Astronauta italiana aposta nas viagens comerciais ao espaço
Samantha Cristoforetti bateu recorde feminino e europeu de permanência espacial ao passar quase 200 dias na estação ISS. Em entrevista, ela fala sobre sua experiência e o futuro das viagens espaciais
atualizado
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Em 24 de novembro de 2015, três astronautas chegaram numa nave Soyuz à Estação Espacial Internacional (ISS). Entre eles, estava uma mulher, a italiana Samantha Cristoforetti. Além de ser a primeira europeia a bordo da ISS em 13 anos, ela também era a primeira mulher de seu país a ir para o espaço sideral.
Os recordes não pararam por aí: devido à falha de dois foguetes russos, sua estada na ISS teve que ser estendida por mais um mês além do previsto. Assim, ao retornar à Terra após 199 dias e 16 horas, a milanesa nascida em 1977 havia quebrado os recordes de permanência europeia e feminina. Além disso, foi a primeira pessoa a fazer um café expresso no espaço.
A DW conversou com Cristoforetti sobre suas experiências espaciais e suas ideias a respeito de viagens extraterrestres, cuja eventual comercialização ela considera positiva. “Nós não vamos ao espaço a fim de mantê-lo para uma comunidade fechada, mas para abrir uma fronteira. Quanto mais, melhor, é assim que se define sucesso.”
Ela admite que adoraria ir à Lua, porém um voo até um planeta vizinho a fascina ainda mais. “É o destino natural, certo? No nosso Sistema Solar, o próximo lugar é Marte.”
Como são as suas sensações após passar sete meses na Estação Espacial internacional (ISS)?
Há a experiência de ser parte de uma tripulação formada pelos únicos seres humanos que não estão no planeta naquele momento, todo o resto está lá embaixo. Aí, naquele momento, é como se você os abraçasse em órbita, voando em volta. Então há muitos aspectos, alguns são sensações físicas, outros são pensamentos e reflexões que surgem.
Em sua opinião, há suficiente retorno científico da estada no espaço e sua exploração?
Penso que sim. Definitivamente acho que o retorno está crescendo, pois vamos ficando cada vez melhores em explorar a estação. Agora faz seis anos que ela foi totalmente construída, portanto, só vem servindo como base para toda a comunidade espacial desde então.
E é bem interessante observar o que ocorre agora, que é a comercialização das possibilidades de pesquisa e o abarcamento de um círculo mais amplo, acadêmico, mas também industrial. Parece haver muito interesse na pesquisa da microgravidade. Acho que demonstramos que a coisa funciona e tem grande potencial.
Então, não me surpreenderia se, quando a estação não existir mais, dentro de talvez dez, 12 anos, aparecerem plataformas comerciais oferecendo a oportunidade real de pesquisas sobre microgravidade ou a órbita terrestre baixa. Se isso acontecer, aí vai ser a reveladora história de que tudo isso fez realmente sentido.
Então você não tem nada contra a comercialização das viagens espaciais?
Muito pelo contrário, acho que é fantástico. Esse é o sentido da coisa: nós não vamos ao espaço a fim de mantê-lo para uma comunidade fechada, mas sim para abrir uma fronteira. Quanto mais, melhor, e é assim que se define sucesso.
A ideia de cada vez mais gente querendo, tendo a chance de ir para o espaço, possivelmente até fazendo dinheiro e promovendo o avanço da tecnologia: isso é o que eu chamo de sucesso.
Você conta que sempre quis ser astronauta. Que tipo de treinamento teve, antes de se tornar uma?
De todo tipo. O treinamento para a estação espacial é bastante longo, leva uns dois anos e meio. Então você treina na cápsula da Soyuz, treina no sistema, treina os procedimentos normais e um monte de procedimentos de emergência, caso algo dê errado. Você treina para caminhar no espaço, para manejar o braço robótico e para os experimentos.
Antes, você era piloto. Isso ajudou?
Acho que sim. Tudo o que se fez na vida ajuda. São tantas habilidades diferentes a se adquirir, que tudo o que se aprendeu na vida vai ajudar, de algum modo. Então, claro, minha base técnica como engenheira me ajudou, mas ter sido treinada como piloto definitivamente também me ajudou a lidar com o contexto ocupacional. O espaço é um meio ambiente ocupacional.
Acha que os astronautas deveriam servir como modelos de vida para os jovens?
Parece que são. A reação que recebo dos jovens, não só em idade escolar, mas também universitários e até mais velhos, parece mostrar que eles nos admiram, encontram inspiração no que fazemos. Então é emocionante. Mas ao mesmo tempo também é meio assustador. Sem dúvida, é uma grande responsabilidade.
Por que o lado sul da Lua é tão interessante?
Toda vez que a Lua completa um ciclo, basicamente a cada 14 dias, a gente entra na escuridão. E aí demora mais 14 dias até ter novamente algum sol, as oscilações térmicas são enormes. Em termos de geração de eletricidade, usando painéis solares você tem ciclos de 14 dias, o que torna o muito complicado o armazenamento de energia.
Então o que acontece no polo sul, onde o eixo lunar é um pouco inclinado, é que há áreas de luz solar permanente. Ao mesmo tempo, descendo a uma cratera, há áreas de escuridão permanente. Lá, nós deduzimos, pode ser que haja grande quantidade de água congelada. Portanto esses dois aspectos são extremamente importantes para quem pensa em um dia formar uma colônia na Lua. E as variações de temperatura são muito mais suaves.
Acha que no momento é possível haver uma colônia lunar, que isso não é apenas uma fantasia?
É uma perspectiva realista. É preciso tecnologia de que não dispomos ainda, necessariamente, mas o desenvolvimento dela é basicamente exequível, nós sabemos como chegar lá.
No fim das contas, é só uma questão de vontade política e de quanta verba se dispõe para executar o projeto.
E, no nosso caso [da Agência Espacial Europeia, ESA], depende de quanto dinheiro recebemos de nossos Estados-membros, isso determina se podemos fazê-lo num prazo mais breve ou mais longo.
Acho que vai acontecer em breve, mas não sou eu quem decide. Não há atualmente um programa que diga “estamos indo para a Lua”, estamos só explorando possibilidades e, claro, são outros a decidir se é possível. Não com a tecnologia de que dispomos agora, mas com uma tecnologia que sabemos como desenvolver, num prazo razoável.
Em outubro ocorrerá um passo importante em relação a Marte. O que é essa missão?
É a ExoMars, uma missão robótica bem entusiasmante, que está a caminho de Marte desde março. É uma espécie de missão dupla, com um módulo que vai ficar em órbita em torno de Marte, como estação intermediária de comunicação, e uma unidade de aterrissagem experimental, o módulo Schiaparelli, que vai aterrissar no planeta para demonstrar a tecnologia de aterrissagem.
Essa é a primeira parte. A segunda está planejada para 2020, quando vamos lançar outra missão com um veículo rover, para aterrissar em Marte e pesquisar a superfície do planeta por um período longo. Ele incluirá uma broca, para, pela primeira vez, penetrar bem fundo no solo marciano. Tivemos e temos vários rovers e robôs em busca de sinais de vida em Marte, mas a exposição ao sol na superfície pode ter matado esses sinais. Agora, indo mais fundo, pode ser que os encontremos. Então é uma coisa nova e bem entusiasmante que vamos ter em Marte.
Se tivesse oportunidade, gostaria de ir a Marte?
Teoricamente, se tivéssemos a tecnologia agora mesmo, uma missão configurada e se me pedissem para integrar a tripulação, não há dúvida de que seria uma honra para mim.
Por que a ideia é tão fascinante?
É a fronteira, é o próximo destino para os humanos. É o destino natural, certo? Claro, há a Lua, e eu também adoraria ir para lá. Mas, no nosso Sistema Solar, o próximo lugar é Marte.