Por que parquinhos na Alemanha são propositalmente perigosos
Defensores afirmam que “parquinhos de risco” estimulam desenvolvimento de capacidades cognitivas, motoras e sociais
atualizado
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Escaladas de até 6 metros de altura, pontes instáveis, escorregadores com 60° de inclinação e balanços livres de cordas de proteção. Essas são algumas características de parquinhos de “risco” que se popularizaram na Alemanha como uma reação aos modelos com equipamentos feitos de plástico, com quinas arredondadas e piso emborrachado, que visam minimizar as chances de acidentes.
Segundo especialistas, os parquinhos que associam risco à brincadeira pretendem estimular a resolução de problemas pelas crianças.
“Esses modelos de parques podem ser mais estimulantes para o desenvolvimento infantil”, avalia especialista em educação, natureza e cultura das infâncias do Instituto Alana, Paula Mendonça. “Com o modelo anterior, a criança tem poucos desafios criativos, as atividades são repetitivas e há uma certa monotonia”.
O pedagogo e pesquisador Rolf Schwarz, professor da Pädagogischen Hochschule Karlsruhe, diz que playgrounds que proporcionem desafios às crianças contribuem para o desenvolvimento delas. “A tomada de risco é um dos fatores essenciais para fazer as crianças se sentirem felizes em descobrirem quem elas são, o que podem fazer, qual é a sua competência, seja no desenvolvimento social, emocional, cognitivo, mental e até mesmo físico”.
Ele diz que indicadores como obesidade infantil e sedentarismo também motivaram pesquisadores a elaborar uma estratégia para incentivar a mobilidade das crianças.
De acordo com dados levantados pela plataforma de dados alemã Statista, em 2018, 30% das crianças alemãs de 6 a 13 anos brincavam fora de casa todos os dias. E uma pesquisa de 2017 apontou que 15% dos jovens do país estavam com sobrepeso, e 6% tinham obesidade.
Demanda
Cerca de 100 mil “parquinhos de risco” foram construídos em toda a Alemanha pelos governos estaduais após uma mobilização de acadêmicos e da sociedade civil.
Esse movimento por reformas nos parquinhos começou a se aglutinar entre pesquisadores do tema nos anos 1990, após a queda do Muro de Berlim. Os pedagogos defendiam que o design dos playgrounds fosse mais atrativo, a partir da incorporação de risco, e incluísse materiais encontrados no ambiente.
Foi uma reação ao modelo de parquinho feito de plástico, difundindo a partir dos Estados Unidos e de lá para outros países depois de uma alta nos acidentes em playgrounds. A abordagem americana é tornar os playgrounds “o mais seguros possível”– e assim evitar possíveis processos judiciais.
Os projetos modernos proporcionam mais risco às crianças propositalmente e tiveram de se adequar às normas do Instituto Alemão de Regulação (DIN). O design aproveita a geografia local para a construção dos equipamentos, como desníveis e ladeiras, além de privilegiar o uso de materiais naturais como madeira.
Pais “helicóptero”
Um dos desafios para disseminar esse modelo de parquinho passa por demonstrar aos pais os ganhos em expor os filhos ao risco. “O risco é diferente de perigo, e a aprendizagem tem a ver com isso. Apresentar um desafio para a criança, de modo que ela possa fazer uma avaliação interna do risco, e tomar uma decisão em cima disso, e amplia as capacidades intelectuais, físicas e cognitivas delas, e que servem para a vida toda”, afirma Paula Mendonça, do Instituto Alana.
Para o alemão Rolf Schwarz, os pais precisam aprender que segurança não significa tornar tudo seguro o tempo todo. É muito importante que as crianças tenham a oportunidade de se machucar para descobrir o que funciona ou não. “Na Alemanha, chamamos de “pais helicóptero”, os que estão sempre voando em torno dos filhos, controlando-os”.
A recomendação é de que o adulto, ao invés de impedir a criança de sofrer riscos, o ajude a avaliar a situação para ultrapassar o desafio imposto pelos brinquedos.
A curitibana Rachel Romanowski, 37, mãe de duas crianças de 6 e 4 anos, mora em Berlim há 9 anos. Quando se deparou com os parquinhos infantis da capital, teve medo de deixar os filhos brincarem nos equipamentos.
“Realmente assustam, é um choque cultural, mas é algo que não demora a passar. Entendi que faz parte da busca da criança por autonomia. Minha filha de 6 anos é muito aventureira, já meu filho de 4 anos é mais cauteloso, e me requisita mais. Então percebi que a criança só vai no brinquedo se realmente consegue. Ela ficou muito feliz quando deu conta de subir na tirolesa sozinha”, diz.
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