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Morre, aos 96 anos, Gustavo Gutiérrez, pai da teologia da libertação

O “pai” da teologia da libertação faleceu aos 96 anos, no convento de São Domingos em Lima, capital do Peru

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Gustavo Gutiérrez
1 de 1 Gustavo Gutiérrez - Foto: Reprodução/YouTube

O teólogo e padre peruano Gustavo Gutiérrez morreu nesta terça-feira (22/10), aos 96 anos, em Lima, capital do Peru. Daqui a 50 anos, quando alguém se perguntar que figura influenciou decisivamente a teologia na segunda metade do século 20, com certeza escutará o nome do “pai” da teologia da libertação.

Outros religiosos, como o brasileiro Leonardo Boff, são talvez mais conhecidos. Porém também as obras deles se baseiam no esboço sistemático desse pioneiro, que levou a sério, do ponto de vista teológico, a pobreza de amplas parcelas da população latino-americana.

O livro de Gutiérrez “Teologia da libertação. Perspectivas”, que deu nome a todo o movimento, foi publicado em 1971 e lido no mundo inteiro. Ele postula a “opção preferencial pelos pobres”, pregando a primazia da vida concreta prática diante da reflexão teológica. Pobres e oprimidos são os primeiros destinatários do Evangelho: para o sacerdote peruano, “amor ao próximo” está sempre associado a “justiça”.

Teologia no coração das favelas

Durante um debate em 2016 na Universidade de Notre Dame, em Indiana, Estados Unidos, Gutiérrez contou sobre o nascimento da teologia da libertação: em 1962-65, o Segundo Concílio Vaticano, de que ele participara como observador, possibilitara a elaboração de novas teologias.

Na Europa, desenvolveu-se a teologia política, nos Estados Unidos, a black theology. Com a teologia da libertação, por sua vez, o “padre da gente pequena” peruano situava “a palavra de Deus” na América Latina, mas também na África e Ásia, do ponto de vista dos pobres. Para ele, fazia parte da anunciação eclesiástica o engajamento contra a história dos vencedores, orientada pelo dinheiro e o poder.

Por isso, em seus tempos mais ativistas, Gutiérrez ainda era considerado incitador da luta de classes por definir os mercados financeiros como “monstros”, com todas as suas ramificações – até mesmo a “sua” Igreja o acusou de defender teorias marxistas. Hoje, termos como esse fazem parte do vocabulário do papa Francisco, também filho da América do Sul.

Nos anos 1950 e 1960, em que o empobrecimento de amplas parcelas da população crescia de forma crassa, a abordagem de Gutiérrez era “refletir, no sentido da realidade e do Evangelho”, tanto a situação dos pobres e párias, quanto a prática pastoral da Igreja.

“Como dizer aos pobres ‘Deus vos ama’? Essa é a questão mais significativa para o nosso mundo de hoje. Impossível respondê-la. Mas parte da resposta é viver com os pobres, tornar-se um deles”, frisou certa vez. Onde quer que lecionasse, ele voltava com frequência aos bairros pobres do Peru, lá estava em casa. Seu forte não era a interconexão global da teologia, mas sim encontrar o lugar dela em meio aos habitantes das favelas latino-americanas.

“Para que ninguém fique indiferente à tragédia da pobreza e exclusão”

Para o religioso morto aos 96 anos, por mais crítica da sociedade que fosse, a teologia partia sempre “do coração da Igreja”, sendo, ao mesmo tempo, a “resposta à realidade societal”.

Uma de suas virtudes era a capacidade de duvidar. Assim, quase 20 anos após o lançamento de sua Teologia da libertação, teve a grandeza de publicar uma versão “revisada e corrigida”.

É significativo o fato de, por longo tempo, os guardiães da fé do Vaticano terem olhado com olhos críticos esse marco da literatura teológica mundial, enquanto, ao longo dos anos, dezenas de universidades nomearam Gutiérrez doutor honoris causa.

Nascido em 8 de junho de 1928 em Lima, numa família modesta, e após uma enfermidade forçá-lo a passar diversos anos numa cadeira de rodas, o jovem Gustavo Gutiérrez estudou primeiro medicina, depois psicologia, filosofia e teologia, nas universidades de Leuven, Bélgica, e Lyon, França. Pouco a pouco amadureceu sua determinação de tornar-se padre.

Uma coisa destacava o modesto senhor de rosto marcante, com frequência sorridente, da maioria de seus colegas teólogos europeus: seu trabalho científico sempre transcorreu próximo às “bases”. Ele tinha o mesmo prazer em pesquisar que estar na companhia dos moradores das favelas. O sistema das comunidades de base foi uma ideia de Gutiérrez que hoje continua viva em milhares de formas na América Latina.

Quando, na noite de 13 de março de 2013, o conclave elegeu o argentino Jorge Bergoglio como chefe da Igreja Católica, o teólogo peruano mostrou-se feliz com essa escolha. Cinco anos mais tarde, por ocasião do 90º aniversário de Gutiérrez, Francisco lhe agradeceria “por todos os esforços e por seu jeito de desafiar a consciência de todos, de modo que ninguém permaneça indiferente à tragédia da pobreza e exclusão”.

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