Lei antidesmatamento da UE deixa agro e governo Lula aflitos
Sob pressão do agronegócio, ministros do governo Lula pediram adiamento da legislação antidesmatamento. Brasileiros veem interferência
atualizado
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Uma norma da União Europeia (UE) que exige commodities livres de desmatamento a partir de 2025 tem causado pressão e apreensão dentro do governo Lula (PT). Com o agronegócio brasileiro em estado de alerta, em 11 de setembro, os ministros Carlos Fávaro (Agricultura e Pecuária) e Mauro Vieira (Relações Exteriores) apresentaram uma carta à UE pelo adiamento da entrada em vigor da regra.
A regulamentação sobre desmatamento da União Europeia (EUDR, na sigla em inglês) determina que importadores europeus de uma série de commodities, como carne, soja, couro e madeira, façam uma auditoria em seus fornecedores para que não entre no mercado europeu nenhum produto produzido em área desmatada — legal ou ilegalmente — após 30 de dezembro de 2024.
Em reunião paralela do Grupo de Trabalho da Agricultura do G20 em 11 de setembro, o ministro Fávaro frisou que o Brasil conta com cerca de 40 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade com alta aptidão para a agricultura, o que pode fazer com que a área de produção de alimentos no Brasil seja praticamente dobrada em 10 anos.
“Com isso, conseguiremos cumprir o compromisso de desmatamento zero até 2030. Mas precisamos da ajuda da União Europeia para dar continuidade a este programa”, declarou.
Nota da pasta de Fávaro classifica como “complexos” os procedimentos de verificação para comprovar que a produção cumpre a legislação brasileira e que não provém de áreas com desmatamento. A pasta também sustenta que as ações que serão exigidas pelo bloco inviabilizam o processo de exportação, penalizando, sobretudo, pequenos e médios produtores em processo de desenvolvimento.
Outros países exportadores agrícolas têm pedido o adiamento da norma, mas a União Europeia segue firme com a determinação. Em reunião do Comitê de Agricultura da Organização Mundial do Comércio (OMC), a UE insistiu que a legislação entrará em vigor em 30 de dezembro deste ano e “qualquer adiamento exigiria uma mudança legislativa”, algo que “não atingiria nosso objetivo de fornecer previsibilidade legal para as operadoras o mais rápido possível”.
Uma outra opção estudada pelo governo brasileiro — ainda não formalizada oficialmente — é pedir uma flexibilização da norma, de modo a não inviabilizar o agronegócio nacional.
Ambientalistas são a favor
Enquanto os ministros petistas formalizaram o pedido de adiamento, ambientalistas são a favor da regulação. Para o Observatório do Clima, rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, a carta dos ministros “sabota a liderança climática do Brasil” e ocorre na contramão da crise climática que o país enfrenta, com uma série de incêndios florestais eclodindo.
“É inadmissível que, com o país inteiro em chamas e às portas da COP30, autoridades do governo brasileiro se comportem como porta-vozes de parte de um setor da economia bastante implicado na perda de biodiversidade e nas mudanças climáticas para defender que a UE atrase a implementação da legislação, o que, em última análise, prejudica o próprio agronegócio brasileiro”, argumenta a nota do Observatório.
Para ambientalistas, os titulares da Agricultura e do MRE “tomam partido do agronegócio contra o próprio presidente da República ao defender, na missiva, a eliminação do desmatamento ilegal”. Há um compromisso com o desmatamento zero no Brasil até 2030.
Para o Observatório do Clima, o país tem “plena capacidade de se beneficiar dessa legislação, que apenas implementa algo com que já se comprometeu – de forma soberana, por reconhecer que o desmatamento é ruim para o país, e temos áreas degradadas em quantidade suficiente para multiplicar a produção agropecuária com mais tecnologia, produtividade e valor agregado, sem necessidade de nenhum desmate”.
“O Brasil e a UE querem a mesma coisa: o fim do desmatamento. A EUDR ajuda a catalisar esse processo. Num momento em que o Brasil inteiro arde em chamas por conta da crise climática, jogar fora esse instrumento por pressão da ala retrógrada do agronegócio seria dançar valsa com o apocalipse”, destaca Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do OC.
Lei Europeia x Código Florestal
Parte do governo e aliados consideram ainda que o Código Florestal Brasileiro já supre essa necessidade de combater o desmatamento ao ser uma lei de proteção ambiental já suficientemente rígida.
O Ministério da Agricultura alegou que, na retomada do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o combate ao desmatamento foi estabelecido como uma das políticas prioritárias e, em dezembro de 2023, foi instituído, pelo Governo Brasileiro, o Programa Nacional de Conversão de de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (PNCPD), que, entre seus maiores objetivos, visa inibir o avanço da produção agropecuária sobre áreas ainda intactas.
Há quem veja a lei europeia como uma imposição à lei brasileira. É o caso, por exemplo, do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que afirmou que a norma do bloco europeu não pode se sobrepor à legislação brasileira.
“Primeiro, nós temos o Código Florestal. Não pode a União Europeia se sobrepor a uma legislação estabelecida no Brasil, que deixa muito claro o que é prática legalizada. Entendo que a diplomacia brasileira deve apresentar isso, para separar o joio do trigo”, disse o governador ao Metrópoles na última semana.