Fotógrafo fala sobre imagem de gorila que morreu nos braços de tratador: “Foi terrível”
Imagem da morte da gorila nos braços de tratador causou comoção. Ndakasi deu o último suspiro ao lado do amigo que a resgatou quando filhote
atualizado
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Ndakasi, a gorila da montanha órfã, que morreu após mais de uma década sob os cuidados do Centro Senkwekwe do Parque Nacional de Virunga, no Leste do Congo, deixou registrada uma linda história de superação, amor e respeito pelos grandes macacos. Ao Metrópoles, o fotógrafo sul-africano Brent Stirton fez um breve relato sobre a emocionante foto que marcou o último suspiro do animal, nos braços do tratador e amigo, Andre Bauma.
Com vasta história no mundo do documentário e premiado internacionalmente, o fotojornalista revelou que sua história de amor com a gorila também era de longa data. Assim como o tratador Andre Bauma, ele acompanhou de perto, e com imagens, todo o desenvolvimento de Ndakasi desde que foi resgatada por guardas florestais de Virunga, quando tinha apenas dois meses de idade. Ela foi encontrada agarrada ao corpo da mãe morta, que havia sido baleada por milícias armadas horas antes.
“Eu fotografei essa gorila de 2007 em diante, quando seus pais foram baleados e mortos. Vê-la morrer depois de receber tantos cuidados no orfanato foi terrível, mas não tão ruim para mim quanto para os cuidadores que a trataram como uma filha”, desabafou.
A última foto feita por ele causou bastante comoção. Postada nas redes sociais do Parque Nacional de Virunga, a imagem consegue captar o solitário momento da morte, infalível a todos os seres vivos. No entanto, no caso de Ndakasi, a amizade especial entre homem e animal transformou uma triste despedida em um momento de emoção e paz também.
Em uma postagem no Instagram, nessa quarta-feira (6/10), Stirton contou sobre como foi apresentado ao centro de reabilitação de primatas. No texto, ele ressalta a luta dos cuidadores para manter o trabalho com os gorilas órfãos.
“Esses animais são vítimas do comércio da carne de caça, os bebês são levados quando os adultos são baleados. Para um bebê de chimpanzé retirado da natureza, estima-se que dez chimpanzés adultos morram. Muitos dos cuidadores congoleses são vítimas de guerra e violência sexual. Mesmo assim, esses cuidadores dizem que trabalhar com esses chimpanzés traumatizados tem sido uma parte vital da cura deles”, relatou.
Ele também relatou que a maioria das pessoas não entende que criar um bebê chimpanzé é um trabalho semelhante ao de criar um bebê humano. “É preciso muita confiança para um animal inteligente como um chimpanzé se sentir confortável com um humano depois de uma experiência tão traumática e é isso que você está vendo nesta história, os blocos de construção dessa confiança.”
Nos braços do amigo fiel
Ndakasi deu seu último suspiro nos braços de Andre Bauma. Recostada sobre o peito dele, com um dos pés levemente apoiados sobre a galocha que o tratador usava no momento, ela morreu recebendo o abraço amigo de quem cuidou dela com devoção desde os primeiros meses de vida.
Em um comunicado, o parque informou que Ndakasi faleceu na noite de 26 de setembro, após uma doença prolongada em que seu estado se deteriorou rapidamente. Neste mesmo texto, Bauma relatou a natureza doce e a inteligência da gorila, que o ajudou a entender a conexão entre humanos e grandes macacos, e por que a humanidade precisa protegê-los.
“Foi um privilégio apoiar e cuidar de uma criatura tão amorosa, especialmente sabendo do trauma que Ndakasi sofreu quando era muito jovem. Pode-se dizer que ela se parece com sua mãe, Nyiransekuye, cujo nome significa ‘alguém feliz em receber os outros’. Foi a doce natureza e inteligência de Ndakasi que me ajudou a entender a conexão entre humanos e grandes macacos e por que devemos fazer tudo ao nosso alcance para protegê-los”, escreveu.
O tratador se orgulha de ter chamado Ndakasi de amiga. “Eu a amava como uma criança e sua personalidade alegre trazia um sorriso ao meu rosto cada vez que interagia com ela. Ela fará falta para todos nós em Virunga, mas somos eternamente gratos pela riqueza que Ndakasi trouxe para nossas vidas durante seu tempo em Senkwekwe.”
Foto viral
Ndakasi virou uma sensação mundial após aparecer ao lado de outra gorila órfã, a Ndeze. A dupla surgiu em uma selfie com o guarda florestal Mathieu Shamavu, em 2019, no Dia da Terra, comemorado em 22 de abril.
A foto viral mostra Ndakasi atrás de Ndeze, que aparece de corpo inteiro, ambas sobre os dois pés, com a barriga protuberante e o que pareciam ser sorrisos estampados no rosto.
As duas gorilas estavam tentando imitar os guardas que os criaram, disse um funcionário do parque à época.
Vida retratada em filme
A vida de Ndakasi foi documentada e sua personalidade comovente apareceu em vários programas e filmes, incluindo o documentário Virunga, onde ela pode ser vista rindo enquanto é acariciada por um tratador.
Ela nasceu em uma época em que a população global de gorilas das montanhas era frágil e criticamente ameaçada. Ao longo de sua vida, no entanto, a espécie cresceu 47% – de 720 indivíduos em 2007 para cerca de 1.063 em 2021, segundo o parque.
Assim como Ndakasi, vários gorilas órfãos vivem no Parque Nacional de Virunga, na República Democrática do Congo, que faz fronteira com o Parque Nacional dos Vulcões, área protegida mais antiga da África.
Fundado em 1925 para defender sua rica biodiversidade, a região possui a presença dos últimos gorilas das montanhas. Em 1979, foi classificado como Patrimônio Mundial pela Unesco.
Riscos na vida selvagem
Os gorilas-das-montanhas vivem principalmente nas florestas dos parques nacionais de Uganda, Ruanda e Congo. O refúgio, no entanto, enfrenta grandes problemas por conta de mudanças climáticas, ação de caçadores e a invasão humana, que ameaçam diretamente a sua sobrevivência.
O Leste da República Democrática do Congo, onde está Virunga, vive um intenso e longo conflito entre o governo e vários grupos armados. Milícias baseadas no parque costumam caçar animais.
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