• Juliana Contaifer

    Juliana Contaifer

28/06/2020 05:30

“Quando um idoso morre, uma biblioteca se incendeia”. O ditado, sem origem conhecida, mostra o prejuízo sofrido por uma sociedade que perde uma geração que já viveu (e sobreviveu) a todo tipo de provação. O conhecimento, a história, a força do exemplo viram cinza e fumaça.

A pandemia do novo coronavírus, além de colocar a vida da população em risco, escancarou o preconceito com os mais vividos. Grupo de risco da Covid-19, os maiores de 60 anos entraram em isolamento social rapidamente e acompanharam, pela tela da televisão ou do celular, o caminho do vírus que foi matando 4.648 pessoas na China, 34.708 na Itália, 28.338 na Espanha, 124.161 nos Estados Unidos e 57.070 no Brasil. Sem dó, o Sars-Cov-2 levava, principalmente, os mais velhos. Em alguns países, era preciso escolher quem ia viver: o idoso ou o jovem.

Depois, veio o desrespeito. Eles precisaram escutar que a doença mataria “apenas” idosos, como se fossem descartáveis. Que eram teimosos e ingênuos e que precisavam ser tratados como criança para obedecer o isolamento. Que era “só” separar os mais velhos e liberar os jovens para fazer a economia girar, ignorando a dependência de muitas famílias sobre a renda dos aposentados.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), contrariando especialistas internacionais, defende o isolamento apenas dos “mais idosos, quem tem doenças e é fraco”. A economista Solange Vieira, da Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia vinculada ao Ministério da Economia, chegou a afirmar que era “bom” as mortes se concentrarem entre os aposentados. “Isso melhorará o desempenho econômico, pois reduzirá nosso déficit previdenciário”, disse.

Enquanto o turbilhão de informações e emoções ia tomando conta do noticiário, a patrulha da população não se furtou em humilhar quem saía às ruas desprotegido. Nossos velhos se esconderam. Aqueles que entendem melhor a tecnologia, conseguiram manter a comunicação com a família e amigos por chamadas de vídeo. Outros, sem muita intimidade com o celular, acabaram se isolando ainda mais.

Sem poder sair para as suas atividades sociais, ir ao banco, à igreja, ao mercado, ao banquinho da praça, a saúde mental dos idosos vai se deteriorando. Muitos também abandonaram os exercícios físicos e precisam se desequipar para enfrentar o mundo pós-pandemia.

Mas, em contrapartida, há quem tenha encontrado conforto e segurança na nova rotina diária. Eles sentem falta dos abraços dos familiares, mas aceitaram que o momento é de introspecção. Para saber como os idosos estão se sentindo durante a pandemia, o Metrópoles foi atrás deles. Usando as redes sociais, perguntamos como está sendo o isolamento.

Recebemos 50 relatos. Algumas pessoas estão aproveitando o tempo livre para construir uma nova parte da casa, outros decidiram rever os armários e as roupas que não servem mais. Muitos se redescobriram na cozinha, aprenderam a assistir a filmes nas plataformas de streaming ou se engajaram em um novo hobbie. Há também quem esteja com medo, paralisado pelo receio de ser inútil e pela proximidade da morte, com saudade da família e só pedindo, todos os dias, que a ciência derrote o novo coronavírus e a vida volte logo ao normal.

Tirando planos do papel

Ilustração

O motorista de ônibus aposentado Geraldo da Silva, 66, começou o isolamento no início de março, quando as aulas de hidroginástica foram suspensas por conta de um decreto do Governo do Distrito Federal (GDF). Morando sozinho, ele decidiu aproveitar o tempo livre para fazer pequenas reformas em casa. Agora, instalou cerâmica em todos os cômodos e abriu uma parte do telhado para melhorar a circulação de ar e iluminação.

Mesmo passando o dia inteiro sozinho e, algumas vezes, se sentindo só, Geraldo afirma que a quarentena é o melhor a fazer pela própria saúde. “Evito contato com as pessoas para o meu próprio bem. O vírus passa pela saliva, pela respiração, e só conseguimos controlá-lo com distanciamento social”, explica. Como ele conhece todos os idosos do bairro, já passou a palavra para frente e explicou a necessidade de ficar em casa. Para aplacar a solidão, o aposentado usa o WhatsApp para conversar com a família e os amigos.

Image phone

Ele diz ter medo de pegar a Covid-19, porque “a idade não ajuda”, mas a maior preocupação de Geraldo é, na verdade, o atendimento médico nas regiões administrativas do Plano Piloto.

A região do Recanto das Emas, onde o aposentado mora, conta com Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidade de Pronto Atendimento (Upa). Se alguém precisar de atendimento de alta complexidade, precisa ser transferido para o Plano Piloto, Taguatinga ou Gama. “Quem anda de ônibus e usa a rede pública de saúde, deve tomar o dobro de cuidado. Hoje amanheci tenso com a notícia de mais algumas mortes aqui na minha cidade”, afirma.

Geraldo se sentiu mal com alguns comentários, principalmente das pessoas que deveriam estar cuidando da saúde da população. “Teve até quem comemorou as mortes dos idosos porque isso ajudaria a desafogar o orçamento do INSS, como se a gente não tivesse contribuído para ter o direito na velhice”, reclama.

Preconceito

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Para a professora de sociologia Tânia Mara Campos de Almeida, da Universidade de Brasília (UnB), na sociedade capitalista, a pessoa só tem valor se for um agente econômico: como produtor ou consumidor. “O idoso nunca esteve no foco de venda das empresas e, com isso, foi perdendo a importância nessa sociedade. É recente o surgimento de um mercado (turismo, moda, beleza) feito especificamente para eles”, explica.

Os idosos também sofrem preconceito porque nem sempre acompanham as transformações do mundo moderno. Como a geração mais antiga têm outros valores, eles entendem essas mudanças de forma diferente. “O velho devia ter um papel mais importante na nossa sociedade, sua contribuição, passada e presente, precisa ser valorizada”, explica a professora.

Segundo ela, outras sociedades colocam o idoso como uma das figuras centrais. Ele é o responsável por repassar tradições, conhecimento, sabedoria e conselhos. Além disso, por ter uma visão mais ampla da vida, vira o ponto de apoio para a organização emocional dos mais jovens.

O Brasil, por outro lado, tem uma fixação com a juventude. Nossa sociedade valoriza a alta produtividade e a capacidade de fazer tudo sozinho, desprezando a sabedoria e experiência dos velhos. “É um mundo muito imediatista, há dificuldade de criar um espaço mais sereno e integrado com os idosos. Isso está ligado ao medo de envelhecer e à dificuldade de lidar com a morte”, diz Tânia.

Para o epidemiologista Alexandre Kalache, somos um país hedonista, que se acha jovem, mas que, na verdade, está envelhecendo rapidamente. “Não está caindo a ficha: estamos no mesmo barco. Ficar velho é o nosso destino”, diz o especialista. O médico é uma das principais vozes internacionais sobre longevidade, ocupa os cargos de presidente da International Longevity Center-Brazil e copresidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade.

Kalache fala sobre o assunto com a experiência dos seus 74 anos, barba branca e careca. Ele afirma que o “idadismo”, o preconceito com a idade, se tornou mais proeminente com a pandemia do novo vírus. Segundo o epidemiologista, não se ouve mais a voz do idoso. Muitos especialistas estão tratando o velho como se fosse uma pessoa à parte da sociedade.

“Em qualquer situação crítica ou de emergência, as crianças e os idosos estão entre os mais vulneráveis. Mas todos os estudos também mostram que eles são os mais resilientes”

Alexandre Kalache, epidemiologista

Quando trabalhou na Organização das Nações Unidas (ONU), o médico acompanhou os resultados de 16 estudos sobre situações de emergência. De acordo com Kalache, o idoso tem um papel muito relevante na reconstrução da comunidade depois de uma tragédia, seja um terremoto ou uma pandemia. “O velho abraça, serve de mentor e inspira. Já viu de tudo nessa vida. Quem já passou por poucas e boas fala com mais segurança que as coisas vão melhorar”, afirma.

Além de todo o conhecimento adquirido na área de longevidade, o médico quer se colocar como um representante da terceira idade porque também precisa fazer isolamento social. Kalache está na missão de organizar uma campanha pelos maiores de 60 anos. Está aproveitando o home office para participar de redes de discussão e webinários internacionais.

De acordo com o epidemiologista, o projeto não foi criado com o objetivo de alavancar sua carreira, ele quer deixar um legado. “O velho precisar ser lembrado. Somos a memória histórica de um país traumatizado por muitas crises. Vivemos a ditadura, apanhamos de cassetete nas ruas e, de repente, nos encontramos amorfos na categoria ‘idosos’. Hoje sou o extrato do que fui a vida inteira. Não vou me silenciar”, diz

Kalache admite, entretanto, que é privilegiado: mora em um apartamento espaçoso na beira da praia, no Rio de Janeiro, e vê o Sol nascer todos os dias. “Tenho autoestima, posição social, credibilidade profissional e a integridade de 45 anos trabalhando nesta área de envelhecimento. Mas a maioria dos idosos não vive assim. Grande parte dos brasileiros depende de serviços precários e, para eles, não é nenhuma novidade ver o sistema entrar em colapso”, diz o médico.

Cuidando da cabeça

A população idosa, definitivamente, não é homogênea: as pessoas envelhecem de maneiras diferentes. E o modo como o tempo passou para cada um tem uma grande relação com a situação da quarentena.

Grande parte das pessoas só se percebeu em uma nova faixa etária quando começou o isolamento social. No Brasil, legalmente, o cidadão de 60 anos já é considerado idoso. Porém, muitos dos que já viveram mais de seis décadas levam a vida como qualquer outra pessoa e não se enxergam no estereótipo do “velho”.

“Quando alguém te proíbe de sair, você perde a própria autonomia. Familiares assustados estão mentindo para o pai ou avô, como se eles fossem crianças. Para alguns idosos, ir para a rua pode ser a única maneira de se sentir ativo e parte da sociedade”

Valmari Cristina Aranha, especialista em gerontologia

Ser colocado na posição de idoso, no meio de uma pandemia na qual uma ameaça invisível está à solta matando conhecidos, é bastante complicado para a cabeça. A pessoa precisa lidar, além da constatação do próprio envelhecimento, com a perspectiva da finitude. Por isso, a saúde mental está sendo tão discutida atualmente.

Para Valmari, esses assuntos são recorrentes, e a sociedade tem jogado pesos na conta do distanciamento social que já eram problemas antes. Muitos idosos são o apoio da família e não assumem a dificuldade em lidar com a situação para não deixar os filhos preocupados.

“As famílias, normalmente, não prestam atenção ao que o idoso está sentindo. Nunca paramos para pensar se nossas mães estão tristes no domingo à tarde, por exemplo. Às vezes, os filhos e netos só ligam para fazer um checklist, se comeu, se tá dormindo bem, se tomou o remédio. É importante ligar para saber como ele está e fazer perguntas sobre as coisas importantes”, ensina.

Segundo um levantamento feito pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), 89,2% dos membros da instituição relataram ter percebido um agravamento em quadros psiquiátricos por conta da pandemia.

Dos entrevistados, 47,9% tiveram aumento na quantidade de atendimentos durante o isolamento social; o percentual de médicos que receberam pacientes novos foi de 67,8%, enquanto 69,3% disseram ter atendido pessoas que tinham alta médica, mas voltaram a apresentar sintomas psiquiátricos.

Ainda de acordo com Valmari, muitos dos idosos isolados estão lidando com um sentimento de inutilidade e culpa, como se fossem responsáveis pela quarentena dos filhos saudáveis, como se não estivéssemos, todos, expostos da mesma forma. E, segundo ela, é preciso “ressignificar” o que é ser útil neste momento de pandemia.

Não é preciso produzir algo extra: às vezes basta fazer uma chamada de vídeo para um amigo que não está lidando bem com a solidão. Doar dinheiro e mantimentos para instituições de auxílio a pessoas em situações vulneráveis também pode ajudar.

Mas, além disso, Valmari afirma que é o momento de cuidar de si, redescobrir a própria casa e olhar para o próprio corpo com carinho. “Cuidar da saúde mental não é estar bem o tempo todo, mas precisamos arranjar ferramentas dentro do nosso repertório. Criar novas rotinas e se ocupar de maneira construtiva é essencial. Não é preciso ter vergonha de dizer se está mal ou bem. Estamos todos na mesma situação, mas cada um vive o sofrimento de maneira solitária. Compartilhar a autenticidade dos nossos sentimentos nos une e nos fortalece”, diz.

No primeiro momento, com a notícia da necessidade do distanciamento social, a psicóloga Angela Guarilha, 67, ficou apavorada com a perspectiva de ser obrigada a parar de trabalhar. Apaixonada pelo seu ofício e pelos seus pacientes, ela pretende continuar atendendo enquanto puder, e ouviu do filho que, para isso, precisaria se reformular.

“Meu computador estava caquético. Comprei outro, e agora trabalho on-line. Foi uma descoberta muito legal”, conta a psicóloga.

Angela mora com a filha de 35 anos, e explica que, no início do isolamento, precisou lutar com um sentimento de inutilidade, sem poder sair de casa. Para resolver o problema, comprou uma máquina de costura e agora produz máscaras para doação. “Não são perfeitas, mas eu quero fazer em grande quantidade”, diz.

Outra adição à rotina foi a compra de mais panelas: a psicóloga só tinha duas, mas agora descobriu o prazer de cozinhar para si e não quer voltar a realizar as refeições fora de casa.

A idade fez bem para Angela, e ela lembra que só se percebeu realmente idosa quando foi classificada como grupo de risco para o novo coronavírus. “O velho não é, necessariamente, mais frágil, não gosto dessa definição. Temos muita coisa para falar. Acho de uma crueldade enorme como estamos sendo tratados, me serviu de alerta para me cuidar melhor”, afirma.

Angela é autônoma há 35 anos, nunca teve salário fixo, e paga caro em um plano de saúde para garantir atendimento caso precise. Ela se sente invisível: “O Estado quer mais que eu suma”. Mas a psicóloga se recusa a se colocar no “corredor da morte”. Produtiva, com a cabeça ativa e a saúde em dia, ela garante que vai se cuidar até o último suspiro.

“Não vou ficar esperando alguém me avisar que acabou. Vou continuar a jornada, estou na melhor fase da minha vida, tenho mais sabedoria e, no meio disso tudo, ainda descobri uma nova forma de trabalho com a qual estou me identificando”

Angela Guarilha, psicóloga

“A questão agora é: como ter 67 anos pós-pandemia. Ainda não tenho a resposta”, diz. Para Angela, neste momento de coronavírus, as famílias perceberam que o idoso vai deixar saudade quando morrer. “Mas estamos todos em risco, não apenas os velhos. Não temos garantia de nada”, explica.

Ela aposta em um novo mundo, onde os sentimentos e a comunicação passarão, definitivamente, pelos olhos: a única parte do rosto que não estará coberta por uma máscara.

Com uma ajudinha da tecnologia…

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Meses antes de o novo coronavírus contaminar o primeiro humano, a comunicóloga Juliana Germann decidiu abrir um canal de diálogo com idosos. Observando uma tia de 84 anos, Juliana percebeu que, como muitos velhos, a tia falava do passado frequentemente, de doenças, e que vivia em um estado constante de nostalgia.

“Comecei a pensar em tantas histórias felizes dela, momentos lindos que ela não fala mais. Fui estimulando a conversar sobre dias alegres do passado e tirar o foco da doença, da dor, do organismo debilitado. Fomos realçando o positivo”, conta Juliana. O projeto logo se expandiu para outras pessoas, e a comunicóloga passou a fazer eventos presenciais em Florianópolis, onde mora. Se alguém precisava, ela atendia com uma conversa. Assim surgiu a Escutatória de Idosos.

Quando a epidemia se instalou definitivamente no Brasil, Juliana percebeu sinais de pânico e depressão nos velhinhos. Eles ligavam chorando, muito angustiados, achando que iam morrer. “Era o momento de repensar a Escutatória e usar a tecnologia a nosso favor. Fiz um post no Instagram, alguns amigos replicaram e o projeto tomou uma proporção imensa”, explica.

No momento, Juliana tem 50 voluntários de todo o país e mais 50 em stand-by de ouvidos prontos para conversar com os 102 idosos que se inscreveram no programa. “Hoje preciso, justamente, de velhos. Tem sido uma experiência incrível, precisei me controlar para não chorar de felicidade”, diz.

UFs com mais idosos/2020
Rio Grande do Sul
13,13%
Rio de Janeiro
11,96%
Minas Gerais
11,2%
São Paulo
10,82%
Classe social
Classes A e B
12,54%
Classe C
13,07%
Têm casa própria
13,17%
Dos brasileiros sem internet em casa, são idosos
22,47%

Ainda segundo Juliana, o projeto não funciona como terapia, os voluntários escutam o idoso e tentam acalmá-lo, levando a conversa para um lado mais positivo. Mas segundo a comunicóloga, eles estão cada vez mais angustiados. O isolamento começou em março, e muitos achavam que agora, em junho, já poderiam sair.

“Está vindo uma segunda onda de angústia. Muitos se sentem completamente descartados, como se não fossem fazer falta se morressem porque são idosos. Foi cruel com eles esta overdose de informação negativa. Imagine chegar, sem filtro, 24 horas por dia, só notícia de velhos morrendo, alertas da doença se aproximando”, explica. Juliana faz questão de manter contato com os participantes: alguns estão desesperados para desabafar, mas outros estão desanimados até para conversar.

Para a comunicóloga, a dificuldade que essa geração tem com a tecnologia os deixou ainda mais isolados. Cerca de 80% dos participantes da Escutatória têm WhatsApp, mas muitos ainda só se comunicam por telefone fixo.

Segundo dados do estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento, feito pela Universidade de São Paulo (USP), 28% dos idosos residentes na cidade (cerca de 80 mil pessoas) não têm celular ou habilidade para manusear o aparelho. Juliana diz que eles são resistentes com as novidades, mas quando percebem os benefícios, que podem conversar por vídeo com a família e amigos, logo abraçam a tecnologia.

É o caso da professora aposentada Maria Luiza Carneiro Miziara, 74. Íntima da tecnologia, com um telefone com 128GB de espaço, Maria Luiza sabe tudo. Live nas redes sociais? Faz desde antes da pandemia. Lista de transmissão no WhatsApp? Aprendeu com o padre da igreja. Netflix, Globo Play? Tira de letra todas as plataformas de streaming. Está irritada com alguma decisão do governo? Entra no site e reclama na Ouvidoria do órgão responsável. E se algum amigo precisa de ajuda? A professora Maria Luiza volta à ativa e explica, com direito a prints ilustrativos, o passo a passo para usar qualquer rede social.

Desde o início do isolamento, as consultas com a geriatra são feitas por telemedicina. Logo no começo da quarentena, a aposentada tomou um susto. O vizinho começou a lixar uma pedra e não avisou ninguém. A casa de Maria Luzia ficou cheia de pó.

“Achei que estava com a Covid-19. Fiz uma inalação com orégano, minha sobrinha me ensinou, porque meu peito chiava muito. Credo! Liguei para médica e mandei um áudio da ronqueira”, lembra. A geriatra autorizou o teste de coronavírus, e o laboratório foi até a casa de Maria Luiza colher todo tipo de amostra possível.

“Tenho hipertensão, diabetes, colesterol alto, tomo remédio para tireóide. Só saí para tomar a vacina da gripe. Não vou passear na rua!”

Maria Luiza Carneiro Miziara, 74, professora aposentada

Maria Luiza mora com o marido e um dos filhos. Ela tem se sentido angustiada com a quarentena, mas a nova rotina dentro de casa está mantendo-a ocupada. Ela canta, toca teclado, grava as músicas para cantar com os amigos, está aprendendo a fazer receitas que nunca soube, mudou os móveis todos de lugar e revirou a casa inteira. “Faço miséria!”, diz, bem-humorada, ao pensar no dia a dia.

A última aventura foi lavar as janelas – a diarista foi dispensada por conta da pandemia, e Maria Luzia comprou, pela internet e com os pontos do cartão, um aspirador novo. “Subi no banco e não conseguia levantar sozinha. Pensei: ‘Gente, tô véia mesmo!’ A gente tem que saber as limitações da idade”, afirma.

No tempo restante, a aposentada fala pelas redes sociais com amigos em São Paulo (SP), Unaí (MG), Bauru (SP) e Brasília (DF). “Se não fosse pela internet, não sei como estaria a minha vida. Aprendi tudo sozinha, fuçando os aplicativos e, se alguém precisar, eu ensino. Nenhum conhecimento fica comigo, levo tudo para frente”, conta.

Ilustração

Por que o coronavírus é mais perigoso para eles

Com o passar dos anos, o corpo vai deixando de responder, de maneira adequada, a agentes infecciosos que invadem o organismo. O sistema imunológico também envelhece e, devido à idade, os órgãos começam a ficar deficientes. Rins, coração e pulmões, por exemplo, costumam registrar queda na reserva de função.

O coronavírus, nome popular para o Sars-CoV-2, invade o corpo, principalmente, pelas células do nariz mas também adentra pelas da boca e dos olhos. Essas áreas são ricas na enzima ACE2, usada pelo agente invasor para invadir as células e se multiplicar. O Sars-CoV-2 segue para o pulmão e outros órgãos enquanto o sistema imunológico não consegue desativá-lo – já foram encontrados traços do novo vírus até no cérebro e intestino de pacientes.

“As pessoas mais velhas não são mais vulneráveis apenas ao novo coronavírus, mas a qualquer tipo de doença infecciosa”, explica Renato Gorga Bandeira de Mello, diretor científico da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Porém, ele diz ser impossível categorizar todas as pessoas acima de 60 anos como apenas “idosos”.

“É importante entender que existem idosos robustos e saudáveis, e pessoas frágeis e debilitadas. Quanto mais próximo dessa segunda ponta, maior a vulnerabilidade a uma infecção”

Renato Gorga, diretor científico da SBGG

Há pessoas com 70 anos plenamente funcionais, com rotinas intensas e vida social ativa, mas também há aqueles que possuem comorbidades e limitações graves à própria independência, como Alzheimer ou Parkinson.

Para o médico, é importante fazer essa diferenciação entre os pacientes até para entender quem são os mais vulneráveis e precisam de atenção. “Em certas situações, essas características devem definir as limitações terapêuticas para evitar um tratamento que cause mais mal”, diz.

O epidemiologista Kalache explica que, apesar de os idosos serem ainda o principal grupo de risco para a doença, há um rejuvenescimento da Covid-19 no Brasil: enquanto em outros países a maioria absoluta das pessoas gravemente afetadas pela doença é a população idosa, por aqui, os jovens também entram na conta.

De acordo com informações divulgadas pelo Ministério da Saúde, cerca de 70% dos óbitos registrados no país foram de pessoas acima dos 60 anos. “Envelhecemos mal e precocemente, por isso a doença está atingindo mais jovens. Vejo pessoas com 45 anos com um envelhecimento que eu espero não ter aos 80”, diz.

Ilustração

Reaprendendo a ser criança

Para dona Terezinha Pires, 81, o isolamento social tem sido uma oportunidade única de se reconectar consigo mesma e descobrir as felicidades da infância – sim, por aqui, nada de velhice! A aposentada mora com a filha, e os netos de 3 e 5 anos.

“Em meio a toda essa pandemia, meus netinhos resolveram fazer muitas brincadeiras em casa e eu resolvi aceitar o desafio de relembrar a minha infância”, conta. Na casa dela, ninguém assiste televisão. O tempo é gasto na cozinha fazendo bolos e gelatina, criando novos jogos e procurando inspiração em vídeos no YouTube, além de filmar e fotografar toda a rotina.

“Diante disso tudo, eu jamais imaginaria que iria voltar a sorrir novamente. O isolamento me fez ter a alegria mesmo em momentos doídos, quando me lembro de dias de escuridão”, diz. Segundo a aposentada, a quarentena
não tem sido fácil, mas todas as manhãs ela toma sol para renovar a vitamina D, faz pequenas caminhadas (devidamente protegida), e não pensa no vírus. Concentra-se na próxima brincadeira do dia com os netos.

Terezinha explica que sente falta da rotina, de sair de casa, mas faz de conta que está esquecida e segue com fé, rezando todos os dias para continuar saudável. “A gente não pode colocar tudo na cabeça, senão entra
em depressão. É melhor nem saber”, ensina.

“Meu pensamento é: minha mente comanda o meu coração. Eu renuncio qualquer medo seja do que for. Me sentir amada me faz forte para criar imunidade a qualquer doença.”

Silvana Mafra, 59, e Carlos Brasil, 63
Distrito Federal
Cássia Mafra, 70

Cássia Mafra, 70
Distrito Federal
Cristina Flores Garcia, 61

Cristina Flores Garcia, 61
Distrito Federal
Mariana de Oliveira, 89

Mariana de Oliveira, 89
Rio de Janeiro
Áurea Cristina Guerino, 71

Áurea Cristina Guerino, 71
São Paulo
Maria Neide de Carvalho, 68

Maria Neide de Carvalho, 68
Mato Grosso do Sul
Maurício Martins dos Santos, 67

Maurício Martins dos Santos, 67
Distrito Federal
Tito Margarejo, 61
Mato Grosso do Sul
Lucéia Ferreira Muniz da Silva, 67

Lucéia Ferreira Muniz da Silva, 67
Minas Gerais
Maridalva Stringhetta, 65
Distrito Federal
Francisca Juvêncio Silva, 62

Francisca Juvêncio Silva, 62
Rio Grande do Norte
Cesar Vieira, 74
Minas Gerais
Elisa Aguiar, 62

Elisa Aguiar, 62
Bahia
A.G.G., 67
Distrito Federal
Nazaré lameira, 73
São Paulo
Rita Salete de Oliveira Cruz, 77
Rio Grande do Norte
Teresa Cristina Aragão, 63

Teresa Cristina Aragão, 63
Pernambuco
Eliane Ribeiro Alexandre, 65
Distrito Federal
DIRETORA-EXECUTIVA
Lilian Tahan
EDITORA-EXECUTIVA
Priscilla Borges
EDITOR-CHEFE
Otto Valle
COORDENAÇÃO E EDIÇÃO
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REPORTAGEM
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