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Para pesquisadores, violência nos EUA inspira e empodera extremistas brasileiros

Instabilidade interna nos Estados Unidos deverá ocupar as atenções do futuro presidente, Joe Biden, e enfraquecer dinâmica continental

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Julio Cortez/Associated Press/ Estadão Conteúdo
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1 de 1 EUA-invasão-ao-Congresso - Foto: Julio Cortez/Associated Press/ Estadão Conteúdo

A América Latina sofre historicamente uma pesada influência política e econômica dos Estados Unidos, e o enfraquecimento das instituições na potência do continente, simbolizado pela violenta invasão do Congresso por trumpistas que não aceitam a derrota, tem consequências nos países do “quintal” dos EUA. Para especialistas na política da região ouvidos pelo Metrópoles, o precedente norte-americano torna mais fácil questionar resultados de eleições no Brasil e outros países.

O cientista político Julián Durazo-Herrmann, que dá aulas na Universidade do Quebéc em Montreal (UQAM), no Canadá, e pesquisa a política brasileira avalia que, como é bastante inspirado nos Estados Unidos, o modelo latino de democracia sentirá a repercussão da crise.

“Nós já temos visto sinais disso no Peru [que teve três presidentes em uma semana no fim do ano passado], no Equador, no Brasil. Há uma instabilidade política irradiada pelos EUA, que vai tornando mais difícil a solução dos problemas institucionais. E tudo piorou com o que vimos hoje [na quarta] em Washington, que foi um acontecimento sem precedentes na história desse país”, afirma ele em conversa com o Metrópoles por teleconferência.

Para o pesquisador norte-americano, a intensidade da influência da crise dos EUA nos países da vizinhança vai depender dos desdobramentos da quarta-feira de violência em Washington.

“Apesar de ter começado o dia atiçando seus seguidores, Trump acabou numa posição defensiva, pedindo paz, mostrando um pouco de receio. Temos alguns cenários: ele vai manter o controle sobre essa militância e fazer uma oposição pesada ao presidente Joe Biden, nas ruas? Vai perder o controle e o movimento vai se esfarelar em vários grupos com lideranças armadas? O movimento vai perder força? Se não perder, Biden terá muito trabalho interno e, por consequência, menos condições de se dedicar à política externa. Isso pode levar a uma desorganização política e econômica do sistema interamericano, que já não é muito eficiente”, analisa.

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Manifestante escalando o Capitólio
Invasão ao Congresso americano
Manifestante segura uma bandeira pró- Trump dentro do edifício do Capitólio dos EUA, perto da Câmara e do Senado
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Manifestantes a favor de Donald Trump

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NEW YORK, NY

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Inspiração para os brasileiros

Olhando mais especificamente para os trumpistas brasileiros, o professor de história da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Odilon Caldeira Neto avalia que eles saem empoderados dos episódios nos EUA. “A extrema direita brasileira tem se inspirado fortemente na norte-americana em estratégias de atuação e de discurso, na forma de agitação nas redes. Então ver esse movimento, que eles consideram um sucesso, inspira tendências do bolsonarismo”, afirma ele, que é coordenador de um grupo de estudos chamado Observatório da Extrema Direita.

De acordo com Caldeira Neto, o foco de atenção no Brasil não deve ser apenas na militância direitista permanentemente engajada, formada sobretudo por seguidores do escritor e guru Olavo de Carvalho. “O perigo de ver violência política tomando as ruas no Brasil poderia surgir no caso de uma eventual derrota de Bolsonaro na eleição de 2022. Nesse caso, essa inspiração golpista que os EUA colocaram em evidência poderia ajudar a mobilizar um contingente de caminhoneiros, de policiais militares e civis, de militares da ativa e da reserva… São grupos que podem ser cooptados pelo discurso de descrédito na eleição”, explica o estudioso, que tem debatido o tema também nas redes sociais. Veja uma postagem dele nesta quarta:

Campanha pelo voto impresso

Assim como ocorreu com Trump nos EUA, o presidente Brasileiro Jair Bolsonaro já vem investindo contra a credibilidade do sistema eleitoral. No fim do ano passado, em conversa com apoiadores em São Francisco do Sul (SC), o chefe do Executivo federal disse que, “se não tiver voto impresso, pode esquecer eleição”, em referência ao pleito de 2022.

No último dia 7 de dezembro, ele já havia dito a apoiadores que estava conversando com lideranças no Congresso Nacional sobre o assunto. “Quem decide somos nós, o presidente Executivo, e o Parlamento, tá ok? E ponto final”, afirmou o presidente, na saída do Palácio da Alvorada.

Segundo Bolsonaro, o uso de papel evitaria fraudes eleitorais, uma tese que o presidente apresenta sem provas ou dados de fraudes.

Contraponto pragmático

Para o cientista político Thiago de Aragão, mestre em relações internacionais pela Johns Hopkins University, dos EUA, e diretor da consultoria brasileira Arko Advice, a invasão do Capitólio nos Estados Unidos por apoiadores do presidente Donald Trump tem um impacto mais emocional que político no Brasil. Ele diz que não vê, no presidente Jair Bolsonaro, força suficiente para fazer algo semelhante no Brasil.

“Bolsonaro observa isso, de certa forma, como exemplo, porque ele acredita que o Trump é resistência contra o que é errado. Agora, não vejo o Bolsonaro com força suficiente e com ímpeto suficiente para ter atitude semelhante”, ponderou.

O analista também não vê no Brasil uma força política capaz de colocar em risco o resultado de uma eleição da forma como ocorreu nos Estados Unidos.

“As pessoas podem não gostar ou discordar das instituições brasileiras, mas elas existem, e no Brasil a gente tem uma situação na qual as forças políticas são muito diluídas. Não se tem só dois partidos fortes como nos Estados Unidos. Tem-se inúmeros partidos, com inúmeras lideranças e facções dentro de cada partido”, exemplificou.

Veja imagens feitas no ato trumpista pela jornalista Fabíola Gois:

“Pé atrás”

Já na observação do cenário internacional, Aragão aponta o desgaste no cerne da imagem institucional sólida dos Estados Unidos, o que pode provocar um “pé atrás” de nações importantes quanto à democracia norte-americana.

“Na observação de muitos países, isso enfraquece a imagem institucional americana, que sempre foi sua grande força externa. Isso gera um problema grave. No momento em que a institucionalidade americana perde algum tipo de credibilidade, ou legitimidade, os Estados Unidos perdem um dos grandes poderes históricos de influência. Isso faz com que outros países, até mesmo aliados, como Alemanha, o Reino Unido, a França, por exemplo, passem a ter agora um pé atrás com a capacidade americana de ser um exemplo de estrutura democrática”, conclui ele, jogando o debate para além da América Latina.

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Manifestação trumpista em Washignton DC

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Manifestação trumpista em Washinton DC

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