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Presidente do Quênia retira projeto após 22 mortes em manifestações

Presidente Willam Ruto anunciou a retirada do contestado projeto de orçamento para 2024-25 que previa aumentos de impostos

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Manifestação deixou 22 pessoas mortas
1 de 1 Manifestação deixou 22 pessoas mortas - Foto: Reprodução/AP

“Tendo ouvido atentamente o povo do Quênia, que disse em alto e bom som que não quer ter nada a ver com esta lei financeira de 2024, inclino a minha cabeça e não assinarei a lei financeira de 2024, que será, portanto, retirada”, declarou William Ruto, presidente do Quênia, sobre texto que previa aumento de impostos.

Após a apresentação ao Parlamento, em 13 de junho, do projeto de orçamento que prevê a introdução de novos impostos (16% de IVA sobre o pão, 2,5% de imposto anual sobre veículos, etc.), surgiu no país um movimento denominado “Occupy Parliament” (“Ocupar o Parlamento”), lançado nas redes sociais, que encontrou uma forte resposta entre a “geração Z” (jovens nascidos depois de 1997).

A mobilização cresceu durante as duas primeiras manifestações pacíficas de 18 e 20 de junho e muitos quenianos seguiram os passos da juventude. O slogan anti-impostos tornou-se antigovernamental, com slogans como “Ruto deve ir embora”.

O governo anunciou, então, que estava abandonando a maior parte das novas medidas fiscais. Mas isto não dissuadiu os manifestantes, que denunciam um truque, que consiste em compensar a retirada de certas medidas por outras. Eles apontam, sobretudo, um aumento de 50% nos impostos sobre os combustíveis.

O descontentamento é ainda mais forte porque William Ruto foi eleito, em agosto de 2022, prometendo defender os mais pobres. No ano passado, seu governo já aumentou o imposto sobre o rendimento e as contribuições para a saúde e duplicou o IVA da gasolina.

O governo defendia estas medidas fiscais para dar ao país uma margem de manobra e financiar seu ambicioso orçamento para 2024-25, que conta com 4 bilhões de xelins (R$ 170 bilhões) em despesas, um recorde.

Manifestações e invasão do Parlamento

O Quênia despertou nesta quarta-feira (26/6) em estado de choque devido à violência da véspera e a invasão do Parlamento, pela primeira vez na história do país independente desde 1963.

As tensões aumentaram durante a tarde na capital, Nairóbi, à medida que os manifestantes avançavam em direção ao Parlamento.

Segundo ONGs, a polícia disparou munições reais para tentar conter a multidão, o que forçou as barreiras de segurança na entrada do complexo que abriga a Assembleia Nacional e o Senado. Prédios foram saqueados e parcialmente queimados.

Saques também ocorreram em outros pontos da capital e em várias cidades do país. Prédios foram queimados em Eldoret, no Vale do Rift, reduto do presidente William Ruto.

Vinte e duas pessoas foram mortas no país durante os protestos de terça-feira, incluindo 19 na capital Nairóbi, informou nesta quarta-feira o órgão oficial de direitos humanos, a Comissão Nacional de Direitos Humanos do Quênia (KNHRC). “Mais de 300 feridos e mais de 50 detenções”, indicou a sua presidente, Roseline Odede, anunciando “a abertura de uma investigação” sobre essas mortes.

Um funcionário do Hospital Nacional Kenyatta de Nairóbi, o principal hospital do país, disse à AFP na quarta-feira que receberam “160 pessoas (…) algumas com ferimentos superficiais, outras com ferimentos de bala”.

As autoridades não comunicaram quaisquer dados oficiais.

Violência e anarquia

Depois do dia de violência e saques na capital Nairóbi, o presidente William Ruto quis mostrar firmeza na noite de terça-feira e garantiu que a “violência e a anarquia” seriam firmemente reprimidas.

O movimento de protesto antigovernamental no Quênia convocou uma manifestação pacífica na quinta-feira (27) em memória das vítimas da mobilização caótica de terça-feira.

“Todo o poder soberano pertence ao povo do Quênia. Não poderão matar todos nós”, escreveu a jornalista e ativista Hanifa Adan, uma figura do protesto, na manhã de quarta-feira no X (antigo Twitter), em resposta ao presidente que anunciou que tinha mobilizado o Exército para apoiar a polícia diante dos protestos.

“Amanhã marcharemos pacificamente novamente vestidos de branco, por todas as nossas vítimas. Vocês não serão esquecidos!”, acrescentou a jornalista.

As cenas de caos alarmaram na terça-feira os Estados Unidos e mais de uma dezena de países europeus, a ONU e a União Africana, que se declararam “profundamente preocupados” e fizeram um apelo à calma.

A principal coligação da oposição, Azimio, liderada pelo veterano Raila Odinga, acusou o governo de “liberar a sua força bruta” contra os manifestantes e pediu à polícia para “parar de atirar em crianças inocentes, pacíficas e desarmadas”.

O grupo de ONGs liderado pela Anistia Quênia também destacou na terça-feira que registaram 21 sequestros de pessoas por “oficiais uniformizados ou à paisana” nas últimas 24 horas.

Antes de terça-feira, esta mobilização já tinha sido marcada pela morte de duas pessoas em Nairóbi, bem como por dezenas de feridos e centenas de detenções.

Repressão da polícia

Na manhã desta quarta-feira (26/6), a Comissão Queniana de Direitos Humanos, realizou uma coletiva de imprensa para denunciar as práticas repressivas da polícia. O uso de munições reais ou o envio do Exército às ruas da capital não são dignos do Estado de Direito, segundo a organização.

Ela aponta para a responsabilidade do comandante da polícia queniana e especialmente do presidente William Ruto, que persiste em não ouvir o seu povo. Segundo o KHRC, a mobilização afetou ontem 67 cidades em todo o país, o que é histórico.

Para Marie-Emmanuelle Pommerolle, professora de ciências políticas da Universidade Paris 1-Panthéon-Sorbonne e pesquisadora no Instituto do Mundo Africano, o fato do alvo dos manifestantes ter sido o Parlamento, poderia ser uma das justificativas para a forte repressão.

“Mas também temos que lembrar que Ruto é um homem político que há 35 anos navega em instituições politicas quenianas e nos anos 90, durante a era do presidente (Daniel Toroitich Arap) Moi, uma era autoritária, ele era um dos elos do uso da violência”, explica afirmando que, apesar de ter sido eleito democraticamente, Ruto tem “um histórico de uso da repressão”, explicou a pesquisadora à RFI.

Para ela, a invasão do Parlamento mostra que existe uma verdadeira falta de confiança em relação ao poder, expressada pelo movimento. “Mas as instituições quenianas são fortes. Existe uma Justiça que é relativamente respeitada, advogados, instituições religiosas que vão talvez tentar ser intermediários entre o governo e os jovens que protestam”, diz.

Confira mais reportagens como essa em RFI, parceiro do Metrópoles.

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