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Papiro de biblioteca alemã revela um menino Jesus rebelde

Manuscrito de 1.600 anos em grego é versão mais antiga do “Evangelho de Pseudo-Tomé”

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Cena da infância de Cristo imaginada pelo pintor inglês John Everett Millais (1829-1896) - Metrópoles
1 de 1 Cena da infância de Cristo imaginada pelo pintor inglês John Everett Millais (1829-1896) - Metrópoles - Foto: gemeinfrei

“Nova descoberta pode dar pistas sobre a infância de Jesus”, “Texto secreto da Bíblia muda tudo”, “Fragmento de papiro egípcio cadastrado errado em biblioteca alemã detona percepções milenares sobre a Bíblia e o próprio Jesus“.

Essas são algumas das manchetes em torno da descoberta recente de um manuscrito de 1.600 anos, contendo uma narrativa sobre a infância de Jesus Cristo. No entanto, Lajos Berkes e Gabriel Nocchi Macedo, os dois papirologistas responsáveis pelo achado, ficaram um pouco atônitos com esse tipo de noticiário.

“Não é uma história nova, não é uma história autêntica sobre Jesus”, explica Berkes, docente do Instituto de Cristandade e Antiguidade da Universidade Humboldt, de Berlim. “Então, não muda nada no que sabemos sobre os Evangelhos e sobre ele. Causou muito mal-entendido e polêmica, embora nós nunca tenhamos alegado nada.”

Ainda assim, o que ambos encontraram é espetacular: trata-se do mais antigo manuscrito do assim chamado “Evangelho da Infância”, ou “de Pseudo-Tomé”. Trata-se de um texto apócrifo, ou seja, rejeitado pela Igreja e nunca incluído no Novo Testamento.

Entre os fragmentos contém, está a narrativa de como, aos cinco anos, Jesus está jogando perto de um riacho, onde encontra argila, com que faz figuras de pássaros. O pai, José, o repreende por estar ativo no Sabá, o dia de descanso para os judeus. Em resposta, o menino bate as mãos, as aves ganham vida e saem voando.

Linguagem mais elevada do que se pensava

Apesar de não incluído entre os evangelhos canônicos, o “da Infância” é bem conhecido pelos estudiosos. Calcula-se que a transcrição original data de meados a fim do século 2º, com base em outro documento do mesmo século, que cita o bispo grego Irineu de Lyon, segundo o qual o evangelho é inautêntico e herético.

De fato, ele contém histórias que surpreendem quem conhece Cristo como figura bondosa e amorosa. O jovem Jesus tende a ter explosões de raiva e vingança, xinga outras crianças que o aborrecem, pune-as com invalidez ou morte, provoca cegueira nos vizinhos, mata um professor que o censurou.

Há muito, especialistas debatem por que o líder religioso deveria ser retratado como “herói de travessuras ridículas e banais”, nas palavras de um certo autor. Uma vez que o próprio Novo Testamento pouca informação fornece sobre a infância de Jesus, o “Evangelho de Pseudo-Tomé” tornou-se muito popular na Alta Idade Média, e há versões antigas em grego, latim, siríaco, eslavo, georgiano, etíope e árabe.

“Parte-se do princípio que o idioma original é grego, e até agora o manuscrito mais antigo era do século 11”, explica Berkes. Datado entre os séculos 4º e 5º, o fragmento encontrado por ele e Macedo ilustra como certas palavras foram substituídas na transcrição, ao longo dos anos. Os dois pesquisadores agora planejam uma revisão completa do manuscrito existente e estão preparando numa nova tradução.

Embora não vá alterar significativamente o conteúdo em si, seu trabalho permite uma nova compreensão da linguagem empregada, “basicamente mostrando que o registro e valor estilístico do texto grego original era muito mais elevado do que se pensava”.

“Papiro da Mulher de Jesus”: uma fraude surreal

Tentar entender a vida de Cristo para além dos textos canônicos segue sendo um tópico fascinante. Achados que revelam mais sobre a figura central da Cristandade constituem sempre uma sensação, sendo amplamente divulgados.

Um caso especialmente famoso data de 2012, quando a professora da Universidade de Harvard Karen L. King apresentou um fragmento de papiro em que Jesus se referiria a sua “mulher”.

O escrito se encaixava numa longa história de teologia cristã alternativa, sustentando que Jesus seria casado com Maria Madalena, a qual, de acordo com os evangelhos canônicos, era uma se suas seguidoras próximas. A ideia ganhou mais notoriedade através do bestseller de Dan Brown O Código Da Vinci, de 2003, porém carece de qualquer base histórica.

E o papiro que estampou manchetes em 2012 acabou se revelando uma fraude, graças a investigações do jornalista Ariel Sabar, primeiro publicadas em 2016 na revista The Atlantic, e depois no livro Veritas: A Harvard professor, a con man and the Gospel of Jesus’s Wife (Um professor de Harvard, um vigarista e o Evangelho da Mulher de Jesus), de 2020.

A história ganha um toque ainda mais surreal porque o homem que se crê ter forjado o papiro é o alemão Walter Fritz, que abandonou os estudos de egiptologia em Berlim e se envolveu em diversas peripécias na Flórida, inclusive como negociante de peças de automóveis e de arte, e como pornógrafo da internet.

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