Preso aos 13 anos, jovem espera pena de morte na Arábia Saudita
Murtaja Qureiris, hoje com 18, é acusado por crimes que teria cometido aos 10 anos de idade e ficou cinco anos preso sem direito à defesa
atualizado
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Um adolescente saudita preso há mais de quatro anos pode ser executado na Arábia Saudita por atos que teria cometido quando tinha 10 anos de idade, alertam grupos de direitos humanos. Uma sentença de morte no caso de Murtaja Qureiris, hoje com 18 anos, será o que os grupos qualificam como “a mais atroz violação das proteções legais para as crianças em todo o mundo”.
“Há poucas violações mais graves da lei internacional do que a execução de uma criança”, afirmou Maya Foa, diretora do Reprieve, um dos grupos de direitos humanos. Murtaja foi preso em setembro de 2014, quando tinha 13 anos. Está detido desde então. As acusações contra ele, algumas de três anos antes da sua prisão, estão relacionadas com sua participação em protestos contra o governo, posse de arma de fogo e participação em uma “organização terrorista”.
A rede CNN publicou vídeos de Murtaja liderando uma multidão de crianças numa manifestação com bicicletas em 2011. Ele tinha 10 anos. Era o auge das rebeliões da Primavera Árabe que tomaram conta do Oriente Médio. Os protestos envolveram grande parte das províncias xiitas a leste da Arábia Saudita, que com frequência terminavam em banhos de sangue e prisões em massa.
Murtaja é membro da minoria xiita do país e vem de uma família de ativistas da província de Qatif, situada na área xiita ao sul da Arábia Saudita. Seu irmão mais velho, Ali Qureiris, foi morto em 2011, quando participava de um protesto. A monarquia saudita adota uma versão conservadora de islamismo conhecida como wahabismo, que está arraigada nas normas sociais do país, no governo e no sistema judiciário. A administração saudita é frequentemente acusada de perseguir os xiitas.
O grupo de direitos humanos European Saudi Organization for Human Rights, que acompanha o caso há anos, confirmou, na semana passada, que o promotor público saudita acusou Murtaja em agosto de 2018 de participação nos protestos e recomendou sua execução.
O grupo afirmou que o jovem é mantido preso há anos sem acusações formais, tendo ficado primeiro em uma prisão solitária, sem acesso a um advogado, antes de ser coagido a confessar. A Anistia Internacional confirmou a informação do pedido de pena de morte feito pelo promotor em agosto de 2018.
Mohammed bin Salman
As execuções — quase sempre por decapitação — são comuns na Arábia Saudita e, segundo os grupos de direitos humanos, ocorrem depois de o condenado passar anos em detenção, submetido a torturas. Mas será algo extraordinário mesmo para a Arábia Saudita decapitar alguém acusado de atos cometidos quando era uma criança.
A embaixada saudita em Washington não comentou o caso. A monarquia saudita sempre defendeu sua prática de execuções de presos e condenados. O governo saudita declarou que a pena de morte “só é imposta em caso de crimes mais graves e está sujeita a controles rigorosos”, depois do devido processo. Mas segundo os grupos de direitos humanos a sentença de morte é requerida em casos de crimes menos importantes e como punição de grupos e ativistas minoritários que desafiam o governo.
“Não há dúvida de que as autoridades sauditas estão dispostas a tudo para reprimir dissidentes, incluindo o recurso da pena de morte para homens que eram meninos à época da sua prisão”, disse Lynn Maalouf, diretora de pesquisa da Anistia Internacional para o Oriente Médio. “É apavorante que os sauditas adotem a pena de morte com base em acusações que incluem a participação de um réu em protestos quando ele ainda era uma criança.”
A primeira audiência de Murtaja no tribunal foi em agosto de 2018, quase quatro anos após sua detenção. Ele foi ouvido na Corte Criminal Especializada, tribunal criado em 2008 para julgar crimes terroristas, mas que vem sendo usado cada vez mais para julgar e condenar ativistas de direitos humanos e manifestantes. A próxima audiência do jovem Murtaja será dentro de algumas semanas.
Pelo menos três outros adolescentes – Ali al-Nimr, Dawood al-Marhoon e Abdulla al-Zaher – que eram menores de idade à época dos seus supostos crimes, foram condenados à morte e estão aguardando a execução, segundo O Alto Comissariado para Direitos Humanos das Nações Unidas.
No início deste ano, a agência de notícias oficial saudita informou a execução em massa de 37 homens. Pelo menos 33 eram xiitas. Eles foram condenados à morte pela “adoção de ideologia terrorista, extremista e formação de células terroristas para corromper e perturbar a segurança, disseminar o caos e causar discórdia sectária”, informou a agência.
A pena de execução foi condenada pelas Nações Unidas e grupos de direitos humanos pediram que o príncipe da Coroa Mohammed bin Salman seja responsabilizado. “As autoridades sauditas têm um histórico estarrecedor de usar a pena de morte como arma para reprimir dissidentes políticos e punir pessoas que protestam contra o governo, inclusive crianças, da minoria xiita perseguida do país”, disse Maalouf. A execução em massa, em abril, foi a maior desde janeiro de 2016, quando a Arábia Saudita executou 47 homens por alegados crimes de terrorismo, incluindo um clérigo xiita, xeque Nimr al Nimr, que criticava o tratamento da sua minoria xiita pelo reino.
A Arábia Saudita executou 139 pessoas em 2018, muitas condenadas por assassinato e crimes relacionados a drogas, segundo relatório da organização Human Rights Watch, de 2019, que monitora abusos de direitos humanos no mundo todo. Das 139 pessoas executadas, 54 haviam sido condenadas por crimes de drogas não violentos.
Com base no relatório da Anistia Internacional, nos primeiros cinco meses de 2019, pelo menos 110 pessoas foram condenadas à morte e executadas na Arábia Saudita.