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24H NA PRISÃODE SEGURANÇA MÁXIMA:

RELATO DA POLICIAL

Por MIRELLE PINHEIRO

A preparação para a jornada de 24h na penitenciária começou semanas antes e envolveu uma série de negociações e reuniões entre os editores do Metrópoles e os diretores do Sistema Penitenciário Federal. Contudo, mesmo traçando todos os detalhes da missão, não era possível prever a sensação de percorrer os pavilhões que abrigam homicidas, narcotraficantes e até mesmo espiões internacionais.

As primeiras horas que antecederam o plantão como policial penal federal foram um misto de ansiedade e adrenalina. Duas viaturas e uma van que transportavam o nosso “preso” chegaram ao ponto de encontro, com policiais fortemente armados. Troquei as minhas roupas e vesti o uniforme dos agentes – calça tática, coturno, gandola, boné e colete à prova de bala. A roupa, resistente a atrito em caso de acidente, por exemplo, é recomendada para ações de transferência e transporte de internos.

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Com a farda preta, juntei-me aos policiais e me tornei, ao menos pelas próximas horas, parte da equipe. Uma policial feminina foi a minha guia. O chefe de segurança me alertou: “Seja a sombra dela”. Assim o fiz. Como os internos da penitenciária são predominantemente do sexo masculino, as policiais não participam de algumas etapas do processo de inclusão, como a fase de desnudamento e revista pessoal.

Todos os procedimentos foram cumpridos de forma fidedigna à realidade, mesmo em se tratando de uma simulação. Por isso, o nosso interno foi algemado e escoltado até o presídio. Segui com o comboio, no banco da frente da van, e pude ver o preso por meio das câmeras instaladas no veículo. A chegada ao complexo foi o momento de ruptura. O celular, que eu ainda carregava comigo, foi deixado na parte externa da instituição; logo, fiquei incomunicável. O rígido controle de acesso o presídio abrange até mesmo servidores e autoridades que visitam o local. É necessário passar por ao menos dois detectores de metal.

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Crédito: Igo Estrela/Metrópoles

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As penitenciárias federais têm um projeto arquitetônico idêntico, aplicado nas cinco unidades prisionais do país, todas projetadas com capacidade para custodiar até 208 presos em celas individualizadas. Não há rádio, e as câmeras de segurança são a única programação à qual os policiais têm acesso nas televisões dispostas na parte restrita da prisão. É importante manter o foco não só no que acontece dentro da muralha, mas também em toda movimentação do lado de fora, no perímetro de segurança.

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A rotina rigorosa de procedimentos conta, inclusive, com escoltas aéreas. A estratégia adotada é responsável pela segurança da unidade, que, mesmo movimentando presos de alta periculosidade, não registra incidentes, como tentativas de fugas ou resgates. Uma das máximas nos procedimentos implementados consiste na obrigatoriedade da superioridade numérica entre policiais penais federais e presos. A regra é que sempre haja número maior de agentes nas ações que envolvam os internos.

Diferentemente das prisões estaduais, os presídios federais abrigam uma população carcerária em número adequado para garantia do controle estatal. Assim, não há situações de superlotação de presos. Cada recluso é encarcerado em uma cela individualizada.

Dentro do complexo, quando se faz necessária a atuação diretamente com os internos, os agentes utilizam técnicas e táticas de defesa pessoal e operam equipamentos de menor potencial ofensivo, como armas de eletrochoque e com bala de borracha.

Os nomes dos policiais e especialistas não são citados lá dentro. Independentemente do cargo, todos se tratam como “chefe”. A conduta tem o propósito de resguardar os servidores e evitar represálias. A disciplina e a obediência à formalidade dos procedimentos garantem o controle do ambiente e me passaram sensação de segurança.

Igo Estrela/Metrópoles

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”Três servidores foram assassinados pelo crime organizado como uma forma de resposta das facções ao sistema de segurança, que isola seus líderes.”

Apesar do rigor, o clima entre os policiais é amistoso, de parceria; por isso, um cuida do outro. Essa categoria profissional existe há apenas 16 anos, mas o histórico dos policiais penais federais já carrega uma mancha de sangue. Três servidores foram assassinados pelo crime organizado, como resposta das facções ao sistema de segurança, que isola lideranças. Um dos criminosos apontado como mandante das execuções cumpre pena em uma penitenciária federal e recebe o mesmo tratamento dos demais apenados. O profissionalismo sobressai às questões pessoais.

Embora esteja submetido a diversas barreiras de segurança, o ambiente não remete, em um primeiro momento, a um presídio. A sensação, às vezes, é de estar em um hospital. Essa impressão sobre a estrutura da penitenciária também é influenciada pela exemplar higiene do local – que, inclusive, chama a atenção. O local é limpo, não tem mau cheiro e é silencioso. A quietude só é interrompida pelos barulhos de cadeados grandes abrindo e fechando. Os internos que se descuidam do asseio de suas celas são, inclusive, repreendidos.

No plantão, acompanhei a entrega do kit para o preso, assim como a alimentação, a consulta no posto médico e odontológico mantido dentro do complexo e o banho de sol. Também pude conhecer o parlatório, onde ocorrem as visitas, e as salas de apoio usadas pelos policiais. A alimentação que consumi por lá foi a mesma servida aos presos – comida de boa qualidade e feita de acordo com a dieta e restrição de cada um, uma vez que há detidos veganos, vegetarianos e hipertensos. É mais um fator que mostra a gritante diferença para um presídio comum, como a Papuda, onde queixas sobre a qualidade da comida servida são recorrentes.

No banho de sol, os internos também obedecem a determinadas regras. Antes de os policiais os liberarem para o momento de interação, por exemplo, os detentos devem completar uma volta no pátio; depois, não podem conversar em grupos com mais de três pessoas. Eles aproveitam para caminhar ou correr, movimentam-se o máximo possível e contam com um bebedouro no qual pegam água livremente. Às quartas, recebem bola e quatro cones pequenos; esses objetos viram dois gols e viabilizam partidas de futebol. Percebi que todos os detentos – em geral, chefes de núcleos criminosos – respeitam as ordens e cooperam para que a rotina ocorra dentro do padrão.

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Um aliado importante dos policiais é o sistema de monitoramento e vigilância, que dispõe de equipamentos com tecnologia avançada para captação de áudio e vídeo. Eles controlam todas as atividades diuturnamente. Há mais de 200 câmeras de alta resolução, que são distribuídas em pontos estratégicos e conseguem captar qualquer movimentação. O contato entre presos, defensores e familiares, por exemplo, é integralmente monitorado por policiais que trabalham de forma ininterrupta nessa atividade.

A segurança e prevenção da unidade não se restringem apenas ao interior do complexo. Fora da instituição, equipes de inteligência analisam esses conteúdos para identificar quaisquer tentativas ilegais, seja na transmissão de mensagens com conteúdo criminoso ou em possíveis atos internos.

As milhares de horas de áudio e vídeo passam por monitoramento diário; caso haja qualquer inconsistência, o conteúdo pode ser encaminhado para as autoridades competentes, como Polícia Federal e Ministério Público Federal. Os dados, inclusive, já fomentaram dezenas de operações policiais voltadas ao combate às organizações criminosas.

À medida que o dia passava, eu me sentia mais integrada ao ambiente. Durante a noite, acompanhei os monitoramentos feitos no alto de uma das quatro torres de vigilância. Policiais ficam de prontidão, 24 horas, observando tudo o que acontece nas proximidades. O local também é equipado com armamento de alta capacidade combativa, capazes de abater até aeronaves. A arquitetura da prisão também possui vários outros postos de combate externo para serem utilizados em casos de tentativas de invasão ou resgate, por exemplo.

Em mais uma medida de segurança, as equipes também fazem patrulha noturna com carro blindado na parte externa da penitenciária. Como eu nunca havia entrado em um veículo similar, tive dificuldade em me acomodar. Enquanto um policial dirigia, outros três, armados, observavam a movimentação. O ritual é repetido ao menos duas vezes durante a noite.

No dia seguinte, entreguei o “alvará de soltura” ao nosso “preso” e voltei para casa com a visão de que, além da reforçada estrutura construída na capital da República, o que faz a Penitenciária Federal de Brasília ser referência em segurança é a dedicação e o trabalho dos profissionais que atuam lá dentro.

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