EUA usa Israel como instrumento, diz embaixador da Palestina
Embaixador da Palestina no Brasil falou com exclusividade ao Metrópoles sobre 1 ano de guerra em Gaza, grupo Hamas e paz
atualizado
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“É bom esclarecer que o conflito [em Gaza] não é uma guerra religiosa. Tem que ter isso bem claro. A guerra não é entre judeus e mulçumanos. Existe uma geopolítica. Existem interesses coloniais”, afirmou o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, durante entrevista ao Metrópoles.
De acordo com o diplomata, Israel está sendo usado como instrumento por aqueles que querem explorar as vias marítimas, o petróleo e gás natural da região da Palestina. Quando questionado sobre quem seriam os interessados nos recursos, Alzeben respondeu: “Estados Unidos, fundamentalmente”.
Ibrahim Alzeben agradeceu ao Brasil, ao presidente Lula e ao povo brasileiro, que considera ser “um povo muito querido e muito sensível com a dor de qualquer outra pessoa”. O representante da Palestina ainda comentou as acusações de terrorismo, feitas por Israel contra o grupo extremista Hamas, revelou o que é preciso para a assinatura de um acordo de paz entre os dois países e aconselhou o povo israelense a “saber eleger mandatários”.
Interesses coloniais das super potências
Para Ibrahim Alzeben, por de trás dos ataques de Israel, há um interesse colonial das superpotências ocidentais .
“Os espanhóis e portugueses chegaram aqui [Brasil], calvinistas ingleses foram para os Estados Unidos e as superpotências do século 19 invadiram a África e a Ásia, para roubar e saquear, com interesses. Qual é o interesse agora? O interesse é o petróleo, o interesse são as vias marítimas – temos 3 importantes vias marítimas na área – que essas superpotências querem.”
O representante da Palestina afirma que “todos aqueles que apoiam Israel e armam Israel” usam o país “como ponta de lança” para conquistar e proteger seus próprios interesses de mercado. Dessa forma, o motivo do conflito seria “econômico, financeiro e geopolítico”.
Veja um trecho da entrevista com o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben:
Hamas é grupo terrorista?
Quando questionado sobre a relação entre Palestina e o Hamas, o chefe diplomático se referiu ao grupo como sendo um partido político e afirmou que, assim como no Brasil, nem todos palestinos pensam igual.
Quantos partidos vocês têm aqui no Brasil? São mais de 26 partidos aqui. Todos eles pensam igual? Não. Na Palestina nós também temos partidos políticos e nem todos pensam igual. Tem uns – e somos a maioria – que acreditam que a paz é o caminho. Tem outros que dizem que não […] Mas não deixam de ser palestinos e não podemos dizer que eles não são palestinos. São palestinos que pensam diferente.”
Em sua fala, Ibrahim Alzeben alega que as acusações de terrorismo por parte de Israel são um pretexto para os ataques e que escondem o real interesse do país. “São 150 mil entre mortos e feridos, temos Gaza totalmente destruída. Será que todo esse povo é terrorista? Israel não quer a paz. Israel sempre procurou pretextos”, afirmou Alzeben.
“Aquele que levanta a sua voz é terrorista. Aquele que alça uma pedra, manda um tanque e derruba sua casa. Se Israel tem na Palestina, pelo Hamas, 110 reféns, nós temos 10 mil reféns, [presos políticos] que para nós também são nossos filhos.”
O Metrópoles apurou que, até o momento, um total de 97 reféns, dos 251 israelenses e estrangeiros que foram feitos reféns em 7 de outubro de 2023, continuam desaparecidos. No final de junho de 2024, o Serviço Prisional de Israel (IPS) mantinha cerca de 9.440 detidos palestinos qualificados como “segurança”, de acordo com o levantamento Detenção, no contexto da escalada das hostilidades em Gaza, das Nações Unidas.
Ainda sobre o assunto, o embaixador revelou que a Palestina está em negociação com o Hamas para que o grupo se torne parte da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), ” única e legítima representante”.
“Esperamos que o Hamas se torne parte da OLP muito em breve. Hoje, inclusive, já temos negociações com eles […] confiamos que eles e outros grupos se incorporem à OLP, para que não exista pretexto para o massacre de Israel.”
Israelenses fazem vista grossa para massacre
Ibrahim Alzeben lamentou a perda de vidas, que ultrapassa o número de 40 mil pessoas, e citou o povo palestino, o povo sírio, o povo libanês e o povo israelense como “vítimas dessa cadeia armamentista e dessas agressões”. Apesar disso, o representante diplomático fez uma série de recomendações aos israelenses. Para ele, o povo de Israel faz “vista grossa” para a violência.
“Os israelenses fazem uma vista grossa de todos os massacres cometidos entre 1948 e 1967 e de 1967 até o momento. […] O povo israelense tem que saber eleger mandatários que procurem negociações e que procurem uma solução pacífica, não apoiar um governo que ocupa, que invade, mata e sempre soluciona através da guerra, através da violência.”
Outra sugestão, proposta por Alzeben, é a de que o povo israelense faça uma análise, em retrospectiva. “Todo o mundo está recusando o que Israel está fazendo, é o momento de o israelense perguntar e questionar seus mandatários: ‘Por que está fazendo isso? Por que estamos fazendo isso?’ Esse exercício não está sendo feito.'”
“Quem quer a paz somos nós”
“Dizem que o tango precisa de duas pessoas. Para fazer essa paz, precisa de duas partes que concordem que a paz é a solução”, indicou Ibrahim Alzeben. “Quem quer a paz somos nós porque sabemos qual é o preço da guerra. […] queremos a paz dos vivos e não dos cemitérios. Israel não quer [a paz]. Nós pagamos um preço muito alto”, acrescentou.
De acordo com ele, o povo palestino está consternado com a guerra. “Uma pessoa normal não pode estar contente ao ver esse massacre”, destacou.
Quando questionado sobre o que um acordo de paz deveria ter para ser aceito pela Palestina, Alzeben pontou, sem titubear: “Retirar-se de todos os territórios ocupados desde 1967. Reconhecer o Estado da Palestina. Reconhecer o que fez com o nosso povo ao longo de todos esses anos.”
“Israel, que causou a diáspora palestina, tem que se sentar em frente e dizer ‘eu cometi isso’ e, obviamente, nós também temos obrigação de reconhecer os nossos erros. Mas qual é o erro, qual é o pecado original? Ocupar nosso território e não permitir a criação do Estado palestino.”
O representante afirma, ainda, que “o mundo todo está com a Palestina porque observam que o povo palestino está sendo vítima”.
Embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, comenta número de mortos em Gaza. Veja:
“Essa dor vai acabar. Vamos reconstruir a Palestina. Não vamos abandonar nossos princípios. Se o outro lado é criminoso nosso povo não é. […] Confiamos que o mundo não seguirá permitindo. Esperamos que os Estados Unidos, realmente, cumpra com os princípios de liberdade declarados”, finalizou.