Governo Milei na Argentina completa um ano marcado por contradições
Há um ano, Javier Milei assumiu a presidência da Argentina com a promessa de implementar uma agenda ultraliberal no país
atualizado
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Javier Milei completou um ano como presidente da Argentina nesta terça-feira (10/12), em um governo até agora marcado por contradições. Mesmo antes de assumiu a Casa Rosada, as promessas do economista e ex-vocalista de uma banda cover dos Rolling Stones, incluíam uma política linha dura na economia do país, reformas internas e uma política externa distante dos “comunistas”.
Até certo ponto, Milei tem alcançado êxito e conseguido implementar pontos importantes de sua agenda ultraliberal.
A maior vitória de sua administração, até o momento, aconteceu seis meses após o atual presidente argentino tomar posse. Em junho deste ano, mesmo em meio a protestos nas ruas, o megapacote de reformas econômicas do novo governo, apresentado nos primeiros dias da nova administração na Argentina, foi aprovado em definitivo pelo legislativo do país.
O programa de cortes e desregulamentações, apontado pelo presidente como a salvação econômica do país, deu maiores poderes ao governo Milei por meio de um decreto de estado de emergência pública. Além disso, a nova legislação aprovou a privatização de oito estatais no país, de uma lista que continha empresas inicialmente. O sistema previdenciário argentino também foi afetado pela medida.
As medidas surtiram efeito na economia do país, que viu a inflação cair abaixo de 200% pela primeira vez em outubro, o que não acontecia desde novembro de 2023, além de uma desaceleração da inflação mensal para 2,7% em outubro, o nível mais baixo desde 2021.
Dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) da Argentina, ligado ao Ministério da Economia, ainda mostram que o índice de produção industrial cresceu 2,6% em setembro, em relação ao mês anterior.
Apesar das vitórias de Milei na implementação de sua agenda política, e do equilíbrio nas contas públicas, analistas ouvidos pelo Metrópoles apontam o reflexo da gestão nas classes mais pobres do país tem sido negativo.
“Em grande medida, o presidente Milei tem conseguido avançar com o seu projeto ultraliberal na economia. Contudo, a sociedade argentina tem um histórico de muita resistência, o que não é diferente no contexto atual. Tem ocorrido protestos por parte dos trabalhadores da educação, sobretudo das universidades públicas, e dos setores de transporte, que questionam a política radical de corte de gastos do governo”, explica o analista Jefferson Nascimento, que integra o Observatório Político Sul-americano (OPSA) da UERJ.
Por outro lado…
Ainda que tenha ajustado as contas públicas, a Argentina vive um dos piores momentos sociais recentes, com mais da metade da população do país abaixo da linha da pobreza.
Os últimos dados socioeconômicos divulgados pelo Idec apontam que a pobreza na Argentina aumentou no primeiro semestre de 2024, e alcançou 15,7 milhões de pessoas, 52,9% da população argentina.
Nos seis primeiros meses da administração Milei, os números mostram que 3,4 milhões de argentinos entraram para a faixa da pobreza, em um aumento de 11 pontos percentuais em relação ao mesmo período em 2023. Esse foi o maior índice já registrado em duas décadas.
“De fato, pode-se afirmar que houve uma desaceleração na inflação e uma melhoria no saldo da balança comercial do país. Porém, isso se dá às custas do aumento da pobreza, da insegurança alimentar, que afeta fortemente a base da pirâmide. Portanto, não podemos chamar isso de avanço, de maneira nenhuma”, afirma Nascimento.
Um outro ponto contraditório nas políticas de Milei diz respeito as relações diplomáticas da Argentina com o restante do mundo. Durante a campanha, o novo presidente argentino se apresentou como um político “outsider” e contra governos e pautas ligadas a esquerda.
Em sua administração, o país adotou posições contrárias a iniciativas de buscam reduzir os efeitos do aquecimento global, e da promoção do desenvolvimento sustentável.
Milei ainda chegou a demitir Diana Mondino, ex-chanceler argentina, após ela não votar ao lado dos Estados Unidos e apoiar uma resolução na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) que pediu o fim do embargo econômico contra Cuba.
Ainda assim, o pragmatismo clássico da diplomacia ainda pode ser notado nas relações entre a Argentina e o resto do mundo.
“Isso ficou claro tanto na cúpula do G-20, quando a Argentina, embora tenha tentado dificultar as negociações, diante da pressão internacional, acabou assinando a declaração final e aderiu de última hora à Aliança Global contra a Fome. Além disso, Milei se encontrou com o presidente chinês com o objetivo de renovar os acordos de swap, que vem ajudando o país a lidar com o baixo estoque de reservas cambiais. Também foi recentemente assinado um memorando de entendimento com o Brasil para a venda de gás natural da região da Vaca Morte. É importante lembrar que Brasil e China são os maiores parceiros comerciais da Argentina e que, este ano, o Brasil socorreu a Argentina diante da iminência de uma crise energética por conta da falta de gás natural”, diz Nascimento.