o percurso do primeiro ex-presidente condenado por corrupção até a cadeia
Do nascimento em Caetés (PE) aos detalhes do processo que resultou em sua condenação, conheça o caminho de vida e político do petista
Confira, abaixo, a ordem de execução penal formulada por Sérgio Moro:
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O processo que levou à ordem de prisão do ex-presidente teve sua gênese na Operação Aletheia, deflagrada pela Polícia Federal no dia 4 de março de 2016. A ação tinha o objetivo de investigar ligações de Lula com empreiteiras acusadas de fechar contratos fraudulentos com a Petrobras. Na ocasião, o político chegou a ser levado para depor coercitivamente em uma sala no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo (SP), onde negou qualquer acusação.
Além da condução coercitiva do petista, outras 11 pessoas foram levadas pela PF para prestar esclarecimentos. A Justiça expediu ainda 33 mandados de busca e apreensão, cumpridos em locais como a casa de Lula em São Bernardo do Campo (SP) e as sedes do Instituto Lula e da empresa Lils Palestras, ambas na capital paulista.
As investigações da PF no âmbito da operação levaram a três principais acusações de recebimento de propina contra o ex-presidente: por meio de benfeitorias em um apartamento triplex no Guarujá, cidade do litoral de São Paulo; de reformas em um sítio em Atibaia (SP) atribuído a ele; e pela compra de um terreno e de um apartamento em São Bernardo do Campo (SP), reduto do petista. O episódio de hoje diz respeito à primeira acusação.
O resultado das apurações foi apresentado no dia 14 de setembro de 2016, quando o Ministério Público Federal (MPF) apresentou denúncia contra Lula pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro referentes às benfeitorias no triplex do Guarujá. Segundo a acusação, a reforma, orçada em R$ 2,4 milhões, foi paga pela construtora OAS em troca de favorecimento em contratos com a Petrobras.
Os advogados do ex-presidente, liderados por Cristiano Zanin Martins, sempre negaram todas as imputações e acusavam o Ministério Público de “perseguição”. Os argumentos, no entanto, não foram suficientes para convencer o juiz Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) e responsável pelos processos da Lava Jato na região.
Em 12 de julho de 2017, o magistrado condenou Lula a 9 anos e 6 meses de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Moro, no entanto, não determinou a prisão do ex-presidente e permitiu que ele recorresse da decisão em liberdade. “Considerando que a prisão cautelar de um ex-presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação”, afirma na sentença.
Pouco mais de seis meses se passaram entre o julgamento em primeira instância e a análise do recurso pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre. No entanto, o entendimento dos desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus foi o mesmo do juiz Sérgio Moro. No dia 24 de janeiro de 2018, a Turma manteve a condenação de Lula pelos dois crimes e foi ainda mais severa: aumentou a pena de 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês de reclusão.
A manutenção da sentença deixou o ex-presidente ainda mais próximo do sistema prisional. O único óbice entre ele e a cadeia eram os embargos de declaração, um tipo de recurso que podia ser impetrado ante a decisão do TRF-4. Isso porque o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que a execução da pena pode ser determinada após condenação em segunda instância, mesmo ainda cabendo recursos nas Cortes Superiores.
Os embargos também foram indeferidos pela 8ª Turma, em 26 de março. A defesa tinha ainda a esperança de apresentar embargos aos embargos de declaração. No entanto, na quinta-feira (5), o TRF-4 expediu ofício constatando o exaurimento da segunda instância e refutando a hipótese de analisar mais uma apelação. No mesmo dia, o juiz Sérgio Moro decretou a prisão.
Veja a íntegra do último despacho do TRF-4, responsável por liberar caminho à ordem de prisão de Lula:
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Antes disso, a defesa do líder petista havia, sem sucesso, tentado recorrer às Cortes Superiores para impedir a prisão do ex-presidente da República. Em 6 de março, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de habeas corpus preventivo apresentado pelos advogados.
No pedido, a defesa pretendia bloquear a execução da pena até que a sentença tivesse trânsito em julgado, ou seja, quando não coubessem mais recursos em nenhum tribunal. Os cinco ministros do colegiado, porém, rejeitaram os argumentos do petista, deixando para o Supremo Tribunal Federal a responsabilidade de definir o futuro de Lula.
No STF, a análise do caso foi longa e tensa. Iniciado em 22 de março, o julgamento de novo habeas corpus preventivo só terminou na sessão que se arrastou à madrugada de 5 de abril. Em votação apertada, por 6 votos a 5, o pedido foi negado e a última esperança da defesa de Lula se esvaiu. A partir de então, a prisão já poderia ser decretada. Horas após esse resultado, a possibilidade se tornou real.
A morte de Marisa
Em meio às investigações da Operação Lava Jato, o ex-presidente sofreu um baque. No dia 3 de fevereiro de 2017, Marisa Letícia Lula da Silva, 66 anos, com quem o líder político era casado há 42, teve morte cerebral após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC).
À época, a ex-primeira-dama era uma das rés no processo do triplex do Guarujá, respondendo pelo crime de lavagem de dinheiro. Ela comprou, com Lula, a cota da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop) que, segundo o Ministério Público Federal, se tornou a cobertura triplex alvo da Lava Jato.
O imóvel, inclusive, constava como uma das posses de Marisa Letícia na declaração de bens de Lula para a campanha eleitoral de 2006. Ainda segundo a acusação, ela fez visitas ao apartamento e participou de reuniões onde foram decididos detalhes sobre a reforma do imóvel. As benfeitorias teriam sido pagas pela OAS em troca de favorecimento pelo ex-presidente.
Pela participação no caso, o Ministério Público Federal pedia a condenação de Marisa Letícia pelo crime de lavagem de dinheiro em três ocasiões. A denúncia contra a ex-primeira-dama, no entanto, não chegou a ser julgada. Lula foi condenado em julho de 2017, quatro meses após a morte da esposa.
O juiz Sérgio Moro decretou a extinção da punibilidade de Marisa Letícia, visto que a acusação contra ela não poderia prosseguir. A defesa do petista recorreu da decisão, pois queria a absolvição sumária da ex-primeira-dama, mas o pedido foi negado pelos desembargadores da 8ª Turma do TRF-4.
Marisa também era ré na ação sobre suposto pagamento de propina da construtora Odebrecht ao ex-presidente por meio da compra de um apartamento em São Bernardo do Campo (SP). O processo ainda não foi julgado pela Justiça Federal no Paraná.
O julgamento no STF
O entendimento jurídico responsável pela emissão da ordem de detenção de Lula foi pacificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2016. À época, por 6 votos a 5, os ministros da Corte concluíram: o Código de Processo Penal permite a execução da pena de réus após condenação em segunda instância, antes da análise do mérito por instâncias superiores.
Por um ano e meio, a determinação levou ao cárcere diversos políticos que conseguiam postergar o cumprimento da pena por meio de recursos. Nos últimos meses, no entanto, o entendimento deixou de ser maioria dentro do STF.
Com a condenação de Lula, a pressão sobre o Supremo para a reavaliação do tema aumentou. Inicialmente, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, disse que colocar o tópico em pauta por conta de um caso específico seria “apequenar o STF”. No entanto, com o aumento de movimentações internas e externas à Corte, ela não teve saída. Em 21 de março, anunciou o julgamento do habeas corpus de Lula para o dia seguinte.
Na Corte, a análise do HC de Lula misturou-se à possibilidade de revisão da jurisprudência que prevê o início da execução penal após condenação em segunda instância. O posicionamento de 10 dos 11 ministros estava claro: Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello colocaram-se contra a prisão antes do trânsito em julgado e queriam utilizar o caso de Lula para alterar o entendimento do Supremo sobre o tema.
Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia defendiam a manutenção da prisão após segunda instância e articulavam para manter a jurisprudência da forma como está. Restava, então, a incógnita Rosa Weber. Pessoalmente, ela havia se manifestado de forma contrária à execução penal nesses termos. No entanto, em sua atuação no STF, costumava respeitar o entendimento da maioria e negar pedidos de habeas corpus que tratem da questão. Capaz de pender a balança para qualquer um dos lados, ela manteve mistério sobre seu voto decisivo até o dia do julgamento.
Na análise do caso específico de Lula, no entanto, Weber preferiu seguir a jurisprudência já formada. Ao proferir voto prejudicial ao ex-presidente, a ministra argumentou que abdicaria do seu posicionamento pessoal e respeitaria o entendimento pacificado sobre a prisão após segunda instância, frustrando as esperanças da defesa do petista.
A decisão final foi proferida e permitiu a ordem de prisão contra o ex-presidente, mas não significou o fim das pressões internas no STF em relação ao tema. O ministro Marco Aurélio Mello, relator de duas ações diretas de constitucionalidade sobre a execução penal nesses casos, declarou-se determinado a dar continuidade às articulações para pautar a questão.
As outras ações
O processo do triplex é o primeiro pelo qual o ex-presidente Lula deve cumprir pena. No entanto, não é a único a pesar contra ele na Justiça. O petista foi denunciado ou virou réu em outros oito processos que tramitam no Supremo, na Justiça Federal no Paraná e no Distrito Federal. No entanto, ainda não foi condenado em nenhum dos casos. Confira as ações às quais o petista ainda responde judicialmente: