Jorge Lopes: como pensam os seguidores de André Ventura, o Bolsonaro português
Entre memes e piadas, grupo no Facebook com apoiadores de André Ventura é vitrine do candidato que, a 2 meses da eleição, está em 2º lugar
atualizado
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Lisboa – Jorge Lopes se apresenta como motorista de táxi. Diz ter frequentado o externato de Odivelas, onde ainda vive. Esclarece que é solteiro. Tem 151 amigos. A maioria, homens em idade avançada. É tudo o que se sabe dele baseado em seu perfil no Facebook. O resto é só conjectura, como arriscar que ele tenha entre 45 e 48 anos. Sua foto está tremida, num corte mal feito, que lhe extirpou o queixo. Ele tem o cabelo preto aparado à escovinha e os olhos apertados e caídos, o que lhe confere uma aparência inofensiva. Quando clicamos na imagem e ela toma de assalto a tela do celular, vê-se todo o rosto e o pescoço de Jorge Lopes: o nariz batatinha, a pele com rosácea, os dentes amarelados num meio sorriso desconfortável, uma nesga da camiseta branca por baixo, a camisa azul listrada por cima e o blazer azul escuro.
Jorge Lopes é um dos 18.737 membros do grupo “André Ventura Portugal”. Aos estrangeiros, esclareço que André Ventura é um advogado e ex-comentarista de futebol, candidato à Presidência da República, que se tornou a face da extrema-direita em Portugal. Ele é contra o aborto, as políticas de cotas e de gênero, defende a prisão perpétua e a castração química em crimes sexuais, seus inimigos são os ciganos, em particular, e os imigrantes, no geral. Por ele, os sistemas de saúde e educação seriam privatizados. O acordo ortográfico de 1990, cancelado. Ele também acredita na conspiração internacional por trás do coronavírus, proclama que veio para “acabar com toda a corrupção e impunidade que imperam no país”, é um entusiasta dos militares e despreza a imprensa.
Só se é admitido no grupo de admiradores de Ventura no Facebook, depois de se responder a três perguntas: qual a pena máxima para crimes de sangue; por que quero entrar nesse grupo e qual é o papel do Estado.
Havia 25 minutos, Jorge Lopes postara em sua rede social um meme do sapo Caco, do Muppet Show, em expressão de êxtase com a bocarra aberta e a mão entre as pernas. A legenda era: “Quando você raspa a Reginalda Luiza e ela começa a coçar”. Ontem, ele também compartilhou: “Não posso acreditar que vejo gajos sozinhos a conduzir com máscara. É o mesmo que estares sozinho na cama usando preservativo” (seguido por emoji com expressão de dúvida). Horas antes, havia atestado em letras maiúsculas: “Com orgulho digo: nunca bebi uma gota de álcool!”. Foi preciso eu franzir o cenho para ler o que estava escrito nas letras miúdas: “Litros sim, gotas nunca!”. Nove horas antes, outra anedota: “Mudei tanto desde que a minha namorada me disse estar grávida. Por exemplo, mudei o nome, a morada e até o número de telefone”. Mais emojis gargalhando.
Dentre suas postagens, há também uma fotomontagem de um estádio de futebol verde e branco com uma tampa de privada (ou da sanita, como se diz aqui) cobrindo-lhe o teto. Também fotos em que duas mulheres – supostamente mãe e filha — estão conversando no sofá com balões de diálogo sobre suas cabeças, como nas antigas fotonovelas. A filha dizendo que quer se separar porque o marido é viciado em sexo anal, a mãe dizendo para ela esquecer disso, já que ele é rico. A moça dizendo que seu cu “era como uma moeda de 10 cêntimos, mas agora já se assemelha a uma de 50”, a mãe se indignando porque a filha queria acabar o casamento por causa de 40 cêntimos. Emoji chorando de rir. (Aos não familiarizados com o idioma castiço dos colonizadores, cu quer dizer nádegas por aqui).
Em um sábado à tarde, ele postou: “O dinheiro é um traidor! Sempre que saímos juntos, volto sempre sozinho pra casa!”. Nas últimas nove semanas, contei outras 26 publicações de Jorge Lopes sobre o assunto. Há uma dezena de posts com piadas sobre mulheres, algumas sobre muçulmanos, um sem-fim de chacotas ligadas ao consumo de álcool, muitas e muitas blagues sobre o tamanho do pênis, também chistes envolvendo integrantes do governo socialista. Ele prioriza memes e GIFs ilustrados por desenhos animados. Um trazia Bart Simpson segurando uma placa dizendo que detestava pessoas que faziam perguntas quando já sabiam as respostas. “Professores são os piores”. Outro era um cavalinho roxo decretando que para se ter uma barriga sequinha, bastava enxugá-la bem depois do banho. “Salvem o queijo, comam as ratas!”, “Dizem que sexo prolonga a vida. Passei aqui só para me despedir”. É Jorge Lopes na veia.
Em meados de setembro, às três da manhã, ele compartilhou uma publicação de André Ventura, no qual o político afirmava “não haver nenhuma evidência científica” da eficácia do uso de máscaras na rua. Dias antes, havia passado para frente outra máxima na qual seu herói defendia que o país caminha para a “venezuelização” sob a égide do atual governo (emoji de muitas palmas).
Às vezes, Jorge Lopes consegue ser pueril, como quando publicou a foto de duas corujas conversando. Uma perguntava à outra por que não faltava energia elétrica nos quartéis. E ouviu que era porque todos os cabos já haviam sido soldados. (Aqui, ele inovou com um “kkkkkkk”). Ou quando propôs o singelo questionamento: “Quantas vezes tenho que atirar o porco no ar para fazer toucinho do céu?”. E até expôs momentos de carência afetiva: “Há algum sorriso ou beijinho para mim?”. Uma moça chamada Patricia Santos, também solteira e que mora em Lumiar, mandou-lhe um emoji fazendo biquinho. No Dia das Mães, ele escreveu em letras garrafais tingidas em vermelho: “Senhora da minha vida!”
Fiquei pensando o que Jorge Lopes teria respondido à questão do papel do Estado para ter sido aceito no grupo do Facebook. O partido de André Ventura, o Chega, criado há apenas um ano, é o que mais cresce em Portugal. A dois meses das eleições presidenciais, Ventura está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, na frente da candidata socialista. Não vai ganhar. Não dessa vez.
E, a propósito, tornei-me, involuntariamente, a integrante número 18.753 do grupo on-line de Ventura — apenas por ter visitado o formulário de adesão à página. Tudo me foi perguntado, mas nada precisou ser respondido. Os Jorges Lopes agradecem. (FIM)
Daniela Pinheiro
É jornalista e mestranda em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Foi bolsista John S. Knight na Universidade de Stanford e do Reuters Institute for the Study of Journalism, em Oxford. Trabalhou na Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e nas revistas Veja e Piauí. Foi diretora de redação da revista Época. Ganhou quatro vezes o Troféu Mulher Imprensa e duas vezes o Prêmio Comunique-se como melhor repórter de mídia impressa do país.