência do setor produtivo francês ao acordo.

Especialistas ouvidos pelo Metrópoles afirmam que a “desaprovação” de Macron trata-se de uma resposta à pressão do setor agropecuário, de ambientalistas e da sociedade civil franceses.

O país europeu destaca-se na produção de cereais, vinho, laticínios e outros produtos.

No entanto, a agropecuária representa apenas 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e emprega 3% da população francesa. O terceiro setor, de serviços, é responsável por 70,3% do PIB, seguido pela indústria (17,4%).

Lia Valls, professora de economia internacional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), lembra que o setor agrícola francês tem um histórico de “protecionismo de séculos” e está empenhado em barrar o acordo.

Ela afirma que Macron responde ao lobby devido ao peso significativo do setor ruralista francês na política do país.

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Valls pontua que o acordo entre Mercosul e UE desagrada aos franceses, mas, por outro lado, agrada a países com menor poderio agrícola. Isso porque, com a aprovação da parceria, menos dinheiro será gasto durante algumas etapas da produção agrícola, altamente taxadas.

Assimetria de demandas

Segundo Carolina Pavese, professora de relações internacionais da ESPM, com especialização em assuntos ligados à Europa, o agronegócio francês teme perder “competitividade” ante os produtos produzidos pelos membros do bloco sul-americano.

Ela ressalta que o acordo sofre uma série de resistências de ambos os lados. No caso do Mercosul, o que pesam são as concessões ambientais e compras governamentais. Já na UE, há uma posição “heterogênea” devido à distribuição desigual dos possíveis ganhos e perdas no mercado europeu.

Nesse sentido, pesam para a França os impactos no agronegócio — setor com alta importância econômica, política e social. “É um setor que faz muito lobby e pressiona os governos regionais e nacional, além da União Europeia”, explica Pavese.

A professora afirma que o acordo dá poucas garantias de que os dois blocos vão observar os princípios de sustentabilidade nas respectivas atividades econômicas. Ela destaca uma “assimetria de demandas”, onde a UE exige responsabilidade ambiental dos países do Mercosul e, por outro lado, o bloco sul-americano não faz as mesmas exigências.

“Portanto, a posição de Macron vem respaldada em uma postura que agrada dois grupos antagônicos: o agronegócio e a sociedade civil, principalmente ambientalistas”, diz. “É muito mais uma fala direcionada para agradar a sociedade francesa do que uma fala de conciliação diplomática”, completa.

Além do agronegócio

Mesmo com grandes chances de deslanchar no agronegócio, o Mercosul poderia sentir impactos com a aprovação do acordo no setor de indústria, conforme Pavese.

“O acordo traz benefícios para o Mercosul, mas também traz um possível processo de desindustrialização e perda da competitividade dos nossos setores de serviços, inclusive, quando considera que o setor público é um dos grandes mercados desse setor”, fala.

Na análise de Pavese, empresas brasileiras não têm capacidade de ingressar no mercado europeu com a mesma força que as empresas europeias vão entrar no mercado sul-americano.

Em contrapartida, Valls entende que a ideia de que o acordo iria “destruir a indústria brasileira” é falsa. Para a professora de economia, como “acordos são cronogramas com muita defasagem”, os impactos não são imediatos.

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