Ataque a Israel: um pesadelo dentro dos kibutzim
Em comunidades agrícolas com administração coletiva de Israel, o inimaginável aconteceu: tomadas de reféns, sequestros e assassinatos
atualizado
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Be’eri, Kfar Aza, Re’im. Nesses vilarejos, todos kibutzim – comunidades agrícolas com administração coletiva –, o inimaginável aconteceu: tomadas de reféns, sequestros, assassinatos. Esses locais ficam nas imediações da Faixa de Gaza, e suas populações foram as primeiras vítimas dos ataques do grupo terrorista islâmico Hamas.
Os terroristas romperam a fronteira com Israel nas primeiras horas do último sábado (7/10). Em seguida, sequestraram, feriram e mataram muitos civis e soldados.
Tomada de reféns
“É uma catástrofe. E ainda não acabou”, diz Micky Drill, gerente de projetos da Fundação Friedrich Ebert que há anos atua em Israel. Há relatos de combates no kibutz Magen, a apenas quatro quilômetros da fronteira com a Faixa de Gaza. Atualmente morando ao sul de Tel Aviv, Drill viveu por dez anos exatamente no local onde os combates ocorrem neste momento.
O sul de Israel, na fronteira com a Faixa de Gaza, é rural, com presença maciça dessas comunidades, algumas com 400 habitantes, outras com até 800.
Há mais de 100 anos, portanto antes da fundação do Estado de Israel em 1948, existem kibutzim nesse território. Alguns também estão localizados na Cisjordânia, ocupada por Israel, e nas Colinas de Golã, área que foi anexada.
As comunidades e seus modos de vida originalmente coletivistas baseiam-se em princípios como justiça social e apoio mútuo. Apesar de muitos terem sido privatizados e de apenas 4% dos israelenses viverem atualmente neles, os kibutzim ainda geram uma parcela significativa da produção agrícola do país.
Áreas populares apesar dos mísseis
O sul de Israel tornou-se cada vez mais popular nos últimos anos, assim como todo o movimento explica Drill: “O movimento kibutz hoje está em ascensão e é muito popular. Em sua maior parte, essa área é composta por kibutzim e teve um aumento populacional impressionante nos últimos anos, apesar da ameaça militar. São comunidades fortes, com muita natureza e um padrão de vida muito diferente do das cidades.”
Essa constatação é um tanto surpreendente porque quem mora perto da Faixa de Gaza convive com alertas antimísseis constantes – às vezes, dispondo de apenas 15 segundos para procurar abrigo.
Veja o momento em que há o desabamento das construções:
Mas a população se acostumou com essa ameaça ao longo do tempo, diz Drill: “Toda a infraestrutura foi adaptada. Todas as casas são protegidas com tetos de concreto. O que aconteceu agora, porém, é uma questão completamente diferente.”
Imagens aterrorizantes
Conforme relatos, estima-se que até 300 militantes do Hamas entraram em Israel nas primeiras horas da manhã do sábado. Vídeos nas mídias sociais mostram cenas chocantes de civis mortos, prédios em chamas e reféns expostos.
“Ninguém imaginava que [os terroristas] iam romper a cerca com uma escavadeira, entrar nos kibutzim e massacrar as pessoas, e levar as famílias e as crianças de suas camas para Gaza.”
Alguns falam de “o 11 de Setembro” de Israel, uma tragédia para o país. Para os moradores dos kibutzim, avalia Drill, o ataque também significa uma “enorme quebra de confiança”, inclusive em relação ao próprio Exército e ao governo de Israel.
Antes, esses órgãos argumentavam que graças ao sistema de defesa antimísseis e aos túneis desativados, que foram um problema de segurança durante anos, a população estava segura. E isso, segundo o especialista, não se confirmou.
Além disso, os habitantes dos kibutzim são tradicionalmente de esquerda em termos políticos. Há também kibutzim religiosos, mas a maioria tem sua tradição em ideais socialistas. Poucos teriam votado no atual governo, acredita Drill.
Faixa de Gaza até a praia
Muitos ainda se lembram da época em que a Faixa de Gaza era aberta. “Naquele tempo, íamos para o mar de bicicleta”, recorda Drill. Só em 1994 Gaza foi isolada com a cerca da fronteira, entre outras medidas.
Agora, muitos estão decepcionados com o governo e com as Forças Armadas, inclusive por ter levado muito tempo até os militares chegarem ao local. No início os próprios residentes tiveram que se defender contra os terroristas.
No kibutz Be’eri, quase 50 foram mantidos como reféns por horas, até o exército conseguir dar fim ao sequestro. “Os terroristas sabem exatamente onde estão os pontos fracos, onde os kibutzim estão protegidos ou mesmo se estão protegidos”, diz Drill.
Uma das primeiras e mais proeminentes vítimas dos ataques de 7 de outubro é Ofir Liebstein, líder regional e porta-voz de longa data do kibutz Kfar Aza. Ele já se manifestava com frequência a favor da paz, descrevendo a vida na fronteira como “99% um paraíso: “Mas 1% do tempo é um inferno, e esse inferno pode se liberar a qualquer momento.”