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Quase meio século após a descriminalização do aborto, a França se prepara para inscrever na Constituição, nesta segunda-feira (4/3), o direito de recorrer a uma interrupção da gravidez. A iniciativa visa proteger o acesso à prática, em recuo em vários países, e é saudada por movimentos feministas do mundo inteiro, inclusive no Brasil.
Após uma votação histórica no Senado francês, que autorizou a inscrição da “liberdade garantida” às mulheres do país a recorrerem ao aborto, o Palácio de Versalhes acolhe nesta tarde uma votação que deve bater o martelo e tornar o direito irreversível. O Congresso extraordinário reunirá membros das duas câmaras do Parlamento, encerrando um longo processo legislativo que teve início com uma promessa do presidente Emmanuel Macron.
Para que o aborto seja inscrito na Constituição francesa, será necessário o aval de 60% dos legisladores presentes, o que deve ocorrer com folga. Entre os 925 deputados e senadores franceses, 760 já adiantaram que votarão a favor da constitucionalização da interrupção voluntária da gravidez ou o IVG, como a prática é chamada da França.
Na França, o aborto foi descriminalizado em 1975, graças ao combate da ministra francesa Simone Veil, ícone da emancipação feminina e sobrevivente do Holocausto. Em 2022, o prazo máximo para a realização do procedimento aumentou para 14 semanas.
A mudança não alterou o número de gestações interrompidas, como alegavam conservadores. Há cerca de duas décadas, o número se mantém estável: cerca de 230 mil abortos voluntários são realizados por ano no país.
Temor de um retrocesso
O cancelamento do decreto Roe vs. Wade pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 2022 suscitou o temor de que um retrocesso pudesse ameaçar a Lei Veil na França. Após a mobilização de movimentos feministas em todo o país, o presidente francês se comprometeu a liderar a iniciativa de constitucionalizar o aborto no país.
No entanto, a iniciativa encontrou diversos obstáculos, como a recusa da inscrição na Constituição do termo “direito ao aborto”, que deu lugar à “liberdade garantida” às mulheres que desejarem recorrer à prática. Vários parlamentares, entre eles o próprio presidente do Senado, Gérard Larcher, também se manifestaram contra o projeto por acreditarem que a Lei Veil não estava ameaçada.
Embora em torno de 80% dos franceses apoiem a iniciativa, segundo pesquisas, bispos expressaram “tristeza” com a decisão, assim como grupos conservadores. A organização Marcha pela Vida convocou uma manifestação nesta tarde em Versalhes, “para defender a vida das crianças que ainda não nasceram e todas as vítimas do aborto”.
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