Bolsonaro erra ao comentar relações comerciais entre Brasil e Israel
Presidente da República se equivocou ao comentar sobre geografia e histórico de visitas israelenses ao Brasil
atualizado
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Nesta semana, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), visitou Israel, um dos países que o peesselista como um de seus principais aliados no cenário mundial. Esta é a terceira viagem internacional de Bolsonaro, que, nestes três meses de governo, foi também aos Estados Unidos e ao Chile. A Lupa analisou algumas das frases ditas pelo presidente do Brasil em entrevistas e pronunciamentos realizados durante a viagem ao Oriente Médio. Confira:
“Estivemos separados [de Israel comercialmente] por algum tempo, tendo em vista o governo ideologicamente de esquerda [no Brasil].”
Presidente Jair Bolsonaro (PSL) em pronunciamento conjunto com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, no dia 31 de março de 2019
As exportações para Israel e as importações de produtos israelenses mais do que dobraram no período dos mandatos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (ambos do PT). De acordo com dados do Ministério da Economia, o crescimento acentuou-se depois que o então presidente de Israel, Shimon Peres, veio ao Brasil, em 2009, e de Lula retribuir a visita, em 2010.
O volume de bens vendidos a Israel passou de US$ 187,1 milhões, em 2003, para US$ 424,9 milhões, em 2016 – ano no qual Dilma foi afastada do cargo pelo processo de impeachment. Foi durante o governo da ex-presidente que o Brasil chegou ao ápice das exportações ao país no Oriente Médio: US$ 498,3 milhões em 2011 – maior quantia alcançada na série histórica, que começa em 1997. Ao longo do governo Lula, a média anual foi de US$ 288 milhões. Já no governo Dilma, subiu para US$ 424 milhões. Veja os dados completos aqui.
As importações israelenses também aumentaram com os governos petistas, mas houve uma flutuação maior no valor registrado ano a ano. De US$ 318,3 milhões, em 2003, a compra de produtos do país pelo Brasil chegou ao recorde de US$ 1,2 bilhão, em 2008, e caiu para US$ 696,6 milhões, em 2016. A média anual foi de US$ 665,2 milhões no governo Lula e de US$ 951,4 milhões no período Dilma.
Procurado para comentar, Bolsonaro não respondeu.
“[A participação do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, na minha cerimônia de posse] Foi a primeira visita de um chefe de governo israelense ao meu país.”
Jair Bolsonaro, presidente da República, em discurso na chegada a Israel, no dia 31 de março de 2019
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu foi, de fato, o primeiro chefe de governo israelense a visitar o Brasil. Ele chegou ao país no dia 28 de dezembro de 2018 e, entre outros compromissos, assistiu à posse do presidente Jair Bolsonaro, voltando a Israel no dia 2 de janeiro.
Vale ressaltar que, antes dele, o então presidente Shimon Peres visitou o Brasil em 2009 como chefe de Estado (e não de governo) de Israel. À época, o Brasil era presidido por Lula.
Ao contrário do Brasil, um país presidencialista, Israel é uma república parlamentarista. Por isso, as funções de chefe de Estado e de chefe de governo são divididas entre o presidente e o primeiro-ministro, respectivamente – no Brasil, o presidente concentra esses dois poderes. Em Israel, o presidente tem funções “em sua maioria cerimoniais e formais”, enquanto o primeiro-ministro de fato conduz o governo do país.
“Temos 26 estados no Brasil, e Israel é menor que o menor de nossos estados, Sergipe.”
Jair Bolsonaro, presidente da República, em discurso depois da assinatura de acordos entre o Brasil e Israel, no dia 31 de março de 2019
Segundo o CIA Factbook, Israel tem 20.330km² de área. É, portanto, menor do que o estado brasileiro do Sergipe, que, segundo o IBGE, tem 21.926 km². Sergipe, por sua vez, é o menor estado do Brasil, mas não a menor unidade da Federação – distinção que cabe ao Distrito Federal, com 5.760 km².
“Nós [Brasil] votamos de forma destoante deles [árabes] agora na ONU [nas resoluções envolvendo Israel].”
Jair Bolsonaro, presidente da República, em entrevista coletiva em Israel, no dia 31 de março de 2019
No último dia 22 de março, o Conselho dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) analisou cinco resoluções envolvendo Israel. Destas, o Brasil votou de forma destoante dos países árabes em duas e se absteve em uma. Nos outros dois documentos, porém, o país votou alinhado às nações árabes – Bahrein, Egito, Iraque, Qatar, Arábia Saudita e Tunísia.
As resoluções às quais o Brasil se posicionou contrariamente aos países árabes são a que condena as práticas usadas por Israel na região ocupada das colinas de Golã, na Síria, e a que defende a responsabilização e punição de violações de direitos humanos por Israel nos territórios ocupados da Palestina. Em ambas, os árabes votaram pela advertência a Israel, e o Brasil, contra. A posição dos árabes foi maioria.
O Brasil se absteve de votar na resolução que condena a construção de assentamentos israelenses em território palestino ocupado. Os árabes foram a favor, posição vencedora.
Já as decisões pró-Palestina nas quais o Brasil acompanhou o posicionamento árabe foram a que defende o direito do povo palestino à sua autodeterminação e a que pede a retirada de Israel dos territórios palestinos ocupados em 1967. Nestas, também, Israel foi advertido.
Desde 2016, o Conselho de Direitos Humanos da ONU vota estas cinco resoluções contra Israel. Quatro delas já eram apreciadas desde 2010. Nos anos nos quais integrou o colegiado (2013-2015 e de 2017 até agora), o Brasil votou a favor de todas elas, ou seja, pela advertência a Israel. Este é o primeiro ano com mudança de posicionamento em alguma das decisões.
As resoluções envolvendo Israel não são as únicas a serem analisadas e revisadas anualmente. Os governos do Sudão do Sul, Síria, Coreia do Norte e Myanmar também são alvo de análises anuais. O Brasil costuma votar a favor de todas essas resoluções. O conselho também renova anualmente o mandato do relator especial sobre a Situação dos Direitos Humanos no Irã. Neste caso, o Brasil se abstém desde 2014. O posicionamento brasileiro não mudou nestes cinco casos.
Por Chico Marés e Maurício Moraes