Brasileiros relatam experiência de “liberdade” na Coreia do Norte
Grupo de brasileiros esteve na Coreia do Norte após o país restringir por quatro anos a entrada de visitantes
atualizado
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Mesmo em meio a todos os mistérios e possíveis mitos que ainda cercam a Coreia do Norte, um grupo de brasileiros conseguiu entrar em um dos países mais fechados do mundo. Eles relataram ao Metrópoles que viveram uma experiência totalmente contrária àquelas que circulam na comunidade internacional sobre o país comandado por Kim Jong-un.
A viagem, entre os dias 11 e 20 de abril, foi uma das primeiras visitas de estrangeiros ao território norte-coreano após a reabertura das fronteiras, no início deste ano. A entrada de viajantes estava proibida desde o começo da pandemia de Covid-19.
O grupo brasileiro contou com três membros do Centro de Estudos da Política Songun no Brasil, que se dedica ao estudo das políticas e da filosofia da Coreia do Norte. Eles foram convidados pelo próprio governo de Kim Jong-un para realizar a viagem diplomática.
Além da delegação brasileira, dezenas de grupos de estudo sobre a Coreia do Norte também visitam o país no mesmo período comemorativo ao 112º aniversário do nascimento de Kim Il Sung, o primeiro presidente do país.
Ao Metrópoles a delegação composta por três estudiosos da política e filosofia norte-coreana explica que a visita, que durou cerca de nove dias, não foi de teor turístico, mas, sim, diplomática e política.
“Durante esse tempo, nós visitamos vários lugares na capital, Pyongyang, e em cidades vizinhas. Participamos de várias atividades comemorativas em relação ao aniversário de 112 anos de nascimento do ‘camarada’ Kim Il Sung, o fundador da República Democrática da Coreia”, explica Lucas Rubio, diretor do centro brasileiro que já visitou o país em viagem semelhante no ano de 2018.
Vigilância de agentes
Além de eventos relacionados à data comemorativa, o grupo de brasileiros afirma ter participado de outras atividades e visitado diversas regiões do país.
Durante a estada na Coreia do Norte, Lucas Rubio, Adriano Gonçalves e Eduardo Mendes foram acompanhados por Choe Chol Ryong, tradutor da Associação Coreana de Cientistas Sociais (ACCS), que convidou a delegação brasileira.
Apesar da presença do tradutor, Rubio afirma que em momento algum o grupo se sentiu vigiado e explicou que a presença de um funcionário estatal é o esperado na Coreia do Norte.
“Ele era um funcionário estatal, assim como todos os trabalhadores são na Coreia, já que lá não existem empresas privadas”, explicou ao ser questionado se algum funcionário da administração Kim Jong-un acompanhou a delegação durante a viagem. “O tom ‘pessoa do governo’ dá a entender que ele era um agente do governo ou coisa assim. Mas ele era, simplesmente, um tradutor que trabalha na associação”, diz.
Áreas pobres da Coreia do Norte
Diversos relatos de pessoas que já conseguiram entrar na Coreia do Norte mostram um certo cuidado do governo Kim com áreas mais pobres, com objetivo de esconder os problemas do país.
Contudo, o grupo de brasileiros afirma não ter sido impedido de visitar e de documentar regiões fora da capital Pyongyang. De acordo com Adriano, o tradutor que os acompanhou na viagem fez de tudo para atender a todas as demandas do grupo, “sem se preocupar com o lugar que iríamos ver”.
“Diferentemente do que as pessoas falam, eu pude filmar tudo o que quis na Coreia”, diz. “Eu, inclusive, voltei com mais de 100 gigas de vídeos e fotos da viagem.”
Apesar disso, a delegação confirma que existem alguns lugares onde a visitação de viajantes é proibida por questões de segurança interna. Apesar de um cessar-fogo que dura mais de 70 anos, Coreia do Norte e Coreia do Sul ainda seguem, tecnicamente, em estado de guerra.
“Como eles estão, teoricamente, em guerra, existe um cuidado para que não seja qualquer estrangeiro que tenha contato com esses lugares e estruturas, porque isso desrespeita a segurança deles”, afirma Adriano.
Povo como outro qualquer
Gentis, felizes, acolhedores, amorosos, carinhosos e prestativos. Esses foram alguns adjetivos que o grupo de brasileiros usou para classificar a população norte-coreana com quem tiveram contato durante a visita ao país.
“Uma das principais coisas, um dos principais pontos, é que os coreanos são pessoas normais, são seres humanos como todos nós, como todos os outros”, diz Adriano.
Apesar das dificuldades, o presidente do centro brasileiro de estudos sobre a Coreia do Norte diz ter sentido esperança no povo norte-coreano.
“O clima que eu senti foi de grande otimismo”, relata Rubio. “Um clima de um país que, mesmo sob cerco internacional e sanções econômicas, tem conseguido construir uma economia autônoma, autossuficiente e que garante as necessidades da população”, afirma.
Liberdade questionada
Apesar do relato dos brasileiros, órgãos internacionais criticam as medidas do governo Kim Jong-un, classificado como um dos que mais reprimem sua população ao redor do mundo.
Segundo o último relatório da Human Rights Watch (HRW), a Coreia do Norte continua sendo um dos países mais repressivos do mundo. O órgão de direitos humanos afirma que “o governo não permite liberdade de pensamento, expressão ou informação” e que a mídia local é “estritamente controlada”.
Já a Anistia Internacional chamou de “draconianas” as leis que restringem a liberdade de expressão no país.
Recentemente, a instituição criticou fortemente uma lei do governo Kim que proibiu cidadãos de utilizar termos da “língua das marionetes”, referindo-se à linguagem utilizada na Coreia do Sul.
De acordo com a organização, a pena para o “crime” pode ir de 6 anos de detenção a penas mais duras.
As alegações contra a Coreia do Norte, no entanto, são questionadas pelo grupo que estuda o país.
“A maioria dessas organizações são financiadas pelos Estados Unidos, que são inimigos de guerra da Coreia do Norte”, diz Adriano. “Então, eles lançam relatórios denunciando problemas no país, mas não oferecem materialidade sólida que comprovem essas denúncias. Acaba sendo uma máquina de propaganda”, afirma.