Desafio de Bolsonaro no G20 é equilibrar pragmatismo e ideologia
Presidente brasileiro terá que mostrar equidistância entre as duas maiores forças da economia mundial, China e Estados Unidos
atualizado
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Enviada especial a Osaka (Japão) – O presidente Jair Bolsonaro (PSL) faz sua estreia no palco mais importante da economia mundial, a reunião de cúpula dos chefes de Estado e de governo do G20, em Osaka, no Japão, num momento em que seus dois maiores parceiros no comércio internacional, a China e os Estados Unidos, travam uma acirrada guerra comercial, com impactos sentidos no mundo inteiro.
Talvez o maior desafio de Bolsonaro neste cenário seja exatamente manter uma posição equidistante entre as duas potências, apesar da simpatia já tantas vezes declarada pelo presidente norte-americano, Donald Trump.
A guerra comercial entre os dois maiores motores da economia mundial, Estados Unidos e China, começou em março de 2018, quando Trump aumentou as tarifas de importação sobre o aço e o alumínio da China. Pequim retaliou com tarifas sobre alimentos. As tensões escalaram a ponto de Trump decretar sanções contra a Huawei, a gigante de telecomunicações chinesa e segunda maior produtora de smartphones do mundo.
Trump vetou a instalação de redes 5G da Huawei nos Estados Unidos, acusando a empresa chinesa de espionagem e de atuar contra os interesses da segurança nacional norte-americana. A Huawei também está proibida de receber componentes de fabricação americana e uma das principais executivas da empresa, Meng Wanzhou, filha do fundador da Huawei, está presa no Canadá desde dezembro, por suposta violação de sanções norte-americanas contra o Irã.
Ambiguidade
Bolsonaro tem manifestado sua clara preferência pelos americanos, enquanto que, com a China, mantém postura ambígua. Durante a campanha eleitoral, dizia que a China estava “comprando” o Brasil, o que não seria permitido em seu governo. Mais recentemente, porém, foram emitidos sinais de aproximação.
O vice-presidente, Hamilton Mourão, foi a Pequim, em maio, participar de reunião da Comissão Sino-Brasileira de Concertação e Cooperação; a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, apoiou a eleição do vice-ministro da Agricultura da China, Qu Dongyu, para a direção-geral da FAO (órgão das ONU para agricultura e alimentação), em substituição ao brasileiro José Graziano, que estava no cargo desde 2011. E Bolsonaro deve ir a Pequim no segundo semestre para uma visita ao presidente chinês, Xi Jinping.
A aplicação de tarifas e sanções pelos países tem múltiplos desdobramentos: acirra tensões geopolíticas, diminui o crescimento mundial e há até mesmo o temor de que as práticas protecionistas e isolacionistas possam provocar recessão em escala global. Por isso mesmo, é grande a expectativa nesta cúpula do G-20 de um encontro entre Donald Trump e o presidente chinês, Xi Jinping, que resulte em algum tipo de acordo que alivie as tensões nos mercados internacionais.
E por que o Brasil deveria manter equidistância entre os dois polos da disputa? Os números falam por si. A China é o destino de cerca de 30% das exportações brasileiras; tem o maior mercado consumidor do mundo e oferece grandes possibilidades de investimento em infraestrutura. Por outro lado, os Estados Unidos são o segundo parceiro comercial mais importante para o Brasil.
A disputa entre as duas potências, o protecionismo acima da média histórica no mundo e as tarifas aplicadas sobre centenas de bilhões de dólares em produtos dificultam as possibilidades de acordos para, por exemplo, reformar a Organização Mundial do Comércio (OMC), instituição multilateral que tem como um de seus objetivos abrir mercados para os países membros. Vários países concordam que é preciso reformar, mas qual reforma?
Há vários governos, o Brasil defende uma redução nos subsídios agrícolas nos países ricos porque isso cria distorções que prejudicam as nações em desenvolvimento. Bolsonaro também defende a redução, mas é pouco provável que haja avanços no sentido de adotar regras comerciais mais justas, no cenário atual.
Outra questão que Bolsonaro poderá enfrentar é uma cobrança, em especial dos países da União Europeia, a respeito da posição do atual governo brasileiro em relação à proteção ambiental, a mudanças climáticas e à segurança alimentar. O governo Bolsonaro tem levantado dúvidas sobre o aquecimento global e tem adotado várias medidas de impacto negativo para o meio ambiente.
“Tempos de mudança”
É nesse contexto que Bolsonaro chega ao G-20, prometendo “um novo Brasil”, que fará reformas para gerar empregos e fazer a economia crescer. Essas e outras promessas estão num artigo assinado por Bolsonaro sobre a participação brasileira nesta reunião de cúpula, que começa sexta-feira (28/06/2019). O G-20 reúne as 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia e atua como um conselho internacional para a cooperação econômica.
No artigo “G-20, cooperação em tempos de mudança”, Bolsonaro pinta um retrato bastante otimista – quase ufanista – da conjuntura política e econômica brasileira, dizendo que a reforma da Previdência, em análise na Câmara dos Deputados, vai cortar mais de US$ 250 bilhões em gastos do governo nos próximos 10 anos, valor equivalente, em reais, à cifra de cerca de R$ 1 trilhão, prometida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Bolsonaro ressaltou no artigo que a reforma vai proteger os pobres e combater privilégios.
Ele destaca também o programa de concessões e privatizações, que, desde o começo da atual gestão, concedeu à iniciativa privada 16 aeroportos, 27 terminais portuários e a ampliação da ferrovia Norte-Sul. Até o fim deste ano, segundo a expectativa do presidente, as concessões e privatizações vão superar o valor de US$ 60 bilhões.
Contra a decadência
Bolsonaro mencionou ainda que está discutindo com o Congresso a reforma tributária e que enviou para apreciação dos parlamentares o Pacote Anticrime, elaborado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. “Deixamos para trás o tempo em que o Estado era inchado, ineficiente, corrupto e permissivo com a violência”, afirma no artigo.
Segundo o presidente, todas essas ações combinadas vão criar empregos e crescimento e se destinam a “virar a página da decadência política, econômica e moral que dominou o Brasil”. O texto, porém, ignora as dificuldades que o governo vem tendo no Congresso para aprovar suas propostas. Até o momento, o projeto de reforma da Previdência – em análise numa comissão especial da Câmara dos Deputados – foi alterado em pontos considerados essenciais pelo governo.
E o Pacote Anticrime, de Sergio Moro, está parado enquanto o ministro enfrenta uma sequência de denúncias do site The Intercept, a respeito de possíveis ilegalidades cometidas por ele e pelos procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato, especialmente na condução do processo que levou à condenação e prisão do ex-presidente Lula (PT).
Dados ruins
Os indicadores econômicos também contradizem o otimismo do presidente. O nível de desemprego permanece alto, em torno de 13 milhões de desempregados, e a economia não consegue se recuperar. O mercado vem revendo para baixo a previsão do PIB (Produto Interno Bruto) para este ano. Na última revisão, divulgada no começo desta semana, a estimativa caiu para 0,87%. Quando Bolsonaro tomou posse, em janeiro, a expectativa de crescimento para este ano era de 2,2%.
O presidente também trata no artigo de questões internacionais. Afirma que o Brasil apoia a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC), que precisa “atender seu propósito original de abrir mercados e promover o desenvolvimento dos países membros. Bolsonaro reclama especificamente de distorções provocadas por regras diferentes para produtos industriais e agrícolas, que prejudicam as exportações brasileiras de commodities.
O presidente diz ainda que o Brasil quer entrar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) “sem demora”, pleito que já tem o apoio do presidente norte-americano, Donald Trump. Bolsonaro frisa também que vai dar prioridade para negociações de acordos em estágio avançado, como por exemplo, entre o Mercosul e a União Europeia e com o Canadá.