Jornal da China: brasileiro não está disposto a trabalhar como chinês
Segundo o editor da publicação oficial do Partido Comunista da China, “a cultura no Brasil faz o país inapto à manufatura”
atualizado
Compartilhar notícia
A cultura brasileira faz o país ser “inapto para a manufatura” e a população brasileira não está disposta a ser trabalhadora como a chinesa. Os comentários foram publicados na noite da quarta-feira (5/12) e são assinados pelo editorialista Ding Gang, no Global Times, um dos produtos internacionais do People’s Daily, o jornal oficial do Partido Comunista Chinês. Gang é um dos editores do People’s Daily.
A origem de seu ataque é o New York Times e o fato de o diário americano ter comparado a China ao Brasil no que se refere aos desafios que ambos enfrentam para se desenvolver e evitar seus respectivos declínios. Para o chinês, a comparação “expõe a ignorância chocante do autor sobre a cultura do povo na China”.
O jornal americano mostrava como a ascendência do Brasil a partir de 2009 não se concretizou e apontava como a China tampouco terá um futuro brilhante diante das similaridades ao Brasil. No texto do NYT, o artigo diz que os deuses, antes de destruírem um país, o qualificam como “país do futuro”.
Para o editor do jornal chinês, que diz ter passado três anos no Brasil e ter “entendido bem” os motivos da perda de força da economia nacional, “não se pode comparar Brasil com a China”. “Talvez os brasileiros e o autor acreditem no mesmo deus. Mas esse não é o mesmo que os chineses acreditam”, diz Gang, que também é um acadêmico.
“De fato, o Brasil nunca teve uma indústria manufatureira forte e sofisticada. Mas a questão básica é por qual motivo a China atingiu sua industrialização, enquanto o Brasil a abandonou e foi para a direção oposta? Isso não é apenas uma questão de economia ou instituição, mas de cultura”, argumenta o chinês.
Apontando que trabalhou em várias partes do mundo por 20 anos, o autor indica que a cultura é o “fator mais importante” para atingir a industrialização. “Isso inclui como as pessoas encaram seu trabalho, família, educação das crianças e acumulação de riqueza”, disse.
“Pode soar racista diferenciar o desenvolvimento baseado em cultura”, escreveu. “Mas, depois de ter morado no Brasil, você descobre a resposta. Os brasileiros não estão dispostos a ser tão diligentes e trabalhadores como os chineses. Nem valorizam a poupança para as próximas gerações, como fazem os chineses”, indicou. “Ainda assim, eles exigem os mesmos benefícios e bem-estar dos países desenvolvidos”, disse.
“A diferença fundamental entre o Brasil e a China está no fato de que a cultura no Brasil faz o país inapto à manufatura”, escreveu. “A falta de manufatura não pode levar à industrialização e, finalmente, torna o desenvolvimento sustentável algo impossível”, alertou. “Como resultado, a economia brasileira apenas depende das exportações de matérias-primas e commodities. Em outras palavras, os recursos abundantes limitaram o desenvolvimento da manufatura no Brasil”, insistiu.
Para ele, o desenvolvimento sustentável da economia brasileira “dependerá em parte das instituições, mas acima de tudo de tradições culturais locais”. Em sua avaliação, o NYT peca ao comparar os dois países sem um “conhecimento completo de suas tradições e culturas”.
Gang admite que a China tem “problemas e desafios”. Mas aponta que, desde a abertura de seu país, “é a cultura chinesa que foi mantida contra as flutuações econômicas”. “Com o tempo, o desempenho da economia chinesa formou uma curva ascendente, e não em queda, por conta de a China sempre encontrar soluções diante de flutuações”, escreveu.
Para ele, o processo de abrir o potencial do povo chinês “é irreversível” e a única questão é como atingir esse potencial de forma plena. “Se uma pessoa quer aprender sobre o futuro chinês, precisa saber como o povo chinês aprende, trabalha e vive”, completou.
Polêmicas
Essa não é a primeira vez que um jornal do regime comunista chinês ataca o Brasil. Logo após a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais, editoriais de meios de comunicação em Pequim mandaram mensagem ao novo governo, que havia criticado a China durante a campanha eleitoral.
No China Daily, também controlado pelo governo, o alerta era de que criticar Pequim “pode servir para algum objetivo político específico, mas o custo econômico pode ser duro para a economia brasileira, que acaba de sair de sua pior recessão da história”, afirmou, em editorial. “Ainda que Bolsonaro tenha imitado o presidente dos EUA ao ser vocal e ultrajante para captar a imaginação dos eleitores, não existe razão para que ele copie as políticas de Trump.”
Há também, desde o mês passado, uma percepção entre os diplomatas chineses de que o futuro chanceler brasileiro, Ernesto Araujo, dará uma atenção especial às relações com o governo americano de Donald Trump.
Numa tentativa de manter boas relações, o Partido Comunista de Pequim convidou membros do partido de Bolsonaro para uma visita à China. No último dia 15 de novembro, a embaixada da China no Brasil enviou uma carta abrindo convite para receber uma delegação de 10 membros do PSL, no que foi interpretado na diplomacia nacional como um gesto dos chineses para tentar se aproximar do novo governo brasileiro. O convite não foi aceito.