7 monumentos turísticos da Ucrânia que podem desaparecer com a guerra
Bombardeio de tropas russas em território ucraniano ameaça patrimônio histórico e cultural do país, além das perdas humanas irreparáveis
atualizado
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Uma crise humanitária de enormes proporções, impactos políticos e econômicos imensuráveis. Diante do cenário de destruição que assola o território, a Ucrânia precisará de décadas para se recuperar das consequências do conflito com a Rússia, em todos os aspectos — entre eles preservar a própria identidade cultural.
Desde que os céus do Leste Europeu foram tomados por ataques aéreos, em 24 de fevereiro, a invasão russa destruiu ao menos 53 sítios culturais ucranianos, como contabiliza a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Neste 45º dia de conflito bélico, constam na lista 29 lugares de caráter religioso, 16 edifícios históricos, quatro museus e quatro monumentos.
Sob bombardeio constante, músicos de Kharkiv transferiram um concerto para as estações de metrô, após a destruição da Filarmônica da cidade. Ataques aéreos em Kiev atingiram o Memorial do Holocausto Babyn Yar. Além de 25 obras da artista ucraniana Maria Primachenko, que foram queimadas após o incêndio no Museu Histórico e de História Local Ivankiv, na capital.
Em meio aos ataques, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, acusou a Rússia de querer apagar a história do povo ucraniano. “Eles não sabem nada sobre Kiev, sobre nossa história. Mas todos eles têm ordens para apagar nossa história, apagar nosso país, apagar todos nós”, afirmou.
Na última semana, cenas de devastação em Bucha, próxima da capital Kiev, chocaram o mundo. O governo ucraniano estima que 80% da população local tenha sido dizimada. As imagens mostram uma cidade reduzida a ruínas, cenário semelhante a outros territórios esmagados por militares sob comando de Putin, como Alepo, na Síria; e a Chechênia, durante o conflito na região do Cáucaso.
Diante de perdas tão assombrosas, a prioridade da comunidade internacional é preservar a vida de civis: 4,3 milhões de refugiados deixaram a Ucrânia durante a guerra. No entanto, reduzir patrimônios históricos e culturais a destroços tem uma parcela de impacto nesses efeitos devastadores.
“Além da destruição material do patrimônio, a capacidade criativa da população sofre danos importantes, já que se quer afetar a identidade do povo atingido e sua vontade de luta e resistência”, frisa Antônio Jorge Ramalho, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).
Mesmo com o fim da guerra, a capacidade da população de produzir bens culturais é gravemente impactada — “alguns desses danos são irreparáveis, tanto os que infligem manifestações materiais da cultura (obras de arte, por exemplo), quanto os que modificam bens intangíveis, autoimagens e valores compartilhados”, completa.
Heranças
Na mira de mísseis e bombardeios aéreos do conflito atual, a devastação de patrimônios que reforçam a identidade do povo ucraniano atua para fortalecer a proposta russa, ao contribuir para “reforçar o discurso [do Kremlin] de que a Rússia e a Ucrânia são um só povo”.
“Note que a Rússia enviou um contingente importante de sua guarda nacional, usando as forças armadas para apoiar a ação. Com isso, quer fazer crer que se trata de um assunto interno”, completa o internacionalista.
Os dois países são envolvidos por laços históricos e culturais que tanto os unem quanto os separam. Ambas as nações dividem uma herança em comum que remonta o século 9, época em que ainda existia o primeiro Estado eslavo, enorme território medieval que deu origem à Ucrânia — cujo centro de poder ficava onde hoje é a capital Kiev — e à Rússia.
Legado
Ainda que não seja possível avaliar, do ponto de vista estratégico militar, se a destruição desse patrimônio enquanto identidade ucraniana está entre os planos do Kremlin para contribuir com a ofensiva ao país, as sequelas são visíveis.
“Isso traz um impacto para a sociedade, bem como do ponto de vista econômico, inclusive, no turismo. Com o fim da guerra, a destruição de centros de visitação, museus e outros tipos de pontos turísticos, resultará em um impacto na economia no futuro”, comenta Leonardo Paz, analista do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Segundo dados do governo ucraniano, em 2019, quase 2 bilhões de dólares do Produto Interno Bruto (PIB) da Ucrânia eram provenientes do turismo. Apesar de representar apenas 2% do índice, desde 2017, o país seguia em franca ascensão, com a taxa mais rápida de crescimento no Índice de Competitividade de Viagens e Turismo (TTCI) da sub-região da Eurásia.
De acordo com a turismóloga bielorrussa Anastasiya Golets, a Ucrânia sempre esteve na rota das viagens no velho continente. “O território faz parte de um conjunto de países do Leste Europeu muito visado, sobretudo por viajantes da própria União Europeia”, ressalta.
A destruição do patrimônio histórico resultará em um abalo, possivelmente irreparável. “Seria o equivalente a destruir nossas praias, principal motivação de viagens de brasileiros e de turistas estrangeiros quando visitam o Brasil”, exemplifica a turismóloga Jaqueline Gil, fundadora da consultoria em turismo Amplia Mundo.
A Ucrânia abriga sete locais classificados como Patrimônio Mundial pela Unesco — agência das Nações Unidas responsável pelo tombamento de edifícios, monumentos e paisagens naturais. Entre eles, estão a Catedral de Santa Sofia em Kiev e o Mosteiro de Kyiv-Pechersk, considerados prioridade.
Conheça os patrimônios:
Escudo Azul
Em pronunciamento sobre a situação de calamidade, a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, afirmou que “o patrimônio cultural precisa ser protegido não apenas como um testemunho do passado, mas também como catalisador da coesão para o futuro. Portanto, a comunidade internacional tem o dever preservá-lo.”
A Unesco ressalta que a destruição da propriedade cultural costuma ser comum durante conflitos armados. Para reduzir os impactos e sinalizar esses sítios, a agência trabalha para demarcá-los com o emblema Blue Shield (Escudo Azul, tradução livre), usado para destacar o estatuto especial de áreas protegidas pela lei internacional.
“A destruição de referências culturais de um país não pode ser aceita”, alerta José do Nascimento Júnior, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). “Ela abaixa as expectativas de densidade cultural de um país. Além de destruição patrimonial e econômica, é um ataque à cultura.”
Não apenas bases militares, mas prédios públicos e residenciais, estações de trem e centros culturais fazem parte do rastro de destruição que tomou conta do cenário ucraniano, desenhado pelas marcas da guerra.