Especialistas questionam efetividade de sanções dos EUA ao Irã
Retaliações podem prejudicar a população local, fortalecer discursos de governos autoritários e enfraquecer a oposição interna
atualizado
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Nessa sexta-feira (10/01/2020), cumprindo o que já havia antecipado depois que o Irã assumiu o lançamento de mísseis a duas bases militares norte-americanas no Iraque, o governo dos EUA anunciou novas sanções ao país persa. Frente aos apelos internacionais para que o conflito arrefecesse, o presidente norte-americano, Donald Trump, tomou a medida com a expectativa de frear o desenvolvimento de um programa nuclear iraniano, além de forçar uma negociação.
Especialistas ouvidos pelo Metrópoles, contudo, alertam: já há literatura nas relações internacionais questionando a efetividade de medidas do tipo. Na prática, sanções podem prejudicar a população local, fortalecer discursos de governos autoritários e enfraquecer a oposição interna, avaliam.
Vale lembrar que pesou na decisão de Trump de autorizar o assassinato do general iraniano Qassim Suleimani justamente o fato de ter crescido uma oposição interna no Irã ao regime de Ali Khamenei.
Um dos principais motivos para a baixa efetividade de sanções, aponta o professor do curso de Relações Internacionais (RI) da Universidade de Brasília (UNB), Juliano da Silva, é que as restrições econômicas acabam afetando especialmente as parcelas mais vulneráveis da população.
“Ao tentar pressionar governos, no fundo, o efeito é muito mais sério para as populações, porque começam a faltar produtos nas prateleiras. E os países que sofrem sanções normalmente têm agenda autoritária e seus líderes sofrem pouco, porque têm meios de obter esses produtos, beneficiados por uma série de concessões que fazem a si mesmos”, observa.
Discurso de ódio
Ainda que as sanções possam fazer a população se sentir pressionada e começar a fomentar um movimento de oposição, segundo o professor, a tendência é o contrário: que o governo sob embargos utilize as sanções para justificar dificuldades e angarie mais apoio. “É muito fácil construir o discurso de ódio.”
“A efetividade disso não será positiva para os EUA, porque, quanto às sanções, em geral, há muitas evidências de que elas só são efetivas em casos muito específicos. No caso do Irã, você não teve alteração no regime, pelo menos da forma que os americanos queriam”, complementa o professor de RI da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), Vinícius Vieira.
Ele acrescenta: “Por mais que você estrangule a economia, não estrangula o regime. E o governo islâmico pode atribuir os seus prejuízos às sanções dos EUA”.
Parceiros contra os EUA
Mesmo que o governo iraniano enfrente problemas, como a compra de armas, Vieira lembra o fato de que eles têm parceiros que fazem frente aos estadunidenses, como os russos, o que pode ajudar a contornar o problema.
O professor da FGV pontua, contudo, que os EUA têm um corpo diplomático bem treinado e monitoram atentamente o comércio internacional. Isso significa que eles sabem exatamente quais as áreas mais sensíveis da economia iraniana para atacar. É o caso, por exemplo, da exportação de aço, que entrou no rol das sanções.
Ele atenta para o fato de que, de 2009 a 2018, os iranianos registraram aumento de 1,084% nas vendas da liga metálica, segundo dados do Comércio dos EUA. “Ou seja, deve afetar muito a balança”, ressaltou.
Outros atores
Também entra no contexto, a participação de outros atores que mantêm relações comerciais com o Irã e que não são grandes parceiros dos Estados Unidos. “Temos países que não se submetem. China e Índia, por exemplo, exportam petróleo iraniano e não vão apoiar as sanções. Então, é efetivo até determinado ponto. Quem quiser vai encontrar estratégias para fazê-lo”, ressalta Vinícius Vieira.
Além disso, as sanções pesam majoritariamente sobre empresas, não sobre Estados, o que significa que a efetividade depende mais das necessidades particulares do mercado do que propriamente de relações diplomáticas entre governos.
“O Irã hoje tem alternativas e alguns países sabem que é algo apenas para dar satisfação para o americano, que isso é inefetivo. Os EUA ainda têm condições de ter força, ainda são a economia mais relevante, empresas têm contas nos EUA, negócios passam por lá, a moeda dólar é a mais importante, mas não têm muito impacto, sem falar na questão moral, já que envolve acesso a medicamentos, peças e outros produtos fundamentais”, conclui o professor da FGV.