A próxima etapa do caminho de lixo são os centros de triagem, onde os reciclados são separados dos outros rejeitos. A reportagem visitou um deles, o do PSul. Lá, dezenas de pessoas fazem a triagem do lixo que passa por uma esteira elétrica. Elas são responsáveis por identificar todos os tipos de material que podem ser reaproveitados no Distrito Federal.
Como é possível ver, o processo é completamente manual e está sujeito a falhas. Quanto mais misturado estiver o lixo reciclado com outros tipos de rejeitos, maior a possibilidade de que algo passe batido pelas pessoas responsáveis pela triagem. Dessa forma o material reciclável pode terminar no aterro sanitário.
O SLU tem nove centros em operação espalhados pelo DF. Ao todo, 15 rastreadores foram parar em seis deles, localizados na Asa Sul, Cidade do Automóvel, no Gama, em Sobradinho 2, Taguatinga e Brazlândia.
Crédito: Igo Estrela/Metrópoles
A triagem é toda feita por pessoas que participam de cooperativas — cerca de 60% dos catadores do DF trabalhavam no lixão da Estrutural, hoje desativado. O lixo é a fonte primária de renda para a maioria dessas famílias, por isso os resíduos recicláveis que vão parar no aterro sanitário equivalem a dinheiro jogado no lixo.
O Anuário da Reciclagem feito pela Ancat aponta que a renda média dos catadores cooperados no Brasil é de R$ 932,19. No Distrito Federal, é um pouco menor e gira em torno de R$ 844,89.
A presidente da Plasferro, uma das cooperativas atuantes no DF, Mara Maria de Jesus reclama da pouca quantidade de lixo que tem chegado aos centros de triagem desde o início de 2021. “A SLU alega que não há lixo suficiente. Mas isso não é verdade, o problema está na logística. É obrigação do órgão trazer os resíduos para a cooperativa”, apontou.
Para Aline Sousa, o governo precisa promover campanhas educativas sobre reciclagem. Crédito: Rafaela Felicciano/Metrópoles
De acordo com dados da SLU, a quantidade de lixo reciclável produzida no DF realmente aumentou até o fim de 2020. O órgão ainda não disponibilizou os números relativos a este ano. Mara Maria e os outros cooperados sofrem com a falta de material para ser vendido. “É triste chegar no fim do mês e não ter dinheiro para pagar o aluguel. Se não tiver mais renda nos centros de triagem, as famílias vão catar na rua”, prosseguiu.
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Esses catadores são chamados de avulsos por não serem membros de nenhuma cooperativa. Eles realizam todo o serviço por conta própria, arcando com os custos e os riscos da atividade. É comum vê-los pelas ruas do Distrito Federal procurando materiais de algum valor em meio às latas de lixo. Além de todos os problemas sociais que acompanham a informalidade e a precariedade de uma situação como essa, isso gera, também, desafios para o sistema de coleta seletiva.
“Para ganhar escala e ampliar o aproveitamento dos recicláveis, é necessário haver coleta em massa e não pontual, como é feita hoje em algumas situações”, acredita Carlos Silva Filho, diretor-presidente da Abrelpe, que representa as empresas de coleta de lixo. Para a associação, os catadores precisam estar no processo de triagem, de separação e reinserção desses materiais no ciclo produtivo.
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A Ancat discorda e defende que as cooperativas participem também da coleta. “É necessário realizar a contratação dos catadores para os serviços de coleta seletiva e triagem, processamento e comercialização dos materiais recicláveis”, diz a associação em nota. Eles apontam a questão como uma das soluções também para o DF.
“Os catadores são atores importantes dentro da economia. É preciso reconhecer a essencialidade do trabalho deles e incluí-los na remuneração de prestação de serviços”
Roberto Laureano, presidente da Ancat
Apesar das divergências sobre o papel dos catadores no setor, há consenso a respeito do impacto que a desigualdade social tem na geração e na coleta de lixo.
“Os catadores prestam importante serviço ambiental para a população, e mais de 90% dos materiais que são reciclados no Brasil passam pelas mãos deles”, disse o pesquisador Jack Cruz. O especialista aponta, entretanto, que a categoria não é vista pela sociedade e pelo governo. “Eles são invisíveis, e quando falam sobre eles é com tom de ‘coitadinho’. Os discursos em torno da atividade são negativos, mas o que eles estão fazendo é trabalhar”, diz.
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Carlos Silva Filho, diretor-presidente da Abrelpe, também critica essa visão. “No Brasil, as cooperativas de catadores são vistas como projetos sociais e não como um setor importante da economia”, disse.
Depois de triado, empresas utilizam o material — que antes era lixo — como matéria-prima para novos produtos. O DF enfrenta um desafio particular, pois não há indústria para comprar os resíduos. “É preciso levá-los para São Paulo ou Anápolis, e o reciclado fica mais caro”, apontou a pesquisadora da UnB Izabel Cristina.
O diretor-presidente da Abrelpe conclui: “Se não tiver a parte final, que vai transformar o resíduo em nova matéria-prima, a reciclagem não acontece”.