“É possível”: brasileira quebra imagem sobre vida de mulheres em Dubai
Karen Jones, chefe de operações da Apex em Dubai, mora nos Emirados Árabes há cerca de 20 anos e prova que país abre espaço para empresárias
atualizado
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Enviada especial a Dubai – Os Emirados Árabes Unidos são mundialmente conhecidos pelo tratamento não igualitário as mulheres de sua cultura. Em 2020, no entanto, foram anunciadas alterações legais que visavam melhorar a segurança das mulheres muçulmanas. De acordo com a reportagem do jornal The National, ligado ao governo e sediado em Abu Dhabi, foi “uma das maiores mudanças do sistema legal em anos”.
Entre as mudanças, estava a alteração do chamado “crime de honra”, ou seja, quando homens matam ou abusam de parentes do sexo feminino pelo o que consideram relações impróprias com outros homens. O texto afirma que os crimes seriam tratados como agressão ou homicídio. Outra mudança foi o endurecimento da lei contra o assédio sexual, que aumentou a multa máxima para cerca de US$ 27 mil.
Segundo a mídia local, a ideia do governo na época era melhorar a visão do turista para a Expo 2020 Dubai e, consequentemente, atrair mais visitantes. O evento, inclusive, tem encerramento marcado para esta sexta-feira (31/3).
Mesmo com todas as regras culturais e religiosas dos EAU, a visão do mundo para com o país mudou: hoje, o local é um dos pontos turísticos mais bem quistos do mundo. Somente em 2019, apenas Dubai trouxe 16,73 milhões de novos visitantes para o seu país. Até na pandemia da Covid-19, em 2020, o número foi significativo: cerca de 5,51 milhões no ano, segundo dados oficiais.
Não só culturalmente, Dubai e outras cidades dos Emirados Árabes, incluindo a conservadora Arábia Saudita, aprendeu a acolher mulheres e fazê-las confortáveis no seu território, mesmo que seguindo costumes locais. A prova disso é Karen Fernandes Campos Jones, de 49 anos, chefe de operações do escritório da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil) em Dubai.
Morando no país há cerca de 20 anos, Karen contou como lidou com a nova cultura e garantiu que “não é um bicho de sete cabeças” a vida na cidade turística. Ela, no entanto, frisou que é importante entender os costumes de cada lugar, já que eles se alteram mesmo que estejam locados dentro de um país.
É possível trabalhar, viver, é possível ser bem sucedida na região, sim. Existem desafios e isso significa que você deve estar preparada para eles. Dubai não é representação da região, a realidade de Dubai é única e no momento que sai pra Abu Dhabi muda. [É preciso] Respeitar certas questões locais, mas não é um “bicho de sete cabeças”.
Karen Jones
Veja a entrevista completa com Karen Jones ao Metrópoles, diretamente do escritório da Apex Brasil em Dubai:
Gostaria que você contasse um pouco sobre como veio parar aqui em Dubai e como foi que começou o seu trabalho aqui na Apex Brasil.
Karen Jones: Eu saí do Brasil há vários anos, inicialmente para morar na Inglaterra, onde fui fazer mestrado em direito internacional, depois de ter me formado em direito pela UFG [Universidade Federal do Goiás]. A partir dali, já casada, surgiu uma oportunidade de trabalho para o meu marido vir aqui [em Dubai] por um período inicial. Seria de um há três anos. E foi uma oportunidade que a gente viu para poder explorar, conhecer um lugar diferente. Ao chegar aqui percebemos que era um lugar de oportunidades, acabamos ficando aqui, já foram quase 20 anos desde aquele primeiro momento.
E foi difícil quando você decidiu vir pra cá? Você sentiu medo, tanto quando se fala do lado profissional como da cultura dos Emirados Árabes Unidos, que é completamente diferente da brasileira?
KJ: Naquele momento, particularmente, vir morar no Oriente Médio é algo que trazia uma certa dúvida com relação as oportunidades pra mim, com relação a qualidade da minha vida quanto mulher nesse ambiente de religião muçulmana. O que a gente comprovou é que, nos Emirados Árabes, a população expatriada é muito grande. Então, temos mais de 200 nacionalidades que vivem e trabalham aqui. É um ambiente extremamente cosmopolita. Mas, a partir da vida em Dubai, não há de se negar que estamos em um ambiente que há algumas diferenças culturais com relação a mulheres. Então, há de se estar atento a forma de se vestir, a certos comportamentos públicos. Eu acho que, na realidade, a mulher ocupa um espaço importante na sociedade, mas compreendida de uma forma diferente. Tem uma maior flexibilidade no ponto de vista cultural, ainda respeitando os preceitos religiosos, mas a importância da mulher também na absorção da força de trabalho local. Em Dubai, particularmente, a gente vê um incentivo muito grande há mulheres em participações em cargos estratégicos do ponto de vista da composição de governo, ministras de Estado com muita visibilidade.
Houve alguma situação em que o fato de ser mulher te limitou?
KJ: Não tive nenhuma situação que me causou extremo constrangimento ou impossibilidade de executar as minhas funções. Existem alguns aspectos nesse sentido aí: um é a compreensão do que é a forma de se conduzir nesses países, preceitos que precisam ser observados. Existem situações que podem ser difíceis de navegar um pouco. Às vezes, você se vê em um ambiente só de homens, não há dúvidas que alguns deles ficam mais confortáveis em negociar com mulheres. Às vezes, acontece de alguns deles não quererem te dar as mãos, porque não apertam as mãos, mas levam ao coração. Embora eu tenha que dizer que, como eu estou aqui há muito tempo, essas situações já diminuíram muito. Eu não tive empecilhos para exercer as minhas funções. Eu fui a todos os países daqui, inclusive Iraque, Irã, Egito, Arábia Saudita. Fui a trabalho, fiz reuniões, por vezes, a única mulher no ambiente.
Você citou o fato que, em algumas ocasiões, ficou em locais apenas com homens. No Brasil, uma mulher entrar em um elevador, por exemplo, apenas com homens causa pânico. Você se sente nessa situação aqui também?
KJ: Eu acho que a questão enquanto mulher estar relacionando em um ambiente de negócios, mesmo no nosso país, ainda é um cenário diferente, mas a gente ainda tem que batalhar para que as mulheres ganhem espaço. O que é interessante aqui, do ponto de vista cultural, é que pode haver um distencionamento, um desinteresse no engajamento com uma representante mulher. A questão do assédio é algo que não se enfrenta aqui. É um respeito muito grande que se tem, e o distanciamento faz com que a gente não enfrente essas situações. Estou falando do contato com homens árabes nos países da região, particularmente do Golfo. Eu diria que são os países mais conservadores.
Você acredita que essa questão da abertura para o turismo nos Emirados Árabes Unidos ajudou nessa flexibilização de tratamento para as mulheres?
KJ: Para se posicionar como um grande centro de turismo e atrair grandes números de visitantes, ele [os Emirados Árabes Unidos] tem que oferecer flexibilidade aos costumes. Essa é uma estratégia que a gente vê agora em outros países do Golfo, como na Arábia Saudita, que está em um momento grande de campanha para atrair o turismo e sabe que precisa flexibilizar e aceitar mulheres que não estejam cobertas dos pés a cabeça, ainda que se vista de maneira discreta, mas fazendo concessões que não se via anteriormente porque precisa desenvolver o turismo. A outra questão, é a presença das empresas internacionais. Outra questão é que é um país de população pequena. E mais de 80% é de expatriados, e tem um número muito grande de mulheres.