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O fundador do Wikileaks, Julian Assange, disse, nesta terça-feira (1°/10), que foi libertado após anos de prisão apenas porque se declarou “culpado de fazer jornalismo”, alertando que a liberdade de expressão se encontra agora, segundo ele, em uma “encruzilhada sombria”.
“Não estou livre hoje porque o sistema funcionou. Estou livre hoje, após anos de encarceramento, porque me declarei culpado de jornalismo”, disse Assange. Ele se dirigia ao órgão de direitos humanos do Conselho da Europa em sua sede em Estrasburgo, no leste da França, em seu primeiro comentário público desde a sua libertação.
A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (PACE) emitiu um relatório expressando alarme em relação ao tratamento de Assange, afirmando que o mesmo teve um “efeito inibidor sobre os direitos humanos”.
Assange passou a maior parte dos últimos 14 anos escondido na embaixada do Equador em Londres para evitar ser preso ou encarcerado na prisão de Belmarsh.
Ele foi libertado por meio de um acordo judicial em junho, depois de cumprir uma sentença por publicar centenas de milhares de documentos confidenciais do governo dos EUA. A coleção de documentos incluía descrições extremamente confidenciais do Departamento de Estado dos EUA sobre líderes estrangeiros, relatos de execuções extrajudiciais e coleta de informações contra aliados.
“Jornalistas não devem ser condenados por seu trabalho”
Assange retornou à Austrália e, desde então, não comentou publicamente sobre seus problemas legais ou sobre os anos que passou atrás das grades.
Diante de uma possível sentença de 175 anos, “acabei escolhendo a liberdade em vez de uma justiça irrealizável. A justiça para mim agora não existe mais”, disse Assange, referindo-se às condições de seu acordo judicial.
Falando calmamente e acompanhado de sua esposa Stella, que lutou por sua libertação, ele acrescentou: “O jornalismo não é um crime, é um pilar de uma sociedade livre e informada”. “A questão fundamental é simples. Os jornalistas não devem ser processados por fazerem seu trabalho”, disse Assange.
“Mais impunidade, mais sigilo”
O fundador do Wikileaks disse que poderia ter perdido muitos anos a mais de sua vida se tivesse tentado lutar até o fim em seu caso. “Talvez, no final das contas, se o caso tivesse chegado à Suprema Corte dos Estados Unidos e eu ainda estivesse vivo… Eu poderia ter vencido”, disse Assange.
“Mas, nesse meio tempo, perdi 14 anos em prisão domiciliar, embaixada, cerco e prisão de segurança máxima.” “Perdemos muito terreno” durante seu encarceramento, disse Assange, lamentando que agora veja “mais impunidade, mais sigilo e mais retaliação por dizer a verdade”.
“A liberdade de expressão e tudo o que decorre dela está em uma encruzilhada sombria”, disse ele na audiência do comitê jurídico.
“Vamos todos nos comprometer a fazer nossa parte para garantir que a luz da liberdade nunca se apague, que a busca pela verdade continue viva e que as vozes de muitos não sejam silenciadas pelos interesses de poucos”, disse ele.
Cansaço
Assange ainda se mostrava visivelmente afetado por suas vivências, mostrando-se cansado ao final da sessão, mesmo quando agradeceu a “todas as pessoas que lutaram por sua liberação”.
“Foi realmente excepcional que ele tenha vindo aqui hoje. Ele precisa de tempo para se recuperar”, disse Stella Assange aos repórteres após a audiência no comitê. “Ele está livre há apenas algumas semanas e estamos realmente no processo de começar do zero, ou de menos que zero”, acrescentou ela.
Perguntada sobre quais seriam as próximas ações do Wikileaks, a editora-chefe do site, Kristin Hrafnsson, disse aos repórteres que Assange estava “comprometido como sempre com os princípios básicos que ele sempre respeitou: transparência, justiça e jornalismo de qualidade”.
“Terrorista”
Mas o caso de Assange continua profundamente polêmico. Seus defensores o aclamam como um campeão da liberdade de expressão e dizem que ele foi perseguido pelas autoridades e preso injustamente. Os detratores o veem como um blogueiro imprudente cuja publicação sem censura de documentos ultrassensíveis colocou vidas em risco e comprometeu a segurança dos EUA.
Assange ainda tenta obter um perdão presidencial dos EUA por sua condenação nos termos da Lei de Espionagem. O presidente dos EUA, Joe Biden, que provavelmente concederá alguns perdões antes de deixar o cargo em janeiro próximo, já o descreveu anteriormente como um “terrorista”.
Mas Chelsea Manning, a analista de inteligência do exército que vazou documentos para Assange, teve sua sentença de 35 anos comutada pelo presidente Barack Obama em 2017.
O timing de Assange e a escolha do local para sua primeira aparição após a libertação deixaram alguns observadores intrigados. O Conselho da Europa reúne os 46 estados signatários da Convenção Europeia de Direitos Humanos, com pouca influência sobre o destino legal do jornalista.
Holly Cullen, professora de direito da Universidade da Austrália Ocidental, disse antes da audiência que, ao criticar os Estados Unidos, Assange talvez “precise se conter um pouco mais até que a questão do perdão seja resolvida”.
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