Guerra na Ucrânia: saiba por que Kiev é a cidade dos bunkers
Capital da Ucrânia tem milhares de abrigos antibombas construídos na época da Guerra Fria, quando país temia eventual ataque dos EUA
atualizado
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Livrarias, cafés, bares, apartamentos e clubes de striptease. Esses foram os destinos de abrigos subterrâneos, ou bunkers, construídos em Kiev, capital da Ucrânia) durante a Guerra Fria. As estruturas, que viraram estabelecimentos de todos os tipos, são um resquício de quando o país integrou a União Soviética e temia eventuais ataques dos EUA.
Estações de metrô construídas na época, por exemplo, já eram reforçadas para suportar um possível bombardeio. Os locais foram alicerçados com vários metros de profundidade e materiais que suportariam ataques de bombas. Segundo as autoridades, há 4.500 bunkers subterrâneos que podem ser usados como abrigos antiaéreos.
“Praticamente toda a infraestrutura da Ucrânia ainda é a do período da União Soviética”, explica Fabrício Vitorino, mestre em cultura russa pela Universidade de São Paulo (USP).
“São estruturas altamente resistentes ao frio do Leste Europeu. Além da sua resistência, outra característica é possuir diversas saídas”, esclarece. Ele conta que depois do desastre nuclear de Chernobyl algumas construções mais recentes passaram também a ser mais resistentes a resíduos radioativos. “Alguns bunkers têm essa estrutura que conseguiria resistir a estes ataques por algum tempo”, relata.
Com o fim do período soviético, os abrigos passaram a ser assumidos por empresas, que remodelaram os locais e fizeram deles um negócio. No centro de Kiev, o clube de strip Penthouse é uma das empresas que aproveitou a estrutura de um bunker para criar um lugar de entretenimento.
Com o prenúncio de um ataque russo, o governo ucraniano anunciou aos cidadãos que os antigos bunkers voltariam a ser usados como abrigos antibomba. Uma reportagem da WUNC North Carolina Public Radio relata como autoridades do país convidaram um grupo de jornalistas para conhecer um dos abrigos construídos em 1980. A intenção era demonstrar como a Ucrânia estaria preparada caso uma guerra eclodisse — hipótese que se confirmou.
Com a invasão russa à cidade, jornalistas da televisão estatal da Ucrânia iniciaram transmissões ao vivo de um bunker, com o objetivo de se prevenirem de ataques.
Durante o passeio, uma equipe do governo mostrou como a instalação foi modernizada ao longo do tempo: incluindo uma pintura nova, novos banheiros e internet. A instalação, entretanto, é uma das disponibilizadas apenas para trabalhadores essenciais, que precisam continuar suas atividades mesmo em um momento de guerra. A realidade dos abrigos que estão sendo utilizados hoje pela população ucraniana é bem diferente.
Bunkers perdidos
O jornalista ucraniano Sergiy Slipchenko, que procurou a localização destas instalações para entender o que aguardaria os ucranianos caso ocorresse uma invasão no país, afirmou que maior parte dos abrigos está indisponível ao acesso dos moradores ou despreparada para receber pessoas.
“Houve algum esforço para reavivar os abrigos, mas não em grande escala”, contou o jornalista ao Metrópoles. Durante a entrevista, ele estava na estrada em direção a Bucareste, capital da Romênia. Slipchenko será um dos refugiados que o país aceitou receber devido aos conflitos.
Em sua procura por abrigos, Slipchenko se deparou com bunkers sinalizados pela cidade, mas trancados e sem nenhuma informação de como acessá-los. Em uma reportagem escrita por ele no começo deste mês, o jornalista se viu diante de uma situação inusitada. Ao procurar um dos bunkers mostrados no mapa, ele verificou que o governo forneceu um número de telefone que pertencia à suposta dona da chave do bunker. Ao tentar fazer contato, uma senhora idosa disse que não sabia nada sobre nenhum abrigo antiaéreo. O número divulgado parecia estar incorreto.
“O governo disse que começou os preparativos, e que os donos dos prédios seriam os responsáveis por preparar os abrigos, mas isso não estava sendo feito. Foi difícil encontrar abrigos com um número, e os que encontrei não responderam ou, como nesse caso, era de uma mulher idosa não relacionada aos abrigos”, relatou.
Veja, no mapa, a localização dos bunkers na cidade de Kiev:
“Caso ocorra algum ataque a gente vai tudo para dentro”
A frase acima foi dita pelo mineiro David Abu-Gharbil, momentos antes de entrar em um dos bunkers espalhados pela cidade. Morador do país há dois meses, David compartilhou em suas redes a situação da região e como foi pernoitar em um dos abrigos em meio aos ataques russos.
“Estamos esperando aqui fora perto do bunker. Caso ocorra algum ataque, a gente vai tudo pra dentro”, relatou David Abu-Gharbil. “Quando ocorrer uma bomba ou alguma coisa parecida, a gente vai lá pra baixo. Estamos aguardando, porque teve um aviso agora que vai haver vários ataques na cidade”, disse.
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