Claudette Joubert nasceu em Florínea, interior de São Paulo, em novembro de 1951. Trabalhou como modelo na capital paulista e, nesse contexto, foi descoberta pelo produtor e diretor Fauzi Mansur. Seu lançamento na carreira cinematográfica foi com o filme Sinal Vermelho — As Fêmeas (1972), estrelado pela ex-miss Brasil Vera Fischer. Ali, Claudette chamou a atenção de Tony Vieira (1938-1990), um dos realizadores mais ativos da Boca do Lixo. Ela se casou com Vieira, e os dois deram início a uma parceria que começou em Gringo, o Último Matador (1972) e seguiu por toda a década de 1970. Após a separação, Claudette foi morar em Vinhedo (SP), com seu segundo marido, e se manteve afastada da vida artística — até Afonso Brazza a conduzir de volta ao cinema. Aqui neste raro depoimento, dado ao Metrópoles em forma de entrevista por telefone, Claudette Joubert comenta vida e obra, memórias e saudades.
Esta é uma história muito bonita. O Afonso trabalhava com a gente nos filmes do Tony Vieira em São Paulo, e já foi pensando em me conhecer pessoalmente. Trabalhou em vários filmes nossos e, por todo aquele tempo, manteve um amor por mim, um amor platônico.
Ele nunca revelou esse amor, nunca teve coragem de chegar para mim e dizer que tinha se apaixonado por mim desde quando morava em Brasília e me viu numa tela de cinema pela primeira vez. Nunca teve coragem. Mesmo porque ele ainda era muito jovem, praticamente um adolescente. Nunca soube expressar esse sentimento para mim, nunca percebi.
Depois que eu me separei de Tony, já nos anos 1980, eu não trabalhava mais como atriz, na Boca. Minha vida seguiu outro rumo. Eu tive a minha filha, a Camila. Eu era uma mulher casada, mãe de família. Fui morar no interior de São Paulo, na cidadezinha de Vinhedo, perto de Campinas.
Um belo dia, o Afonso me ligou e se apresentou: “Sabe quem está falando? Aqui é o Afonso, eu era seu empregado e você era a minha patroa, a minha patroinha”. Eu tive de rir, porque não ouvia esse tratamento havia tempo. Todos eles que trabalhavam na produtora do Tony se referiam a ele como “patrão” e a mim como “patroinha”, era uma maneira muito bonita, muito doce, muito humilde.
Aquele telefonema do Afonso me libertou. Não gosto muito de falar sobre o porquê da minha ida a Brasília. Mas foi uma coisa séria e Afonso me libertou. Foi necessário que, naquele momento, eu abandonasse um casamento que estava me massacrando. Minha filha ainda era muito pequena e eu não conseguia mais aceitar a situação ruim que estávamos vivendo. Materialmente, estávamos bem, levávamos uma vida de “riquinhos”, sabe? Mas era uma situação complicada, amorosamente falando, o barco tinha virado.
Então, o telefone deu coragem para o Afonso revelar o que nunca tinha falado para mim. Ele disse que estava apaixonado por mim, e que, por todo aquele tempo que trabalhou com Tony, ele estava apaixonado por mim. Disse que me amou ao me ver na tela do cinema pela primeira vez, no filme Gringo, o Último Matador, ainda em Brasília. Disse que foi para São Paulo por minha causa, passou fome e passou frio. Chegou a morar na rua, tudo por mim…
Olha o tamanho do amor que ele sentia! Um amor que, hoje em dia, não existe mais.
Mas ele ficou com esse amor todo guardado lá no fundo, nunca deixou transparecer, porque tinha muito respeito por mim e por Tony. Então, naquele telefonema, eu contei para ele como estava sendo aquele momento para mim e para minha filha. Ele respondeu que estava vindo para Vinhedo me buscar.
Quando ele chegou, conversamos um dia inteiro, uma noite inteira. Uma história muito longa, ele contou tudo. Então ele disse que ia nos levar embora. Ele contou que estava fazendo cinema em Brasília, que era diretor e produtor. Queria que eu fosse a atriz dele e me tornasse também a mulher dele.
Era uma história muito bonita, eu disse para ele, daria um filme de amor.
Então a gente “fugiu”. Demos um sumiço. Ele ligou para a Granero e eles carregaram tudo que era nosso em meia hora, trabalhando como formiguinhas. O caminhão seguiu para a estrada e nós seguimos atrás, de carro.
Quando cheguei em Brasília, não gostei de nada. O clima me fez mal, minha filha chorava o tempo inteiro, eu me perguntava: “Ô, meu Pai, por que aceitei?”. Aos poucos, comecei a gostar das pessoas, gostar do Gama especialmente, gostar até mesmo do clima. Por muito tempo, moramos num sítio em Ponte Alta, perto da pista que vai para Santo Antônio do Descoberto.
O primeiro filme que fizemos juntos foi Inferno no Gama e, para ele, aquilo era um sonho realizado: ter a Claudette Joubert ao lado dele. Foi quando nos casamos.
O Afonso foi um guerreiro. Ele fez tudo o que fez praticamente sem ajuda de ninguém. Ele fez cinema na raça. Ele me contava que, na época de Santhion e de seus primeiros filmes, ele mesmo ligava a câmera e deixava rodando, então tinha que correr para a frente dela e falar o texto, depois ele corria de volta para a câmera e a desligava.
Com o tempo, ele foi sendo reconhecido e pôde contar com mais ajuda, mais atores; foi nessa época que ele passou a filmar na cidade de Brasília. Mas o ambiente era o mesmo desde sempre, desde o Gama, tudo girando em torno do Afonso Brazza. Ele gostava que fosse assim. Ele mesmo escrevia os roteiros e fazia questão de que todos os atores em cena tivessem seu momento, tivessem um texto para falar. Queria deixar todo mundo feliz.
Ele me deixou muito feliz também. Afonso construiu uma casa muito linda para mim, já no final da vida dele, uma casa num condomínio de chácaras chamado Eldorado. Tinha a natureza pura ao redor dela. Morei muito tempo naquela casa, mesmo após a morte dele.
Sempre lembro com carinho desse tempo. Sei que fui muito amada e sei que fiz filmes que ainda são lembrados.
Por mim, eu gostaria muito de morar no mato, mas a Camila não deixa, ela não aguentaria morar longe da cidade. Então agora estou morando aqui numa casa em Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo, a duas, três horas da capital. Eu caí de paraquedas aqui, porque um casal de amigos nos convenceu, a mim e a Camila, que aqui seria um bom lugar.
Dois anos depois da morte do Afonso, nós viemos conhecer a cidade e gostamos muito dela. Mas visitar é uma coisa e morar é outra história, né? Saímos de um lugar em que vivemos por muito tempo e viemos para um outro lugar em que não conhecíamos mais ninguém além desses amigos. Então foi um recomeço difícil. Mas agora estamos bem, graças a Deus, e eu tenho uma netinha, a Rafaela, que eu amo de toda a minha alma.
Eu nunca mais quis fazer cinema. Tenho muito orgulho dos filmes que fiz com o Tony e gosto muito dos filmes que fiz com o Afonso. De vez em quando, vejo no YouTube os filmes que fizemos em Brasília. Gosto muito deles, são bonitinhos. Mas não quero mais voltar a fazer cinema, não. Quando a gente volta para o zero não é mais como era antes. Nunca mais vai ser a mesma coisa. Tem uma hora que todo mundo quer mudar de vida, e foi o que aconteceu comigo. Estou bem assim, não posso reclamar.