O Distrito Federal não será mais o mesmo depois do novo coronavírus: 2020 ficará marcado na história de centenas de famílias do DF – até a última atualização deste texto, são 192 lares – que foram atingidas fatalmente pela doença.
Em algum momento deste ano, esse grupo de pessoas enterrou seus entes queridos com caixão fechado, sem ter a certeza de quem estava dentro. O velório precisou ser curto, com poucos participantes. Às vezes, sequer era possível fazer uma oração. No fim de toda essa parte burocrática, o luto foi vivido no isolamento social, longe do abraço de pessoas amadas.
Quando o corpo humano entra em contato com o Sars-CoV-2, o desfecho é imprevisível. Eliete dos Santos internou o pai, Luiz Gonzaga, de 67 anos, em uma sexta-feira. O aposentado perdeu a vontade de comer e ficava facilmente cansado, mas continuava falante. Dois dias depois da entrada no pronto-socorro, estava entubado e sedado.
“Dói muito entregar seu parente aos médicos e nunca mais abraçá-lo. Meu pai sempre cuidou de mim, mas, quando ele precisou, não pude estar ao lado dele para retribuir o carinho”, conta, entre lágrimas. Em 2 de maio, devido a complicações no sistema respiratório decorrentes do novo coronavírus, Luiz Gonzaga dos Santos perdeu a batalha contra a doença.
Uma equipe médica do Hospital Regional de Santa Maria (HRSM) acompanhou o idoso até o fim, mas, apesar da atenção e do carinho recebidos na unidade de saúde, ele morreu longe dos filhos, que sempre foram muito companheiros de Luiz Gonzaga. “É muito sofrido perder seu pai e não poder se despedir”, desabafa Eliete.
A história da família dos Santos está se tornando rotina nos hospitais da capital do Brasil. O DF já perdeu para a pandemia do novo coronavírus 15 Marias, 9 Josés, 8 Franciscos e 4 Joãos. As estatísticas – que viraram até briga entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a imprensa – têm nome e sobrenome.
Neste especial, o Metrópoles elenca as vítimas da Covid-19 no Distrito Federal. Dos 192 mortos – até o momento –, a equipe de reportagem conseguiu identificar 140 dos que perderam a luta contra a doença e conversar com 64 famílias. Os nomes completos só aparecem na extensa lista (veja abaixo) mediante autorização dos parentes.
O nosso compromisso é conseguir, até as próximas semanas, o rol completo. Se você conhece uma vítima de Covid-19, gostaríamos de saber a história dela. No canto superior esquerdo da tela, há um campo para enviar as informações. Ajude-nos a dar rosto aos números; histórias às estatísticas; e humanidade a essa pandemia.
Com os perfis das vítimas do novo coronavírus, é possível criar um grupo amostral do ataque da Covid-19 ao DF. A reunião de dados, o cruzamento das informações e a análise dos índices extraídos a partir deste levantamento oferecem panorama que pode ajudar na busca de soluções para esta crise sanitária.
Os dados mostram, por exemplo, que 1,3% dos mortos no DF importaram a doença; 7,3% foram infectados por transmissão local; e 91,4% contraíram o vírus em transmissão comunitária. Essas informações indicam a importância de a disseminação de Covid-19 ser contida.
Também conseguimos mapear diferentes perfis atingidos pelo coronavírus. Aos 101 anos, Dionísio Costa, morador do Riacho Fundo, se tornou a pessoa mais velha do DF acometida pela doença. Em contrapartida, com apenas 22 anos, a jovem A.S.P, de Samambaia, também apareceu na sondagem. Ela apresentava comorbidades e, no dia 1º de maio, figurou nos registros oficiais como a vítima mais nova da Covid-19 na capital da República.
Apesar dessas diferenças tão gritantes, o Distrito Federal se enquadra na curva de outros países. Por exemplo: 75,5% das mortes computadas no DF foram de pessoas com mais de 60 anos. A maioria desses pacientes apresentava comorbidades – como hipertensão (51,7%), diabetes (30%) e obesidade (11,7%).
O levantamento também aponta que a média de idade das vítimas é de 67,1 anos (sexo masculino) e 72,2 anos (feminino). Apesar de, em geral, os homens serem a grande parte dos mortos (57%) em decorrência do novo coronavírus no DF, essa não é a realidade encontrada em todas as regiões administrativas. Na Ceilândia (16 mulheres e 15 homens) e no Guará (7 mulheres e 2 homens), por exemplo, o sexo feminino lidera o número de óbitos por Covid-19.
O DF se tornou referência no combate ao novo coronavírus. Ibaneis Rocha (MDB) foi o primeiro governador a optar pelo isolamento social. Em 11 de março, o chefe do Executivo local decretou a suspensão das aulas por cinco dias e proibiu aglomerações. As medidas se tornariam ainda mais restritivas nas semanas seguintes.
As rápidas decisões permitiram que o governo preparasse, com certa antecedência, o sistema de saúde para receber as vítimas da pandemia. Após dois meses do primeiro decreto, Ibaneis decidiu reabrir o comércio de maneira escalonada. O GDF perdeu R$ 2 bilhões de arrecadação após a imposição das medidas de isolamento social. A volta de um lockdown parcial ou total está condicionada a dois fatores: o crescimento diário de casos e a quantidade disponível de unidades de terapia intensiva (UTIs).
Nos últimos dias, o isolamento social chegou ao nível mais baixo desde o início da pandemia. Na quinta-feira (04/06), por exemplo, Ceilândia registrou apenas 36% de adesão da população ao confinamento. Trata-se, justamente, da região administrativa com a maior incidência de mortes.
A taxa de ocupação das UTIs, que até recentemente apresentava índices confortáveis, chegou a 47,44% dos leitos do sistema de saúde público e privado – condição bem mais próxima do limite desejado pelas autoridades.
Ao passo que o número de infectados cresce e o isolamento social diminui, o governo ainda define as próximas medidas. Há uma boa vontade de abrir totalmente o comércio e retomar as atividades cotidianas. Mas tudo dependerá da escalada de novos casos, da quantidade de mortes que virão e, especialmente, da capacidade do sistema de saúde local em acolher esses doentes.
Ainda não é possível dimensionar qual a extensão da lista que, hoje, o Metrópoles apresenta à sociedade. Infelizmente, é certo que esses números serão aumentados e, com eles, a dor e o sofrimento de muitos brasilienses que agora estão em paz, mas que podem ter de aprender a lidar com o drama da perda de um de seus queridos.
A gente não consegue se livrar 100% dessa condição, mas quem pode deve fazer a sua parte. A nossa será o esforço constante de contar as histórias daqueles que se foram, explicar o contexto da doença, investigar as possibilidades de cura e fiscalizar as ações de governo. Todas as ferramentas que, de alguma forma, possam contribuir com o processo de retorno à normalidade.