Investidores do Uruguai miram mercado brasileiro de cannabis
Aposta é na importação do canabidiol, aprovada pela Anvisa, e na preparação para uma eventual liberação
atualizado
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Enviada especial a Montevidéu – O empresário brasileiro Jonas Rafael Rossatto, que criou um aplicativo no Uruguai e conseguiu, com isso, acabar com as filas para se comprar maconha para fins recreativos, está de olho no mercado brasileiro. Investidor no ramo de tecnologia e de turismo canábico no país vizinho, agora ele planeja novos voos pelo Brasil, com a liberação do comércio de medicamentos à base de canabidiol no Brasil, que passa a valer a partir da próxima terça-feira (10/03).
“Nos próximos meses, eu devo trabalhar com uma associação de cannabis medicinal do Rio de Janeiro, que está para abrir. Um médico desta associação já tem indicação de mais de mil prescrições para cannabis medicinal, seja para o tratamento de Alzeimer, epilepsia refratária ou câncer”, aponta Rossatto, paranaense que se mudou para Montevidéu em 2017, quando começou a venda de maconha nas farmácias. O país vizinho foi o primeiro a legalizar a maconha para fins recreativos no continente.
O Brasil regulamentou a venda de derivados para fins medicinais, porém, não legalizou o plantio, o que gerou um problema de matéria-prima. Além das associações que começam a surgir no cenário nacional para a importação da substância, há outras organizações se formando com o objetivo de viabilizar o acesso aos produtos. Advogados, por exemplo, já se organizam para ações de habeas corpus preventivos que devem chegar à Justiça pedindo autorizações para plantio.
“Já existem associações de advogados para se conseguir habeas corpus preventivo para o cultivo. Enquanto o Brasil ainda pensa de forma restritiva, já existem movimentações para a importação de matéria-prima do Uruguai para fim medicinal”, conta Rossatto.
Produtores uruguaios também estão de olho no mercado brasileiro. “A cannabis está prestes a se tornar uma commoditie uruguaia”, compara Rossatto.
O empresário contou que chegou ao Uruguai dois meses antes do início da venda em farmácias. Ao observar filas que passavam de quatro quadras na busca dos dois tipos de maconha vendidos e a frustração da maioria dos usuários registrados pelo governo, que não tinham acesso à venda livre da cannabis, desenvolveu o aplicativo após conversas com donos de farmácias autorizadas para a comercialização.
Os transtornos da venda, na época, eram imensos – desde os telefones das antigas farmácias que não paravam de tocar com consumidores se certificando do estoque disponível, até encontros indesejados de jovens e idosos da mesma família, gerando climas constrangedores perante o preconceito ainda vigente no país.
Diante deste cenário, Rossatto desenvolveu o aplicativo “reservarcannabis” e obteve autorização do órgão governamental responsável pela gestão deste mercado, o Instituto de Regulamento e Controle da Cannabis (IRCC), para funcionar.
O aplicativo informa a disponibilidade nas farmácias e os possíveis dias para reserva e retirada. Ao mesmo tempo, lembra ao usuário o dia e a hora de seu próximo “saque”, de acordo com os regulamentos de sete dias estabelecidos pelo estado.
No horário marcado, basta a pessoa comparecer à farmácia, se identificar, pagar e retirar o produto. Esta autenticação é feita de forma biométrica para os cerca de 40 mil usuários cadastrados pelo IRCC. Atualmente, existem 17 farmácias autorizadas a vender a droga no país – sete delas, na capital, Montevidéu. Apesar do número pequeno, não se vê mais filas nas farmácias.
“Eu ficava cerca de quatro horas na fila e, muitas vezes, depois de ter ficado um longo tempo esperando, um funcionário saía avisando que o estoque havia acabado”, disse ao Metrópoles Matias Romano, tatuador, que costuma comprar semanalmente em uma farmácia do centro de Montevidéu. “Hoje, digo que há eficiência neste tipo de venda”, destacou.
Somente 60% do estoque disponível na farmácia é destinado às reservas. Os outros 40% precisam ser mantidos para usuários que não aderiram ao aplicativo. Além disso, se o dono da reserva não comparecer para a retirada no dia marcado, no outro dia o produto volta para a venda livre. O produto oferecido tem como característica ter um baixo teor de THC (tetrahidrocanabinol), substância responsável pelos efeitos psicoativos da maconha.
Legislação
A legalização da maconha para fins recreativos foi uma lei aprovada no Uruguai em 2013, quando o país era dirigido por governos de centro-esquerda. Mesmo com a ascensão do centro-direitista Luis Lacalle Pou ao poder, no último domingo (01/03), entretanto, Rossatto não acredita em retrocesso na lei, considerada uma das mais avançadas do mundo, ao lado das do Canadá e da Holanda.
“Diante da economia que se formou no Uruguai, eu acredito que não vai retroceder, que deve se tornar até mais permissiva. Lacalle Pou pode até pisar mais em ovos, ser mais cauteloso com relação aos avanços da lei e sobre como vai ser a gestão, mas eu duvido muito que vá retroceder”, avaliou Rossatto, que mora no Uruguai desde 2017.
“O próprio país está se desenvolvendo em relação a isso, mesmo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) indo de encontro a essa lei. Os bancos, por exemplo, ainda não permitem transação de dinheiro proveniente da cannabis. O Uruguai avançou, mas ainda tem esse freio de mão puxado”, considerou.
Dono de uma farmácia no centro de Montevidéu, Sergio Redin compartilha dessa opinião. Para ele, se Lacalle Pou admitir influência da minoria de extrema-direita que ajudou a elegê-lo e fazer retroceder pontos da atual legislação, estará traindo o eleitorado.
Lacalle Pou se elegeu com uma margem muito pequena de votos e, se tivesse assumido uma posição de retrocesso na questão da maconha durante a campanha, o mais provável é que perdesse o apoio dos cerca de 18% de eleitores que afirmaram votar nele contando que a legislação não iria retroceder. Esse percentual é maior que a diferença que ele obteve na disputa com Daniel Martínez, candidato da ala de esquerda, que perdeu as eleições por 37 mil votos (cerca de 1% dos votos).
A contar pelo histórico do novo presidente, mudança no sentido de reverter a legislação não está no cenário uruguaio. Embora fosse contrário à venda nas farmácias, Lacalle Pou foi quem apresentou o primeiro projeto de legalização do cultivo para consumo pessoal de maconha na América Latina, em 2010.
Turismo canábico
O brasileiro Jonas Rafael Rossatto também tem uma empresa de turismo canábico, a Weed Tour, na qual é sócio de mais dois brasileiros. Ele diz que nos últimos anos observou uma mudança de comportamento nos clientes e aposta na educação do público que atende.
A aposta é reduzir o preconceito e a forma de alimentação do tráfico, que ainda resiste, impulsionado principalmente por estrangeiros que visitam o país ou por uruguaios que, por um motivo ou outro, não possuem registro e autorização do órgão regulador.
Ainda é preciso frisar, segundo ele, que a autorização para a compra livre é somente para uruguaios.
“Minha empresa tem se voltado para educar as pessoas. Antes, as pessoas do Brasil vinham ao Uruguai só para consumir cannabis. Hoje, elas vão para entender o que é a cannabis e todos os mercados provenientes dessa matéria-prima”, destaca Rossatto.