Brasil à frente do Conselho de Segurança “clareia” discurso de Lula
Após declarações “não bem-vistas” do presidente Lula sobre a invasão russa à Ucrânia, o Brasil deve apresentar na ONU discurso “sem ruídos”
atualizado
Compartilhar notícia
O Brasil assume em outubro a presidência rotativa do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) com a chance de abandonar declarações “não bem-vistas” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a invasão da Rússia na Ucrânia. Na prática, é a oportunidade de o país abandonar a fala informal do mandatário brasileiro, durante a 78ª Assembleia Geral da ONU, em setembro.
A fim de entender como a presidência do Conselho de Segurança da ONU pode afetar a política internacional brasileira, o Metrópoles conversou com o especialista em política internacional Alexandre Flávio Silva Andrada, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB).
Para o especialista, “vamos conseguir sair daquela esfera da fala informal do presidente Lula, durante entrevistas e discursos mais espontâneos, e passar para uma mais formal, com propostas desenvolvidas pelo corpo burocrático brasileiro, pelos intelectuais e demais membros da política externa brasileira”.
Basicamente, o Conselho de Segurança da ONU é composto por 15 países, sendo divididos entre cinco membros permanentes (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia) e 10 membros não permanentes (Albânia, Brasil, Equador, Emirados Árabes, Gabão, Gana, Japão, Malta, Moçambique e Suíça).
O período do Brasil como membro não permanente do Conselho termina em 2023. Logo, novos 10 membros serão eleitos pela Assembleia-Geral da ONU para cumprir mandatos de dois anos. Essa é a segunda vez no atual biênio que o país ocupará a presidência temporária do Conselho — a primeira ocorreu em julho do ano passado.
“Clarear discurso” antiguerra
De acordo com o professor Alexandre, esta será uma oportunidade “ímpar” para resolver os problemas de comunicação, em especial, causados pelas declarações do petista.
O mais recente ocorreu durante a 78ª Assembleia-Geral da ONU, onde o mandatário criticou o Conselho de Segurança do próprio organismo multilateral ao afirmar que ele “vem perdendo progressivamente a credibilidade”.
“Essa fragilidade decorre em particular da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime”, afirmou Lula
De acordo com o presidente brasileiro, a “paralisia [do Conselho de Segurança] é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia”.
Para o professor da UnB, o país vai conseguir apresentar sua visão de uma maneira mais “clara” e “limpa”, sem ruídos. “Também é uma boa oportunidade para colocar tudo em ‘pratos limpos’ e mostrar claramente o que o Brasil defende: o apoio ao direito internacional e às instituições multilaterais para evitar e solucionar os conflitos mundiais”, explicou.
O secretário de Assuntos Multilaterais e Políticos, do Ministério das Relações Exteriores, Carlos Márcio Cozendey, adiantou que o principal tema que a delegação brasileira vai apresentar durante o período à frente do Conselho é a importância das instituições bilaterais, regionais e multilaterais para prevenir, resolver e mediar conflitos.
“Vamos trazer este mês a ideia de que o Conselho de Segurança deveria tratar mais amplamente dos instrumentos que as Nações Unidas, os países e as organizações regionais têm para prevenir os conflitos, e não só tratar deles depois que ocorrem. Um reforço da diplomacia bilateral, regional e multilateral para prevenir a eclosão de conflitos”, detalhou o secretário.
Tradição diplomática
O professor Alexandre Flávio Silva Andrada ressalta que o histórico de diplomacia do Brasil será benéfica durante essa presidência rotativa. Segundo ele, as propostas do Brasil devem sinalizar a retomada de uma política externa mais “pragmática e profissional”.
“No governo de [Jair] Bolsonaro, principalmente no mandato de Ernesto [Araújo], a política externa brasileira seguiu um caminho muito fora do ‘tradicional’, o que acabou prejudicando um pouco a nossa imagem”, avaliou.
Conforme o especialista, mesmo sendo apenas durante um curto período, assumir a presidência no Conselho de Segurança da ONU vai indicar que a atuação diplomática do país voltou “a certa normalidade”.
Lula e Zelensky
Durante esse período, outro fator necessário será “criar uma ponte para um diálogo melhor” entre Lula e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, além de tentar “melhorar a relação com a Ucrânia e seus aliados”.
Zelensky critica falas de Lula e relação com Putin: “Não trazem paz”
Alexandre lembra que o petista tem certa proximidade com o líder russo, Vladimir Putin, devido a fatores diversos, como a presença da Rússia no Brics. Na tentativa de “racionalizar e explicar a reação russa”, as falas de Lula acabaram “pegando mal”, criaram “algumas rusgas” e certa “inimizade” entre Lula e Zelensky.
Compor o rol dos membros permanentes é “sonho”
Bandeira defendida pelo Itamaraty, a reforma na composição do Conselho poderia colocar o Brasil entre o quinteto fixo. Mas, na visão do professor da UnB, isso ainda é “sonho” distante.
Para o professor, a reestruturação do grupo da ONU é barrada devido à falta de interesse dos membros permanentes de perder o “poder do veto”, que permite o bloqueio de decisões do Conselho, mesmo com o número mínimo de votos (9).
Ele também reforça que o Brasil não é uma potência militar, fator importante e predominante entre os membros permanentes. Além disso, possíveis mudanças na estrutura fixa do Conselho de Segurança podem gerar onda de pedidos de outros países.
Com o objetivo de “zelar pela manutenção da paz e da segurança internacional”, o Conselho de Segurança da ONU foi instituído em 1948 — três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial.