Em 2017, o Brasil deve produzir 14 milhões de toneladas de carne de frango, 9,6 milhões de toneladas de produtos bovinos e 3,8 milhões de toneladas de insumos suínos. As estimativas, divulgadas pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), levam em consideração o balanço de 2016 e sazonalidades como a variação de preços de matéria-prima e fatores climáticos.
De toda a produção nacional, cerca de 24,6% deve abastecer mesas estrangeiras. Hoje, famílias de Hong Kong, China, Rússia, França, Itália, Alemanha, Inglaterra e Chile se alimentam de carne brasileira. E alguns mercados têm certas peculiaridades, como as de países que exigem o abate no método halal. Nesse sistema, apenas muçulmanos saudáveis e que conhecem o islamismo são autorizados a matar os animais.
Assim é a produção no frigorífico da JBS em Samambaia — o maior do Distrito Federal. É lá que Carlos* trabalha. Desde que entrou na unidade em 2015, o rapaz já passou por três setores. O primeiro foi o da desossa de coxas e sobrecoxas. Naquele período, sentia diariamente câimbras nos braços e nas mãos. Isso é muito comum devido às baixas temperaturas somadas ao esforço repetitivo pelo corte da carne tesa.
“Eu precisava tirar os ossos de duas peças em menos de um minuto. Eram 18 movimentos nesse intervalo. A esteira não podia passar com outras peças sem que eu tivesse terminado as anteriores”, explicou, enquanto fazia os gestos dos cortes com as mãos.
Os incômodos no corpo e as inúmeras idas ao posto médico fizeram o rapaz de 20 anos ser transferido para outro local. Hoje ele integra a equipe de limpeza e, mesmo afastado das máquinas, sofreu um acidente. “O produto que usamos é muito forte e os óculos não fazem a vedação total. Quando joguei o material para limpar, ele respingou e entrou nos olhos. Precisei de acompanhamento médico e de tratamento”, contou. Por sorte, não houve sequelas.
Carlos*, que recebe pouco mais de um salário mínimo, encara jornada diária de 10 horas e não pensa em deixar o emprego. “Não vou falar que estou muito feliz aqui, mas é a oportunidade que tenho de conquistar alguma coisa na vida”, resume.
*Nome fictício a pedido do funcionário, que ainda trabalha no local e teme sofrer represálias caso seja identificado
Carne, Osso / Reprodução Afastamentos por problemas de saúde
A pesquisa mais recente feita pelo Dieese sobre o setor alimentício aponta que, em números globais, houve redução de 3% nos casos de acidente de trabalho entre 2012 e 2014. No entanto, nos frigoríficos as ocorrências aumentaram de 18.226 para 19.821 nesse período.
O levantamento revela um dado alarmante: a cada dia, uma média de 54 operários sofre algum tipo de acidente nos frigoríficos. O número engloba lesões sofridas tanto nos abatedouros quanto na área de fabricação dos produtos.
Os frigoríficos superam, com muita folga, o segundo colocado da lista: o setor de fabricação de bebidas. Em 2012 e 2014 foram, respectivamente, 4.828 e 4.125 acidentes. No último ano analisado, a média ficou em 11 ocorrências diárias.
A exposição dos empregados da indústria de alimentos a inúmeros riscos causa uma sobrecarga na Previdência Social com os auxílios-doença. Somente no caso dos frigoríficos, em 2016 foram concedidos 4.516 benefícios — isso sem contabilizar os milhares de pedidos que ainda aguardam aprovação. Os pagamentos vêm de recursos federais, por meio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Pressão também no Judiciário
A rotina exaustiva nos frigoríficos tem reflexo direto na Justiça. Dados da Coordenadoria de Estatística do Tribunal Superior do Trabalho (TST) revelam que, em junho de 2016, a BRF aparecia como a 17ª empresa com mais processos em tramitação na Corte. À época, eram 2.213 ações.
Já a JBS aparece no ranking das 370 empresas brasileiras com mais de 100 processos trabalhistas: segundo o levantamento, a JBS ocupa a 33ª colocação, com 1.009 ações.
Os dados são os mais recentes fornecidos pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e fazem parte das estatísticas do TST e dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs).
Quando se trata de ações em primeira instância, por exemplo, as empresas que mantêm frigoríficos aparecem entre as 10 mais processadas em cinco regiões.