Para Marcelo Caetano, “reforma não pode virar uma utopia”
Ele alerta sobre os riscos de os parlamentares desconfigurarem demais o modelo
atualizado
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Prestes a iniciar uma longa negociação no Congresso Nacional sobre os pontos da reforma, o secretário de Previdência, Marcelo Caetano, disse ao jornal “O Estado de S. Paulo” que a proposta tem um ideal que deve seguir como norte, mas não pode ser transformado em utopia, com o risco de ser “inatingível”. “Não é uma proposta que é isso ou não se aprova nada”, afirmou. Ele alerta, porém, sobre os riscos de os parlamentares desconfigurarem demais o modelo, o que levaria ao risco de o próximo presidente já ter de apresentar uma nova reforma. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que acontece com a PEC do Teto se a reforma da Previdência não for para frente?
A reforma da Previdência é necessária independentemente da PEC do Teto. Gosto de enfatizar isso porque pode ficar parecendo que se está fazendo a reforma porque se aprovou um limitador de gasto. Mas, de fato, como se impõe um limite, e a Previdência tende a aumentar os gastos… É preciso complementar a PEC do Teto com alguma reforma. Ela já deveria ter feito há mais tempo
O Centrão (bloco informal de 13 partidos da base aliada liderado por PP, PSD e PTB) já resiste a votar a reforma? Como as questões políticas podem atrapalhar?
O Congresso tem soberania e poder de decisão, mas ela (reforma) se faz necessária para a manutenção de uma estabilidade das contas públicas. Essas discussões políticas ocorrem, mas o que é relevante é que, independente de ambiente político que pode estar por trás, essa proposta não é proposta de governo. É de Estado. Quem se beneficia de fato são as gestões futuras.
O Palácio do Planalto já sinalizou que pode negociar pontos importantes da reforma?
Não conheço. Quando analisamos a Previdência, a reforma tem de ser ampla, porque são vários aspectos a considerar. Tem as regras permanentes, as de transição e as de fórmula de cálculo. Tem de tomar cuidado, ao longo do processo de negociação, para que se mantenha um todo consistente.
Uma coisa é a questão técnica, mas o momento político é difícil para passar a reforma?
Se houver muita alteração nas negociações, a reforma pode ficar insuficiente, inclusive para a PEC do Teto. Pode chegar o momento de ser necessário fazer uma outra reforma em 2019.
A proposta recebeu muitas críticas, entre elas, de que vai prejudicar a renovação de trabalhadores no mercado de trabalho e prejudicar o emprego.
Eu ouço dos dois lados. Que foi mais rígido em algumas coisas e menos em outras. Eu ouço, por exemplo, críticas porque não se colocou contribuição de inativos e pensionistas. Eu particularmente não concordo, porque não deveríamos fazer reforma com aumento de tributação, deve ser mais na questão da despesa.
E o mercado de trabalho?
O tema do desemprego está mais relacionado a questões de conjuntura e crescimento econômico. Não concordo com a visão de que há um número fixo de mercado de trabalho e que, se alguém está ficando, o outro não está entrando.
Mas há preocupação da população se haverá emprego para as pessoas mais velhas que terão de trabalhar por mais tempo.
As estatísticas de maior desemprego não estão entre os idosos. No geral, é muito mais entre os jovens. Se começar a considerar que existe um problema de desemprego e que a Previdência vai resolver…
A reforma começou com certo atropelo, com a retirada dos militares…
Foi uma decisão no nível superior. Se for considerar, a proposta (dos militares) tem a perspectiva de ser tratada em projeto de lei. Temos trabalhado na tecla de um processo de harmonizar, de que as regras fiquem muito parecidas para todo mundo. Eu tenho certos ideais e eles são compartilhados por grande parte da equipe técnica, de ter um tratamento mais igualitário para todo mundo. O que importa, sendo bem pragmático, é o que do ideal pode virar norte e o que pode virar utopia. Se a gente se apegar tanto, tem de ser exatamente isso e de acordo com o ideal, aquilo pode ficar inatingível. Aí, pode deixar de ter avanço por conta de um ponto que não se conseguiu chegar.
Por que essa idade de 65 anos é fundamental?
Primeiro, 65 anos já é uma idade mínima que existe no Brasil. Existe aposentadoria por tempo de contribuição, que estamos acabando, e existe por idade. Se for homem urbano, já é hoje de 65 anos.
A exigência de ter de contribuir por 49 anos para ter direito a 100% do benefício recebeu muitas críticas.
Estou bem tranquilo em relação à proposta. Por exemplo, se você for pegar o caso americano, a reposição máxima que você vai ter é de 90%. Lá, nem 100% você consegue, mesmo com renda mais baixa No modelo brasileiro, hoje você tem o fator previdenciário. No ano passado, começou a vigorar a fórmula 85/95, mas de 1990 até 2015, há a questão do fator previdenciário. Há quem receba mais, há quem receba menos, mas dá alguma coisa na faixa de 70%. E, na proposta de reforma, estabelecemos que no mínimo vai ser 76%. No caso de quem ganha o salário mínimo, o benefício é integral.
O núcleo político do governo queria suavizar mais as regras e a equipe técnica barrou?
Isso aconteceu. A equipe política deu autonomia à equipe técnica para estabelecer o que considerávamos importante. Quando encaminhamos essa proposta, tínhamos a perspectiva de longo prazo. Vamos tentar convencer as pessoas de que é importante para não passar por outra sequência de reformas.
Quanto tempo as finanças públicas aguentam sem a reforma?
Se você for ver a situação dos Estados em particular, vários deles já não aguentam. Quando chega numa situação que não consegue pagar fornecedor, não consegue pagar folha… Não vejo como uma questão de futuro, é o presente. No governo federal, o déficit primário já é alto, e o déficit do INSS em particular é bastante alto. Então, o problema previdenciário já chegou.