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Colegas veem procurador que esfaqueou juíza como “um cara legal”

Procuradores, juízes e advogados afirmam que Matheus Carneiro Assunção é “uma estrela de sua geração”. Foi promovido três vezes em 5 anos

atualizado

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TRF 3
1 de 1 TRF 3 - Foto: Flickr/CNJ

Colegas do procurador da Fazenda que esfaqueou a juíza Louise Filgueiras no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), em São Paulo, afirmam que Matheus Carneiro Assunção, preso em flagrante e internado no Hospital das Clínicas para tratamento psiquiátrico, é um “quadro exemplar, uma estrela de sua geração”.

Jovem, rico, solteiro convicto e obcecado com a imagem social – no trabalho e fora dele, Assunção era admirado por colegas procuradores, juízes e advogados, e estava cotado para assumir um posto de chefia da Procuradoria-Geral do Distrito Federal, em Brasília. Nas redes sociais, alimentava uma vida de conquistas acadêmicas e profissionais intercalada por viagens internacionais e baladas caras.

Foi em meio a esse clima que ele invadiu o gabinete de uma juíza federal substituta em São Paulo, na quinta-feira da semana passada (03/10/2019), para golpeá-la no pescoço com uma faca, tentando se suicidar em seguida.

O ataque aconteceu no prédio do TRF-3 na Avenida Paulista. Ele entrou no gabinete da magistrada Louise Filgueiras, que atua em substituição ao desembargador Paulo Fontes, em período de férias. O golpe, que acabou provocando apenas um ferimento leve, poderia ter sido fatal: foi próximo da jugular da juíza. O procurador ainda tentou jogar uma jarra de vidro na magistrada. Errou o alvo, e o barulho chamou atenção de servidores, que então entraram na sala e o imobilizaram.

Segundo os seguranças que o detiveram no Tribunal Regional Federal, Assunção afirmou que deveria ter entrado armado no tribunal, “para fazer o que Janot deixou de fazer”.

O procurador foi preso em flagrante por tentativa de homicídio qualificado. Por determinação judicial, foi internado no sábado (05/10/2019), no Hospital das Clínicas, onde permanece. Também foi aberto incidente de insanidade mental.

Em audiência de custódia na Justiça Federal, Matheus disse que começou a tomar um medicamento psicotrópico cinco dias antes do atentado. O advogado de defesa Leonardo Magalhães Avelar alegou que ele foi acometido por grave perturbação do estado mental.

Incredulidade
Uma semana depois do atentado, na Procuradoria da Fazenda de São Paulo, onde Matheus trabalha há 11 anos, ainda reina a incredulidade. Há quem se questione sobre as motivações. Há quem tenha certeza de que tudo não passou de “algum surto” e, ainda, quem se preocupe com os desdobramentos do fato, sobretudo com o que qualificam como uma reação politizada do Judiciário. “A juíza institucionalizou”, disse uma procuradora. “Nada a ver, fazer o que estão fazendo”, considera.

Colegas de Matheus destacam declaração da juíza Louise Filgueiras em entrevista ao Estado de S. Paulo, na qual a magistrada avaliou que o atentado pode ser resultado de uma mistura “explosiva” entre “polarização” e um contexto de “tentativas claras de intimidação” à magistratura.

Logo após a facada ganhar o noticiário, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação dos Juízes Federais de São Paulo (Ajufesp) afirmaram que os magistrados sofrem de “falta de segurança crônica” e que o “momento político contribui para acirramento dos ânimos e o desrespeito às instituições”.

“Aleatório”
“Foi um ataque aleatório”, sacramenta o também procurador da Fazenda James Siqueira, que trabalhou diretamente com Matheus entre 2012 e 2017. “Quem conhece o Matheus sabe que ele não cometeria um ato bárbaro. Certamente foi um surto. Quando soube do que aconteceu, no mesmo dia, foi o átimo segundo mais estranho de minha vida”, disse, na quarta (09/10/2019).

Um dia antes, cerca de 100 procuradores se reuniram no anfiteatro da Procuradoria da Fazenda, na região da Avenida Paulista, para discutir o caso. “A gente ficou preocupada, porque nos colocamos no lugar dele. Pode ter sido a pressão, poderia ter acontecido com qualquer um”, afirmou o procurador Georges Joseph Jazzar, amigo pessoal de Assunção.

Obcecado
Com origem em uma família tradicional de Recife, Matheus Carneiro Assunção tem 35 anos, estudou direito na Universidade Federal de Pernambuco, e fez mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo.

Ingressou na Procuradoria da Fazenda aos 24 anos e, um ano depois, assumiu a chefia da Divisão de Dívida Ativa da União em São Paulo, com uma equipe de 15 procuradores e 70 servidores. “Ele tinha 25 anos, eu, 41, e ele se tornou meu chefe. Ficou lá por três anos e foi muito bem”, conta Jazzar.

Desde 2012, Matheus atuava na Divisão de Acompanhamento Especial, área de contencioso estratégico, na qual a União se defende de processos movidos contra o Fisco pelas empresas.

“É uma área muito estratégica. Matheus estava sendo preparado para assumir a subchefia dela, não era segredo de ninguém isso”, diz James Siqueira.

Em cinco anos, o procurador ascendeu três vezes na carreira: de procurador de segunda classe para de primeira classe, e, depois, para classe especial. Com isso, recebe hoje um salário bruto de R$ 27.303,70 mais honorários de R$ 6 mil, totalizando R$ 33 mil mensais.

“Não fuma e não usa drogas”, afirma Ana Paula Bez Batti, que entrou na Procuradoria da Fazenda no mesmo ano em que ele. À Polícia Federal, ele teria afirmado que atravessava problemas psicológicos e era dependente de álcool.

Conhecido por falar muito sobre trabalho e quase nada sobre sua vida pessoal, poucos colegas sabiam, por exemplo, que Matheus, cujos pais residem em Recife, convive com a irmã e o cunhado, que moram em São Paulo.

Nas redes sociais, sobretudo no Instagram, ele compartilhava uma vida de festas e expansividade. “Ele comprou uma Mercedes e gostava de baladas”, conta o amigo Jazzar. “Era adepto de um estilo de vida hedonista”, afirma Siqueira. “Eu acho que ele foi vítima da pressão de tudo. Assim como eu, ele não gosta de reclamar da sorte, reclamar do trabalho, para não passar uma imagem de fraco, indicar um sinal de fraqueza”, conta Siqueira.

Dia do crime
No dia do atentado, Matheus Assunção foi ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região participar do 2º Congresso de Combate à Corrupção na administração pública. Segundo o Tribunal, ele teve acesso livre ao prédio pela catraca, sem passar pelo detector de metais, após apresentar sua carteira funcional. Teria entrado com a faca de cozinha escondida sob a roupa.

Assunção teria assistido ao congresso antes de invadir a sala da juíza federal Louise Filgueiras. Mais cedo, antes do almoço, ele foi visto em seu gabinete.

“Tudo que eu mais quero é encontrar com o Matheus e dar um abraço. Ele será muito bem recebido aqui”, conta Georges Joseph Jazzar. “Ele é um cara legal.”

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