Guerra entre Israel e Hamas evidencia o crescimento do antissemitismo
Somente em outubro, o Brasil registrou 467 denúncias de antissemitismo contra 44 denúncias, em comparação ao mesmo período no ano passado
atualizado
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Com a escalada do conflito mortal entre Israel e o grupo extremista Hamas, escolher um lado sem levar em conta todas as nuances da situação, além de alimentar um discurso contra judeus ou muçulmanos aparenta ser o “novo normal” da sociedade mundial.
A fim entender o aumento de casos de antissemitismo e islamofobia ao redor do globo, o Metrópoles consultou especialistas no assunto que acreditam que os principais fatores responsáveis por alimentar essa linha de pensamento são: ignorância, desconhecimento, estranhamento e medo.
Somente em outubro deste ano, o Brasil registrou 467 denúncias de antissemitismo contra 44 denúncias, em comparação ao mesmo período no ano passado — totalizando um crescimento de 961,36%. Os dados são de um levantamento do Departamento de Segurança Comunitária da Confederação Israelita do Brasil (Conib) e da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp).
Ao comparar o intervalo de janeiro a outubro do ano passado com o mesmo intervalo em 2023, observa-se um acréscimo de 133,6% nas denúncias de antissemitismo, ainda de acordo com o estudo.
Porém, tal expansão não fica restrita apenas às consequências do conflito humanitário no Oriente Médio. A pesquisa também evidencia um aumento de 24,17% no período anterior à guerra, com janeiro a setembro de 2022 (331 denúncias) e janeiro a setembro de 2023 (411 denúncias).
O presidente da Conib, Claudio Lottenberg, destaca que “por trás desses números” há pessoas e histórias. Segundo ele, crianças sofrem bullying na escola, pessoas são ofendidas, ameaçadas (pessoalmente e on-line), constrangidas até mesmo por vizinhos.
As origens do antissemitismo e da islamofobia
Antes de abordar o assunto nos dias atuais, é necessário revisitar a história. Apesar de parecer algo do século 20, com a propagação de ideias nazistas, historicamente, o antissemitismo não é considerado novidade.
Tal aversão dos judeus foi remontada há praticamente dois mil anos atrás, logo no início do cristianismo, segundo o professor de direito internacional e direitos humanos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) Alberto do Amaral Jr.
“Depois do início com a guerra contra o Hamas, o antissemitismo foi aguçado, não como já não existisse antes. Até porque o antissemitismo é algo compartilhado pela extrema direita europeia e por partes do islamismo”, relata Amaral.
Para a especialista em tradução e estudos bíblicos Maria Antonia, as traduções de livros sagrados, em especial, a Bíblia , fizeram “um estrago muito grande” nas percepções da sociedade sobre a história de povos e etnias.
“As pessoas deveriam se informar melhor, quais são os conteúdos doutrinários de cada religião. Essa generalização é a causa dos problemas que estamos vendo hoje. Aqui no Brasil, a Constituição [Federal] garante essa liberdade de crença e profissão de fé”, diz.
Ela defende a ideia de que a “compreensão” e o “respeito” serão responsáveis por evitar futuras tragédias humanitárias. A coronel afirma que paira um pensamento “equivocado” de que as pessoas que tratam de religião e assuntos correlatos “sabem tudo”: “A maioria deles nem conhece o hebraico, o grego ou até o latim”.
Israel
Professor de ética da ESPM, Andrey Albuquerque Mendonça faz um paralelo entre o antissemitismo antes da criação do Estado de Israel, com o momento mais crítico durante o regime nazista, e depois escalonou com a tensão geopolítica no Oriente Médio.
“Esse antissemitismo, que já existia antes, passa a ser mais identificado com a ideia de que a existência do Estado de Israel sem o Estado palestino faz de Israel ser uma ‘marionete dos Estados Unidos’. O que envolve uma série de questões geopolíticas”, conta.
Mendonça ressalta que o resultado desse conflito não é de ordem religiosa. A guerra entre Israel e Hamas é “muito mais antiga, é uma questão histórica que ao mesmo tempo afeta a população palestina e a população israelense”.
“Então, esse sentimento de ódio de ambos os lados é totalmente fundado num desconhecimento inclusive da história. Seja do povo palestino, seja do israelense”, prossegue o professor da ESPM.
É consenso entre os especialistas que a ignorância, desconhecimento, estranhamento e o medo são os grandes desafios para combater tanto a questão antissemita quanto a islamofóbica.
Mendonça reforça que “de todos os lados” existem fundamentalistas e extremistas, que, ainda segundo ele, é “onde está a raiz do problema” da aversão contra muçulmanos e judeus. “Hoje, há pessoas que não são capazes de sentar para dialogar. Esse espírito de ódio e de enxergar o outro como inimigo é um problema que seguimos enfrentando”, diz.
Conforme o professor de ética da ESPM, é fundamental retomar a prática de debates e diálogo entre as partes para romper “as bolhas” que foram potencializadas pelas redes sociais.
Ascensão da islamofobia com o 11 de setembro
Mesmo “impregnada na história”, a islamofobia cresceu após os atentados contra as Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001. Tais raízes históricas, consideram que “o islamismo poderia é causar danos a civilização ocidental”, de acordo com o professor da USP.
Esse pensamento de ódio contra praticantes do islã também está associado à “guerra ao terror”. “Pessoas que são suicidas ou terroristas acabam sendo ligadas à religião islâmica, o que é totalmente errado”, pontua Mendonça, professor da ESPM.
Operação da PF contra terroristas do Hezbollah
A Polícia Federal (PF) deflagrou na última quarta (8/11) a Operação Trapiche contra terroristas ligados ao Hezbollah e que planejavam ataques no Brasil, os quais tinham como alvo prédios da comunidade judaica no país.
No âmbito da ação, duas pessoas foram presas provisoriamente em São Paulo, além disso os agentes da PF cumpriram 11 mandados de busca e apreensão. Os recrutadores e recrutados devem responder pelos crimes de constituir ou integrar organização terrorista e de realizar atos preparatórios de terrorismo, cujas penas máximas, se somadas, chegam a 15 anos e 6 meses de reclusão.
Para Mendonça, esse caso demonstra como as questões relacionadas ao antissemitismo e islamofobia estão cada vez mais globalizadas: “Elas não estão localizadas apenas naquele lugar onde o conflito está acontecendo, ou seja, transpõe qualquer barreira geográfica”.
“De fato, em todos os lugares podem ter pessoas, isso vale para qualquer religião, que acabam acolhendo essa mensagem fundamentalista e muitas vezes extremista e que podem estar ligados a esses grupos terroristas. Não necessariamente essas pessoas precisam ser imigrantes. A maioria é cooptada por grupos na internet”, explicou.
“Assim como a internet possibilita muita coisa boa, ela também potencializa a ação desses grupos fundamentalistas e extremistas, de discursos de ódio, desses grupos fundamentalistas e extremistas que podem recrutar gente em qualquer lugar do mundo”.
Entidades condenam ataques contra judeus
Por meio das redes sociais, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, demonstrou estar preocupado com “o aumento do antissemitismo e da intolerância anti-muçulmana”.
Guterres afirmou que é preciso pôr um fim à “retórica odiosa” e “ações provocativas”, além de “encontrar uma maneira de manter a nossa humanidade comum”.
Em 6 de outubro, diversas entidades, lideranças e organizações internacionais assinaram uma declaração conjunta a favor do combate ao antissemitismo.