O labirinto jurídico que reforça o caminho para a impunidade
O dia 27 de novembro de 2009 ficou marcado em Brasília. Após meses de robusta investigação capitaneada por integrantes do Ministério Público e da Polícia Federal, foram cumpridos mandados de busca e apreensão que miravam o coração do GDF. Naquela manhã, a Operação Caixa de Pandora saiu às ruas e começou a desenrolar um intrincado novelo que se tornaria o maior esquema de corrupção já visto na capital da República até então.
A ação foi batizada tendo como inspiração a mitologia grega. Movida pela curiosidade, Pandora destapou o recipiente no qual Zeus havia aprisionado todos os males do mundo, como doenças, loucura e mentira. No fundo da caixa, segundo as lendas da antiguidade, restou apenas a esperança. Na capital brasileira, contudo, o que ficou foi um rombo. Em números atualizados pela Justiça até 20 de novembro deste ano, o prejuízo aos cofres públicos locais é calculado em R$ 2.830.022.837,97.
Pelos próximos dias, o Metrópoles vai relembrar o escândalo, também chamado de Mensalão do DEM, que abalou as estruturas do GDF, da Câmara Legislativa, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e do Tribunal de Contas local (TCDF), implodindo a gestão José Roberto Arruda e Paulo Octávio e levando para a cadeia, pela primeira vez na história do país, um governador no exercício do mandato.
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Esta série de reportagens explicará por que, passada uma década, 43 réus ainda aguardam o desfecho de 24 ações penais em primeira instância e de 15 processos de improbidade administrativa. Além disso, outros três réus com condenação na Justiça Federal aguardam análise de recursos e dois foram absolvidos.
As condenações(e absolvições) até o momento
Das 24 ações penais que compõem a Caixa de Pandora, foram proferidas sentenças em quatro – em duas delas, já ocorreu julgamento em segunda instância e, hoje, os casos estão em cortes superiores. Como não houve trânsito em julgado – quando não cabem mais recursos, ninguém foi preso até agora.
Na esfera criminal, até o momento, foram condenados seis réus: o ex-governador José Roberto Arruda; os ex-deputados distritais Eurides Brito, Odilon Aires e Geraldo Naves; além de Antônio Bento da Silva, ex-funcionário da Companhia Energética de Brasília (CEB) e ex-conselheiro do Metrô-DF; e Rodrigo Diniz Arantes, ex-secretário particular e sobrinho do ex-governador.
Das 20 ações de improbidade, cinco tiveram o trânsito em julgado: são os casos dos ex-distritais Aylton Gomes, Eurides Brito e Rogério Ulysses, que foram condenados, estão inelegíveis e ficaram proibidos de contratar com o poder público ou de receber benefícios fiscais ou creditícios. Além deles, houve a conclusão dos processos de outros dois ex-deputados: Berinaldo Pontes e Pedro do Ovo, que foram absolvidos. As demais 15 ações ainda estão em curso.
No julgamento de uma das ações penais, a de nº 2013.01.1.188163-3, foi inocentado Haroaldo Brasil de Carvalho.
Haroaldo é ex-diretor da Companhia Energética de Brasília (CEB). Outro citado na ação era Weligton Moraes, secretário de Comunicação do Distrito Federal no governo Arruda. Hoje, ele tem o mesmo cargo, na gestão Ibaneis. Ambos foram acusados de falsidade ideológica e corrupção de testemunha. Haroaldo foi absolvido no julgamento em primeira instância. Weligton nem chegou a ser julgado porque foi inocentado a pedido do Ministério Público, que entendeu não haver por parte dele nenhuma responsabilidade com o episódio.
Até hoje, os acusados não desembolsaram um centavo sequer de ressarcimento. A demora nas sentenças reforça o sentimento da população de que, no Brasil, a impunidade é a regra. A Pandora é exemplo dessa realidade distópica.
No DF, quando a caixa foi aberta com a primeira delação premiada da capital federal, vieram à tona as sombras que até então rastejavam pelo submundo da política local, alimentadas pela ganância e pelo desvio de dinheiro público. As negociatas que ocorriam em salas do Palácio do Buriti e da Residência Oficial de Águas Claras tinham a forma de cédulas de R$ 100 e R$ 50, escondidas em bolsas, meias e cuecas, com direito a orações de agradecimento.
A corrupção enraizada nos corredores do Executivo e do Legislativo culminou na queda de Arruda. Em 11 de fevereiro de 2010, ele se tornou o primeiro governador do país preso durante o exercício do mandato. A derrocada do político foi precedida por uma avalanche de vídeos que, em tempos pré-redes sociais e WhatsApp, escancaravam a roubalheira de recursos de uma maneira nunca vista.
Os vídeos de Durval Barbosa, delator do esquema e ex-aliado do próprio Arruda, evidenciaram uma operação engenhosa. Delegado da Polícia Civil aposentado, Durval tinha familiaridade com investigações. Essa expertise foi aproveitada quando ele entrou para a política. A partir de 2003, ano em que era presidente da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) na gestão Joaquim Roriz, passou a gravar conversas com empresários ligados ao ramo da informática. Começava ali uma prática que se intensificou entre 2006, época da campanha eleitoral que alçou Arruda ao poder, e 2009, eclosão do escândalo.
Os réus da Caixa de Pandora
Veja a lista das pessoas que foram acusadas de integrar o esquema de corrupção e de quem já sofreu condenações. Clique na foto do personagem para conhecer detalhes
Os alvos de Durval incluem empresários, deputados, secretários de Estado, promotores do MPDFT e um conselheiro do TCDF. Posteriormente, todos foram acusados de integrar a engrenagem montada sob duas bases espúrias. Uma era a cobrança de propina de empresários que fechavam contratos de informática com o GDF. Parte desses recursos era destinada a financiar campanha política de Arruda. O segundo eixo usava outra fatia desse dinheiro para comprar o apoio de distritais na Câmara Legislativa.
Nesta terça (26/11/2019), o Metrópoles vai guiar o leitor pelo confuso labirinto judicial que separa dois extremos. Em um deles, estão os personagens desse enredo. No outro, encontra-se o desfecho dessa história, ainda desconhecido pelos brasilienses.
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