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O mistério Sabrina Bittencourt: família e amigos acreditam que ativista está viva

Dois meses após anúncio, nas redes sociais, de que a mulher havia tirado a própria vida, crescem suspeitas de que ela forjou a própria morte

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Kacio Pacheco/Metrópoles
sabrina bittencourt
1 de 1 sabrina bittencourt - Foto: Kacio Pacheco/Metrópoles

No dia 3 de fevereiro, o Brasil acordou com notícia intrigante: uma das ativistas mais engajadas em denunciar os abusos sexuais de João de Deus teria tirado a própria vida. Muitos acreditaram tratar-se da holandesa Zahira Lieneke Mous. Zahira havia sido a única entre as acusadoras do médium a mostrar o rosto no programa Conversa com Bial, estopim para a avalanche de denúncias seguintes. Tornou-se, de certa forma, a face pública do escândalo.

A suposição quanto a Zahira estava errada. A notícia do suicídio referia-se a Sabrina Bittencourt, brasileira que há mais de uma década vivia fora do país. Ela não tinha conexão com João de Deus e nunca alegou ser uma de suas vítimas. No entanto, afirmava, em suas redes de contatos, estar por trás da queda do médium. Dizia ter coletado a maior parte das acusações contra o líder espiritual. Chegou a ser festejada na imprensa por essa conquista. Seu rosto estampou a capa da última edição de 2018 da revista Carta Capital, ao lado da manchete: “Ela desmascarou João de Deus”.

Mesmo que não reconheçam o nome de Sabrina, muitos que acompanharam o caso do médium assistiram ao vídeo publicado por ela no Facebook em 4 de janeiro, com denúncias chocantes. Na gravação, a ativista alega que João de Deus estaria há mais de 20 anos no comando de uma rede internacional de tráfico de bebês. O esquema já teria escravizado centenas de meninas pobres – e, na maioria das vezes, negras – entre 14 e 18 anos, mantendo-as em cárcere privado como parideiras.

“Elas eram engravidadas para vender estes bebês no mercado negro da Europa, dos Estados Unidos e da Austrália”, alega Sabrina na filmagem, que, até a data desta publicação, tinha mais de 296 mil visualizações. O vídeo levou o Ministério Público de São Paulo (MPSP) a pedir ao Ministério Público Federal (MPF) que investigasse a acusação.

Veja:

Menos de um mês depois, o suicídio foi anunciado e amplamente noticiado. Teve destaque em todos os grandes veículos do país, inclusive na mídia internacional. Nas redes sociais, celebridades como Marina Ruy Barbosa postaram homenagens. “Obrigada por dar voz e coragem a tantas mulheres, Sabrina”, escreveu a atriz em sua conta de Instagram. O youtuber Felipe Neto, que tem mais de 31 milhões de seguidores no seu canal, publicou tributo em diversas redes sociais à mulher, que ele descreveu como “a maior ativista do Brasil”.

A notícia da morte foi confirmada à imprensa pelo filho mais velho de Sabrina: G, então com 16 anos – por se tratar de um adolescente, o nome dele será preservado. G contou a jornalistas que a mãe falecera no Líbano. De acordo com o jovem, os dois haviam se despedido dias antes, em Paris.

O período de luto, no entanto, veio cercado de uma série de questionamentos sobre a falta de informação em torno do caso. Passados dois meses desde seu suposto suicídio, crescem as suspeitas de que Sabrina, aos 38 anos, teria forjado a própria morte.

Nenhum órgão oficial, nem no Brasil nem no exterior, divulgou Certidão de Óbito referente à ativista. Representantes diplomáticos sediados no Líbano afirmaram que não há registro algum do falecimento de uma brasileira no começo de fevereiro.

A reportagem entrevistou familiares, amigos e ex-sócios de Sabrina. A maioria diz não acreditar na história do suicídio. Os parentes no Brasil se mostram angustiados pela falta de informação. Contam que ficaram sabendo da suposta morte por meio da imprensa e não obtiveram dados além daqueles noticiados na mídia.

O Metrópoles conversou com o primeiro marido da ativista e pai biológico de G, Vinícius Thiesen. O farmacêutico de 45 anos revelou que, durante uma conversa ao telefone com o filho, o adolescente deu a entender que a mãe estava viva.

“A minha certeza veio quando eu falei pra ele: ‘Filho, pode confiar no seu pai. O que está acontecendo? A sua mãe está viva?’ E ele falou: ‘Pai, fica tranquilo. Está tudo sob controle. Deixa com a gente’. Eu entendi tudo pelas palavras que ele me disse, com toda a tranquilidade.”

Vinícius acredita que a ex-mulher e o filho se encontram juntos em local indeterminado no exterior. Teme que, por Sabrina estar vivendo de maneira clandestina, o jovem esteja em situação vulnerável. Vinícius enfrenta, porém, uma questão delicada: G se voltou contra o pai nas redes sociais. Chama Vinícius de inimigo no Facebook, por ter contrariado a versão noticiada da suposta morte da mãe.

A Sabrina está escondida no mundo, e eu me encontro extremamente preocupado com o meu filho. Ele está sob o total poder da mãe. E eu não sei o que fazer

Vinícius Thiesen, ex-marido de Sabrina Bittencourt

Em conversas com a reportagem, Vinícius se mostrou angustiado, emocionalmente abalado e tomado por um sentimento de impotência. Ele se preocupa com o atual paradeiro de G, mas teme agir de maneira que leve o jovem a se distanciar ainda mais. “O que a Sabrina faz ou deixa de fazer não diz respeito a mim. O problema é meu filho. Minha vida toda foi dedicada a esse guri.”

Carta Capital/Reprodução
Capa da Carta Capital publicada no fim de 2018

 

Família aciona Itamaraty

Um integrante do núcleo familiar mais próximo a Sabrina acionou o Itamaraty em busca de respostas no dia 2 de março, data em que a suposta morte teria completado um mês. A pedido da fonte, a identidade e o grau de parentesco serão preservados.

“Como já devem saber através da mídia, foi noticiado o suicídio [de Sabrina Bittencourt]”, escreveu o familiar, em e-mail. “Até então, não obtivemos informação nenhuma sobre a veracidade de tal fato, e gostaria de uma ajuda para tentar localizá-la ou obter a confirmação de sua morte”, completou.

Uma representante do Ministério das Relações Exteriores se manifestou no dia 11 de março: “Estamos enviando comunicações oficiais aos nossos postos para verificar se há registros sobre o falecimento da brasileira. Assim que tivermos respostas, informaremos”. Desde então, não houve mais contato.

Confira os e-mails:

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Complemento da solicitação foi encaminhado  no dia 8 do mesmo mês
Em resposta, o Itamaraty disse que acionaria os postos para checar se havia registro sobre o caso
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Pedido de informações sobre Sabrina feito ao Itamaraty em 2 de março deste ano

Reprodução
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Complemento da solicitação foi encaminhado no dia 8 do mesmo mês

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Em resposta, o Itamaraty disse que acionaria os postos para checar se havia registro sobre o caso

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Comportamento megalomaníaco

O estado de espírito de familiares da ativista oscila entre o sentimento de perda e a expectativa de que, a qualquer momento, ela vai aparecer. Esta esperança se fia, em grande parte, no histórico de Sabrina. As fontes com as quais a reportagem conversou relatam que ela, há anos, conta histórias mirabolantes e com desfechos questionáveis. Muitas dessas pessoas usaram a palavra “megalomaníaca” para descrevê-la.

O comportamento errático de Sabrina foi detectado justamente pelo time de jornalistas que trouxe a público um dos maiores escândalos já descobertos no país: os crimes sexuais cometidos por João de Deus. Na madrugada de 8 de dezembro de 2018, o programa Conversa com Bial, da Rede Globo, veiculou edição histórica em que mulheres denunciaram terem sido estupradas pelo médium.

Foram meses de apuração até a atração ir ao ar. Nesse período, Sabrina manteve contato com a produção, mas foi vetada como colaboradora. Em nota ao Metrópoles, os jornalistas do programa explicaram por que: a ativista não era confiável.

“Durante a apuração, que ouviu diversas fontes, inclusive a Sabrina, os repórteres do programa perceberam inconsistência, contradição e inverdades nas informações vindas de Sabrina, considerando-a a partir de então uma fonte não confiável. Por isso, ela não participou do programa.”

A nota da equipe contradiz uma das suposições que, até hoje, mais deram respaldo à credibilidade da ativista como fonte no caso João de Deus, pois foi a partir da suposta parceria com a Globo que Sabrina ganhou reconhecimento e protagonismo como a mulher responsável pela queda do líder espiritual.

TV Globo/Reprodução
Pedro Bial entrevista Zahira (ao centro), a primeira mulher a denunciar João de Deus publicamente

 

Da Igreja Mórmon ao ativismo social

A ativista nasceu no dia 24 de dezembro de 1980, em São Paulo, e foi registrada com o nome Sabrina Botella de Campos. Criada pelos pais como integrante da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias – conhecida como Mórmon –, passou a infância e a adolescência entre São Paulo e Recife.

Em 2001, casou-se com o farmacêutico Vinícius Thiesen e teve o primeiro filho: G, hoje com 17 anos. Apesar do divórcio, em 2003, manteve o nome de casada, Sabrina de Campos Thiesen, que consta até hoje em seus documentos oficiais. Casou-se pela segunda vez, com o engenheiro de informática catalão Rafael Velasco Megias, e teve mais dois filhos – uma menina, hoje com 9 anos, e um menino de 8. O casal separou-se em 2016.

Sabrina “Bittencourt” nunca existiu. Foi uma assinatura adotada pela ativista – que, ao longo dos anos, cultivou relacionamento produtivo com a imprensa. Tinha habilidade, segundo aqueles que a conheceram, de se manter em evidência e criar vínculos com pessoas influentes. “Sabrina poderia ser quem ela quisesse, é muito inteligente”, disse uma amiga. “Em tudo que faz, consegue convencer uma grande massa de pessoas.”

Apesar de sua atuação como porta-voz de vítimas de abuso ser recente, desde muito nova ela se posicionou à frente de variadas causas sociais. A partir dessa imagem, aos poucos cavou espaço na imprensa.

O début midiático ocorreu em 2007 e deixou claro o talento dela para agregar colaboradores e se autopromover. Tratava-se da cerimônia de casamento com o segundo marido. Sabrina, que então tinha 26 anos, captou a atenção da imprensa ao vender a festa como uma ocasião histórica: seria o primeiro casamento ecologicamente correto – o vestido de noiva era feito de materiais recicláveis – e carbon-free do mundo.

 

A cerimônia teve ampla cobertura nos jornais e na televisão, como entrevista feita pelo jornalista Caco Barcellos. No grande dia, câmeras da Globo e da Band filmaram o trajeto até o altar. De acordo com reportagens publicadas na época, a Prefeitura de São Paulo e 14 ONGs bancaram a maior parte dos custos.

Poucos meses após o casamento, Sabrina estrelou campanha publicitária televisiva para o Banco Real – hoje do Grupo Santander. Na propaganda, ela mostrava fotos da cerimônia e contava que “desde pequena tinha essa necessidade de ajudar as pessoas e o meio ambiente”.

Veja a propaganda:

 

Em janeiro de 2008, foi tema de perfil na revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios. Dizia a reportagem: “Sabrina tem só 26 anos e já fez pela sociedade o que muita gente não fará durante toda a vida.” Segundo a matéria, ela teria montado 18 projetos sociais dos mais diversos temas em apenas três anos.

Filho fora da escola

Em determinada fase da vida, Sabrina estendeu a busca por holofotes ao primogênito. Adepta do movimento unschooling, que dá às crianças o direito de escolher como e o quê querem aprender, ela tirou o filho da escola em 2010, quando o menino tinha 8 anos. Aos 9, ele estreou como apresentador de um canal de culinária no YouTube produzido pela mãe.

Na atração, o garoto era um “chef mirim”. Publicou livro de receitas, chegou a ser convidado para o programa Encontro com Fátima Bernardes, da TV Globo, e atuou em campanha publicitária de brinquedos culinários da marca Estrela. Em entrevistas, Sabrina contava que o filho era superdotado.

Em 2013, a equipe do A Liga, da Band, escalou G, então com 11 anos, para participar de um episódio sobre crianças geniais. Durante as gravações, no entanto, restou evidente, segundo fontes ouvidas pelo Metrópoles, que G era uma ótima criança, porém absolutamente dentro dos padrões de normalidade.

“Ficou na cara que Sabrina havia criado um personagem para o filho”, afirmou uma profissional envolvida no processo de seleção dos jovens para o episódio. No fim das contas, apenas uma curta fala dele foi ao ar.

Facebook/Reprodução
Sabrina, em foto divulgada no Facebook

 

Emergências médicas

No dia das gravações na Band, outro episódio chamou atenção de quem acompanhava as filmagens. Sabrina chegou ao local contando que acabara de fugir de um hospital onde estaria internada. Disse que vinha tratando de problema gravíssimo na válvula mitral do coração, mas se recusava a ser operada.

Uma das mães que participaram do programa falou ao Metrópoles que, naquele dia, Sabrina deu a entender que “estava prestes a morrer e preparava os filhos para lidar com o fato”. Isso ocorreu em julho de 2013.

Duas semanas depois, Sabrina protagonizaria mais uma emergência médica surpreendente. A história, de tão inusitada, foi parar no Fantástico.

O programa reportou que, em julho de 2013, ela fora acometida por repentina amnésia enquanto almoçava com a família. Esqueceu-se dos então últimos 11 anos de sua vida. Não reconhecia o marido e tampouco os filhos mais novos. Não sabia o que era Facebook nem smartphone. “Na minha mente, eu estava com 21 anos”, disse.

Confira a matéria do Fantástico neste link.

A reportagem que narrou a jornada da ativista para relembrar a sua vida, família e amigos foi ao ar em abril de 2014 e emocionou a muitos – inclusive a atriz Ingrid Guimarães. Encantada, Ingrid entrou em contato com Sabrina e se comprometeu a fazer um filme sobre a perda de memória dela.

Após a notícia do suposto suicídio, em fevereiro deste ano, a atriz publicou texto emocionado no Facebook. Expressou toda a admiração pela mulher, que havia se tornado uma amiga. Mencionou, entre tantos outros desafios superados, “o câncer que ela curou com otimismo”.

Reprodução

 

Desde 2015, Sabrina dizia, em entrevistas e nas redes sociais, sofrer de um câncer linfático. Ela teria abandonado a quimioterapia, após duas sessões, e trocado o método convencional pela chamada Terapia Gerson, tratamento alternativo sem embasamento médico que consiste no consumo de sucos naturais. Dois anos mais tarde, na internet, anunciou estar curada.

Mas em dezembro de 2018, em meio ao escândalo João de Deus, o câncer teria voltado. “Estou tratando um linfoma”, contou à Agência Estado, em conversa por WhatsApp, horas antes de supostamente morrer, em 2 de fevereiro.

Facadas em performance teatral

Ainda em 2017, Sabrina sobrevivera a outro evento dramático. Pouco depois da polêmica nacional em que uma criança tocou o pé de um homem nu no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, a ativista participou de exposição de arte intitulada Tragam seus Filhos para ver Gente Nua. Na performance Comer y ser Comida, ela se apresentava sem roupas.

Contou a amigas que, durante o espetáculo, foi atacada violentamente. O agressor a teria ferido no seio esquerdo e no olho direito. Sabrina postou fotos do que seriam as marcas das lesões no Facebook. Na época, escreveu: “Detalhes inbox para quem quiser e puder me ajudar. Não quero este texto compartilhado na mídia”. A seguir, em outra mensagem, agradeceu pelo “sacrifício pessoal de pessoas que sequer me viram na vida e estão colaborando com meus custos hospitalares”.

Facebook/Reprodução
Cicatriz sob o seio e curativo no olho: Sabrina relatou, em suas redes, ter sido esfaqueada em 2017

 

Em um dos posts nos quais Sabrina comenta a agressão sofrida durante a performance teatral, ela diz o seguinte: “Sou só mais uma… sobrevivente. Desde que comuniquei que vou trabalhar contra a mutilação genital feminina no Quênia, que fui escolhida pela tribo Maasai para estar ao seu lado, no coração da Mãe-África, tenho sido atacada violentamente de várias formas por homens que acham que vão me fazer desistir”.

Veja o texto publicado no Facebook:

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Ativismo contra abusos sexuais

Foi em 2016 que Sabrina passou a se dedicar às causas ligadas a vítimas de violência sexual. Em maio daquele ano, o estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro abalou o país. Ela reagiu à notícia publicando, no Facebook, texto iniciado com a hashtag #Eusousobrevivente.

Na postagem, revelou ter sofrido uma série de abusos sexuais na infância, dentro da comunidade religiosa de seus pais, a Igreja Mórmon. Contou, também, sobre um estupro com tentativa de homicídio aos 16 anos, quando morava em Recife.

O texto teve enorme repercussão, sendo compartilhado por mais de 50 mil pessoas. Um mês depois, em junho de 2016, a ativista detalhou os casos em depoimento dado à revista Marie Claire.

O Metrópoles localizou a ocorrência referente ao estupro sofrido em Recife, registrada em março de 1998, na Comarca de Ipojuca, onde o crime ocorreu. O nome do suspeito consta nos autos. O processo, no entanto, foi arquivado em 2015 e não há informação sobre o desfecho do inquérito. À Marie Claire, Sabrina disse que o estuprador morreu na cadeia.

Veja o post:

No texto publicado no Facebook, Sabrina, em certo momento, direciona a fala para líderes religiosos como aqueles que conhecera na infância.

“Aos hipócritas que me fuderam há 20 anos, um aviso: vocês também vão cair. Cansei de ver que neste tempo vocês não evoluíram e continuam com as mesmas práticas perversas, arruinando famílias. Eu já não sou a garotinha de 16 anos. E não vou poupar ninguém. Sei bem que essa mensagem vai chegar a vocês. E não é uma ameaça, é uma promessa. Por mim e por todas as garotas e mulheres que sofreram na mão de vocês ‘líderes de Sião'”, escreveu.

Deixou, também, um aviso: “Me aguardem! Podem treinar bem seus representantes de relações públicas, porque eles vão ter bastante trabalho”.

A oportunidade de expor esses religiosos veio dois anos depois, em agosto de 2018, quando Sabrina leu nota publicada na Folha de S.Paulo. No texto, a colunista Mônica Bergamo noticiava supostos abusos cometidos pelo guru brasileiro Sri Prem Baba.

A ativista, então, se colocou à disposição, no Facebook, para ouvir e ajudar mulheres que tivessem sido vítimas desse tipo de crime dentro de comunidades espirituais.

A postagem viralizou. Em poucos dias, Sabrina disse ter recebido mais de 100 relatos contra religiosos poderosos, entre eles João de Deus. Foi então que jornalistas, segundo ela, passaram a procurá-la.

Filipe Cardoso/Metrópoles
João de Deus teve a prisão decretada em 14 de dezembro de 2018, mas só se entregou após dois dias

 

Três meses depois, em 8 de dezembro, foi ao ar o episódio do programa Conversa com Bial sobre João de Deus. Horas antes, Sabrina havia publicado no Facebook vídeo no qual comemorava o que chamou de “o início da queda de um dos maiores charlatões deste país”.

A partir daquele dia, Sabrina passou a ser associada, cada vez mais, ao escândalo que levou o médium de Abadiânia (GO) à prisão. Tornou-se fonte para jornalistas sobre o caso. Foi ela quem revelou, à coluna de Mônica Bergamo, que uma das vítimas de João de Deus havia tirado a própria vida, em 12 de dezembro. Veículos de todo o país replicaram a informação.

A ativista, contudo, foi a única pessoa a ter relatado esse suposto suicídio. “Sabrina afirma que seu advogado a orientou a não divulgar nenhum detalhe”, diz trecho da notícia publicada pela colunista da Folha de S.Paulo. Até hoje, não houve comprovação de que essa vítima existe. Mais uma morte cercada de mistério.

Pouco mais de três semanas após esse episódio, postou o vídeo no qual acusava João de Deus de comandar um esquema de tráfico de bebês. Sabrina não disse onde as imagens foram registradas. Segundo contava a jornalistas, sofria ameaças de pessoas ligadas ao médium e, por essa razão, mudava-se de país com frequência. O último teria sido o Líbano, onde, supostamente, tirou a própria vida.

Ao investigar João de Deus, o Ministério Público de São Paulo acolheu a denúncia de Sabrina sobre tráfico humano e encaminhou o depoimento dela ao Ministério Público Federal.

O Metrópoles entrou em contato com o MPF e solicitou entrevista com o procurador responsável. “Considerando que a investigação até o momento não resultou em provas que corroborassem as denúncias das ativistas, o procurador não dará entrevista, por enquanto, sobre o caso”, informou o órgão.

A reportagem também questionou o Ministério Público sobre a possibilidade de Sabrina estar sendo amparada por um serviço de acolhimento a testemunhas. Em resposta, o órgão afirmou: “O MPF contempla o programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, mas Sabrina Bittencourt não participa deste programa pois, em tese, suicidou-se”.

Facebook/Reprodução
Uma das últimas fotos postadas por Sabrina no Facebook, em 3 de dezembro

 

Morte metafórica

Com a série de perguntas surgidas após a notícia do falecimento de Sabrina, pessoas próximas a ela passaram a cogitar uma morte metafórica – seria a forma encontrada para despistar inimigos.

Uma das pessoas a não descartar essa tese é Vanuzia Lopes, fundadora do grupo Vítimas Unidas, que a ativista ajudava a coordenar. A organização foi a primeira a divulgar a morte de Sabrina, no dia 3 de fevereiro, em nota publicada no Facebook.

Quando perguntas surgiram em torno da veracidade do fato, Vanuzia desabafou à revista Época: “Se provarem que ela está viva e que tudo isso é uma mentira, serei a primeira a sinceramente ter uma das maiores decepções da minha vida”.

Ao Metrópoles, outra amiga próxima da ativista, que pediu para ter o nome preservado, também considerou a possibilidade de ter ocorrido uma espécie de saída de cena.

“Conhecendo a Sabrina, eu não duvido que possa ter forjado a própria morte. Mas também sei que se sentia encurralada.”

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