Argentina: como Milei e Massa podem driblar rejeição e vencer eleição?
Entenda se peronista será capaz de se desligar do fracasso do governo, ou se apoio de Patricia Bullrich já cravou a vitória do ultraliberal
atualizado
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Depois de uma surpresa no primeiro turno das eleições presidenciais da Argentina, com o peronista Sergio Massa em primeiro lugar (36,68%) e o ultraliberal de direita Javier Milei em segundo (29,98%), os dois candidatos mais votados tiveram alguns dias para conseguir superar a rejeição e conquistar votos dos argentinos no segundo turno. Porém, é possível Massa se desligar do fracasso do governo atual, ou o apoio de Patricia Bullrich já cravou a vitória de Milei? O Metrópoles conversou com analistas para entender as possíveis estratégias adotadas por ambos políticos nessa corrida à chefia da Casa Rosada.
Enquanto Massa tenta se aproximar do eleitor médio do Proposta Republicana (Pro, fundado em 2005 pelo ex-presidente Mauricio Macri) — que oficializou apoio a campanha o ultraliberal de direita — em um cenário de forte repressão popular ao peronismo e ao anti-kirchnerismo, Milei deve tentar “suavizar” as colocações polêmicas, como o fechamento do Banco Central, para não perder os votos de Bullrich.
Intenção de votos x apoio político
A duas semanas do segundo turno da eleição presidencial da Argentina — prevista para 19 de novembro —, pesquisas de intenção de voto indicam Sergio Massa com uma certa vantagem a Javier Milei. Conforme levantamento da Zuban Córdoba, divulgado pelo jornal Clarín nessa quarta (1º/11), o peronista tem 45,4% de preferência, contra 43,1% do ultraliberal de direita.
Por outro lado, a mesma pesquisa mostra que o índice de rejeição do atual ministro da Economia é significativo. Massa tem 56,7% de rejeição, já Milei, fica com 54,3% de desaprovação. Para fazer o levantamento, foram entrevistados 2 mil eleitores argentinos nos dias 28 e 29 de outubro.
Essa estimativa é uma consequência dos resultados do primeiro turno: quando Milei não conseguiu ampliar, mantendo a mesma base de votos nas primárias, enquanto Massa teve um acréscimo de 15% dos votos desde lá.
Mesmo com o apoio de Patricia Bullrich, o analista político Nicholas Borges, da BMJ Consultores Associados, afirma que é “pouco provável” que os votos sejam computados na conta de Javier Milei.
“A nossa expectativa é que haja de fato uma fragmentação, com uma migração rachada”, estima. Por serem votos vindos de uma coalizão, que envolve partidos com interesses diferentes, os candidatos vão precisar “quebrar o braço” e “lutar” para cravar quem vai conseguir trazer mais eleitores desse racha, segundo Borges.
Já a pesquisa Atlas/Intel, divulgada na última sexta (3/11), aponta Milei com 52% das intenções de votos e Massa com 48% (a margem de erro é de 1.7 p.p. para mais ou para menos).
Confira as principais propostas dos candidatos:
Maiores obstáculos para Sergio Massa
Com uma eleição altamente polarizada, onde são apresentados dois projetos políticos antagônicos, Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV NPII), acredita que ambos candidatos têm “uma tarefa difícil” nessa disputa à cadeira presidencial.
“Ambos têm uma tarefa difícil. Isso porque um representa o governo que ele mesmo faz parte, e o outro tem que provar que vai cumprir as promessas. Então, é duro”, analisou.
Conforme o pesquisador da FGV, no momento, o grande desafio de Sergio Massa é se distanciar do grupo que está no poder, mesmo se identificando com o peronismo. No posto de ministro da Economia, ele deve mostrar as propostas para sair da crise que o país vive há décadas e que se intensificou nos últimos anos.
“Se distanciando do governo do qual ele faz parte, que, inclusive, está sendo uma tragédia na economia, ao dizer: ‘Olha tem um outro caminho que eu vou seguir diferente do que estamos fazendo agora’”, pontua Paz.
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Para o analista político Nicholas Borges, o distanciamento de Sergio Massa dos eleitores mais jovens é, no momento, uma das maiores dificuldades do candidato peronista. Porém, ele destaca a capacidade de Javier Milei de dialogar e atrair esse nicho eleitoral.
“Então, a gente tem essa grande dificuldade: Massa não consegue trazer esperança para esse segmento da população que viveu e nasceu durante as sucessivas crises econômicas. Por outro lado, a gente tem Milei conseguindo transitar melhor nesse nicho eleitoral”, explicou.
A falta de propostas sólidas sobre a questão econômica do país é outro ponto que o peronista precisa trabalhar para conquistar e garantir confiança aos eleitores, de acordo com Borges. O analista político afirma que é “urgente” a apresentação de um plano estratégico e robusto de como Massa pretende reestruturar a economia da Argentina.
Maiores obstáculos para Javier Milei
Conhecido por ter opiniões polêmicas, para vencer as eleições, o auto intitulado anarcocapitalista precisa moderar o discurso no momento, segundo a análise dos especialistas ouvidos pelo Metrópoles.
“Talvez, para o Milei, seja muito mais estratégico rever e moderar os discursos, acenando principalmente para o eleitorado de centro-direita, direita e também para os governadores das províncias do que continuar nesses discursos mais incisivos”, pontua Borges.
Dessa forma, além das declarações controversas, o deputado precisa se preocupar em conquistar a aliança dos governadores, que tem grande influência nas províncias argentinas, que historicamente tem um direcionamento independente de partidos.
Para o internacionalista da FGV, com o apoio oficial do Pro, Milei tenta se aproximar dos eleitores da Bullrich com colocações mais “suavizadas”, começando a ilustrar o projeto político para além das declarações polêmicas.
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Borges diz que outro ponto negativo para Milei nessa corrida presidencial são os possíveis impactos no ceticismo da população com o alinhamento dele a partidos tradicionais, em especial o apoio do ex-presidente Mauricio Macri.
“Ele tem que observar até que ponto os eleitores vão pensar: ‘Você ia acabar com a casta e agora está se alinhando com partidos tradicionais da política’. Isso pode ser um ponto de conflito e o Sergio Massa poderia inclusive explorar essa narrativa”, analisou.
Esse último ponto é crucial para o peronista, que segue abordando esse assunto. “Os eleitores argentinos têm consciência de que o acordo com o FMI [Fundo Monetário Internacional] é uma das principais mazelas para a situação econômica atual”.
Principais estratégias de Massa e Milei
Com ajuda de especialistas em política internacional e analistas, o Metrópoles listou as principais estratégias dos candidatos à Casa Rosada. Confira:
Ambos:
- Apostar na retórica de pessoas antagônicas;
- Tentar atrair o eleitorado de Patricia Bullrich;
- Discursar contra as alianças políticas do adversário; e
- Iniciar uma guerra de narrativas.
Javier Milei:
- Amenizar e revisar o discurso das propostas;
- Continuar conversando com o eleitorado mais jovem; e
- Apostar na limpeza geral na política.
Sergio Massa:
- Adotar discurso de que Milei é um eventual “risco para a democracia”;
- Apostar na retórica dos serviços públicos de educação e saúde;
- Criticar e apontar os impactos na questão econômica das propostas de Milei. Por exemplo, a proposta de inserir vouchers na educação e saúde; e
- Atacar o alinhamento do ultraliberal de direita com o ex-presidente Mauricio Macri.
Apadrinhamento político pode ser pedra no sapato
Na mesma linha do pesquisador da FGV, o analista político Nicholas Borges também acredita que um dos maiores desafios dos candidatos é conseguir se desvencilhar de algum lado: “Agora, temos de fato uma eleição polarizada na qual o apoio político de figuras tradicionais da Argentina pode ser uma vantagem ou uma desvantagem”.
Para ele, esse período antes do segundo turno vai ser muito importante saber lidar com a questão de apoio político, tanto da base do governo quanto da oposição, e analisar se é favorável se envolver com alguns figurões da política argentina.
Logo, Sergio Massa tem que se desassociar do ex-presidente Alberto Fernandez, conhecido por ser extremamente impopular, e até mesmo do kirchnerismo. Já Javier Milei precisa saber controlar o apoio do Pro, partido de Mauricio Macri — apontado por muitos argentinos como um dos responsáveis pelo agravamento da crise econômica do país, depois de pedir um empréstimo ao FMI.