As consequências políticas da guerra contra o Hamas para Netanyahu
Guerra pode frustrar planos internacionais de Netanyahu e colocar balde de água em situação interna tensa
atualizado
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Além do desastre humano, com a perda de vidas inocentes em um conflito de décadas que ganhou um novo capítulo mais sangrento há quatro dias, a guerra entre Israel e o Hamas pode refletir diretamente nas intenções do governo de Benjamin Netanyahu e no futuro do mandato do primeiro-ministro israelense.
Antes da incursão terrorista do grupo islâmico em Israel, o país se via no epicentro de uma das maiores crises políticas das últimas décadas, com diversos protestos explodindo no território contra as intenções do premiê israelense em reformar o Judiciário.
A situação de conflito também faz parte de uma escalada de violência acentuada no início deste ano, com o avanço dos assentamentos israelenses em territórios palestinos – uma promessa de Netanyahu para expandir a presença nessas regiões –, e um levante terrorista que eclodiu após a morte de dois irmãos na Cisjordânia.
O cenário de instabilidade política e social ganhou nova forma, no entanto, com a maior ofensiva do Hamas sobre o território israelense da história, no último sábado (7/10). O grupo islâmico, não relacionado à Autoridade Palestina, controla a região da Faixa de Gaza.
Reformas políticas
Desde que assumiu pela terceira vez o governo, em dezembro de 2022, o premiê Netanyahu patrocina uma série de reformas, entre elas, uma que tenta diminuir os poderes da Suprema Corte do país. Na prática, o Judiciário ficaria impedido de barrar leis inconstitucionais, se essa for uma decisão aprovada pelo Legislativo.
Há, ainda, a proposta de tentar aumentar o número de cadeiras de 15 para 18. O receio é de que as novas normas afetem a democracia do país. A série de medidas, apesar de controversas, foi aprovada em julho deste ano em meio à uma onda de protestos, e passou a ser analisada pela Suprema Corte de Israel em setembro.
Contudo, a situação de guerra colocou um novo componente na equação e, em função do quadro agudo de conflito contra o Hamas, o governo deve deixar de lado agendas internas para abordar o problema com o grupo extremista de forma mais abrangente.
É o que explica a ex-diplomata israelense Revital Poleg, colaboradora do Instituto Brasil Israel (IBI). “Hoje ou amanhã vão declarar governo de emergência. O nosso foco agora é resolver o programa mais grave. Isso significa que todas as partes da política israelense se unem para resolver o que é mais urgente para o país [no caso, a guerra contra o Hamas]”, explica.
Um governo de emergência posiciona a ala governista e a oposição focados em “desafios de segurança” após os ataques do Hamas. “Se isso vai mudar o governo ainda é cedo para saber, mas será uma situação que não podemos analisar com ferramentas do passado”, prossegue Poleg.
A especialista defende que as vítimas civis mergulharam a sociedade israelense em um conflito sem precedentes. “Alguma coisa bem grande mudou aqui [em Israel]. Não podemos dizer que voltaremos para a vida normal”.
“Estamos falando de cerca de mil mortes, 1,7 mil feridos, pessoas que estão reféns em Gaza, uma situação que nunca aconteceu em Israel, porque falamos de civis, de bebês, de idosos de 80 anos, mulheres com filhos e situações inacreditáveis. Com certeza isso afeta a mente das pessoas “, avalia.
Arábia Saudita x Israel
Além de uma possível mudança nos rumos da política interna, a guerra de Israel contra o Hamas já apresenta reflexos diretos na diplomacia israelense. Uma possível aproximação histórica entre Tel Aviv e Riad, anunciada há alguma semanas, ficou mais distante com o início do conflito.
A normalização de laços beneficiaria os interesses de ambos os países, com o governo de Benjamin Netanyahu conquistando um importante aliado no diálogo com estados árabes e a Arábia Saudita ganhando um parceiro regional na disputa contra o Irã.
Contudo, após o início da contraofensiva israelense na Faixa de Gaza, analistas ouvidos pelo Metrópoles acreditam que as negociações devem estagnar. Apesar de usar um tom mais neutro quando comparado a outros estados muçulmanos, Mohammed Bin Salman, o príncipe-herdeiro da Arábia Saudita, deixou claro o apoio saudita à causa palestina.
“Sua Alteza afirma que o Reino apoia o povo palestino para alcançar os seus direitos legítimos, realizar as suas esperanças e aspirações e alcançar uma paz justa e duradoura”, disse MBS em um comunicado divulgado pela mídia estatal do país nessa segunda-feira (9/10).
Para Paulo Cesar Rebello, analista político e doutorando em Ciência Política pela Universidade de Salamanca, a atual situação impede que as negociações entre os dois países continuem, tendo em vista que a Arábia Saudita é um dos principais representantes do mundo árabe e do islamismo.
“A violência dos ataques de Israel certamente será um ‘turn-off’ nas negociações de normalização [com a Arábia Saudita]. Em segundo lugar, um possível cenário em que Israel consiga invadir Gaza e destruir todas as células do Hamas certamente vai gerar algum tipo de protesto em outras regiões da Palestina”, pontua.
“Vitória” iraniana
A paralisação nas negociações entre Israel e Arábia Saudita representou uma vitória indireta para o Irã, que já havia criticado uma possível aproximação entre os dois países e chamado a atitude saudita de “uma punhalada nas costas do povo palestino”.
Apesar de negar qualquer participação na ação do Hamas em território israelense, o governo iraniano foi um dos estados muçulmanos que mais comemorou a incursão terrorista que vitimou dezenas de israelenses.
O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, classificou os ataques como uma “irreparável derrota militar” para o regime de Benjamin Netanyahu, e parabenizou o Hamas.
“Elogiamos as mentes e os esforços dos designer engenhosos e inteligentes do Al Aqsa Storm [nome da operação] e da juventude palestina. Estamos orgulhosos deles”, disse o líder iraniano, que ainda responsabilizou Israel pela recente escalada no conflito.
Segundo Paulo Cesar Rebello, a comemoração iraniana do avanço do Hamas contra Israel – e a consequente paralisação de conversas entre Tel Aviv e Riad – vai muito além da questão da defesa da Palestina e envolve interesses políticos regionais.
“Um acordo entre Arábia Saudita e Israel não apenas isolaria o Irã, como também criaria uma frente contra aquele governo. A Arábia Saudita já tem esses problemas com o Irã, de ordem política, religiosa, cultural e social. Essa relação entre não apenas isolaria os iranianos, como também a lógica do ‘eixo do mal’, propagada pelo Ocidente, faria mais sentindo. O Irã seria um dos únicos países a não reconhecer Israel na região, e isso forçaria o governo a negociar”, explica.