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ROTA DA  FUMAÇA

O império do cigarro clandestino que escraviza, mata e dá desfalque bilionário à economia
Carlos Carone, Hugo Barreto, Mirelle Pinheiro e Vinícius Schimidt
05/08/2024 16:54

Incrustado no extremo norte da América do Sul, o Suriname se tornou um dos principais pontos para o contrabando de cigarros paraguaios, segundo investigações da Polícia Federal. Toneladas de fumo de baixíssima qualidade desembarcam ilegalmente em solo brasileiro e abarrotam o mercado ilegal nas cinco regiões do país. Desconhecida por boa parte da população, a rota marítima nasce no Paraguai e navega por quase todo o Hemisfério Sul até aportar na costa brasileira.

O “império da fumaça” não só se movimenta pelo mar. No Sudeste brasileiro e em fazendas de Minas Gerais, o modelo de negócio paralelo que causa um rombo bilionário à economia brasileira ainda conta com mão de obra escrava.

Hugo Barreto/Metrópoles
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Barco carregado de cigarro ilegal no porto de Paramaribo, no Suriname

Para esta reportagem especial, o Metrópoles viajou quase 3 mil quilômetros, passando por Minas Gerais, Pará e Suriname, para mostrar as engrenagens do mercado criminoso do cigarro sem nota fiscal – que, além de impedir a arrecadação de bilhões em impostos, ainda coloca em risco a vida de quem o consome.

Como as rotas tradicionais já são amplamente conhecidas, as quadrilhas especializadas nesse tipo de delito escolheram, como um dos principais pontos de apoio, a quente e úmida capital surinamesa, Paramaribo. Com quase 500 mil habitantes, a cidade não impõe tanta repressão ao contrabando e descaminho.

Hugo Barreto/Metrópoles
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O contrabando do Paraguai passa pelo Suriname antes de chegar ao Brasil

A fronteira entre o Brasil e o Suriname, fixada pelo Tratado de 1906 com a Holanda, é uma linha de 593 quilômetros de extensão. Mas os contrabandistas ignoram o trajeto que seria mais “fácil e simples”. Barcos pesqueiros, com tripulação majoritariamente brasileira, costumam margear toda a costa brasileira e atracam em portos clandestinos, no Pará ou em estados do Nordeste brasileiro. No entanto, essa história começa a 3.052 quilômetros de distância, ainda em terreno paraguaio.

CONEXÃO CHILE

Para driblar a fiscalização da PF, da Receita Federal e da PRF, que fazem apreensões de toneladas de contrabando paraguaio na Ponte da Amizade, em Foz do Iguaçu (PR), organizações criminosas passaram a fazer o caminho inverso. Os carregamentos cruzam o interior do país platino até chegar ao Chile. Em geral, cerca de 3 mil caixas contendo 2 milhões de maços de cigarros são estocadas em navios atracados no porto chileno de Iquique.

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Os carregamentos cruzam o interior do Paraguai até chegar ao Chile. Caixas com milhões de maços de cigarros são estocadas em navios atracados no porto chileno de Iquique.

As embarcações navegam durante semanas e cruzam o Oceano Pacífico, passando por Peru, Equador e Colômbia.

As tripulações chegam ao Canal do Panamá e seguem viagem para, enfim, pisar em solo venezuelano.

De lá, os carregamentos seguem para o Suriname, onde são armazenados em depósitos clandestinos.

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No Suriname, o cigarro clandestino fica armazenado em depósitos ilegais

Na costa do Suriname, concentram-se algumas atividades agrícolas, principalmente a produção de banana, arroz, frutas cítricas e vegetais; no interior, a exploração de minerais e madeira é a principal atividade.

Porém, o mercado mais rentável é o contrabando de cigarros. As forças policiais surinamesas não conseguem coibir o profuso despejo de toneladas de cigarros ilegais. O fumo se mistura a centenas de contêineres de produtos falsificados, vindos, principalmente, da China.

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No porto do Suriname, passam centenas de produtos falsificados da China e do Paraguai

QUER COMPRAR?

O idioma oficial e mais falado no Suriname é o holandês, mas é comum ver nas ruas as pessoas se comunicando em inglês, chinês, hindi surinamês, taki-taki e diversos dialetos indígenas e africanos. Quando o assunto é comprar cigarro, as marcas paraguaias estão na ponta da língua.

Mesmo com a pouca fiscalização das autoridades surinamesas, a reportagem encontrou bares e restaurantes que vendem o cigarro paraguaio de forma velada. Os maços são escondidos sob o balcão, mas ficam logo expostos quando o cliente pergunta se há cigarros à venda. O Metrópoles também constatou que o comércio desses produtos contrabandeados ocorre em feiras livres. Os locais costumam ser vigiados por olheiros que avisam aos feirantes quando pessoas suspeitas se aproximam.

Maços de cigarros ilegais são vendidos, à surdina, no Suriname. No vídeo, a mulher tira o maço de baixo do balcão após o cliente pedir o produto.

Em uma das andanças, a equipe de reportagem chegou a ser abordada por um surinamês que dizia ter carregamentos de cigarro para levar ao Brasil. Discretamente guardado dentro de uma bolsa, havia um pacote de cigarros paraguaios. Ao notar que os repórteres eram brasileiros, o surinamês acreditou que, na verdade, a equipe era formada por contrabandistas. Toda a conversa foi filmada e revela a facilidade em se transportar produtos clandestinos vindos do Suriname.

R$ 9,8 BILHÕES

Embora tenha todos os tipos de impurezas no tabaco, as marcas paraguaias são até 30% mais baratas que as brasileiras e responsáveis por abocanhar até 36% do mercado consumidor no maior país da América do Sul, em um negócio bilionário e rentável ao crime organizado. O contrabando faz com que, de cada 100 cigarros comercializados no Brasil, 36 sejam sem procedência.

Quando o assunto é convertido para cifras, um montante avaliado em R$ 9,8 bilhões circulou ilegalmente no Brasil em todo o ano passado, graças ao comércio ilegal dos cigarros paraguaios. A informação consta no mais recente levantamento do Instituto Ipec, divulgado pelo Fórum Nacional Contra Pirataria e Ilegalidades (FNCP).

As marcas clandestinas são conhecidas por toda a América do Sul. Existem itens falsificados que utilizam até a logomarca dos produtos ilegais.

O negócio é tão vantajoso que as organizações criminosas fabricam, em território nacional, verdadeiras cópias das marcas de cigarros paraguaios mais contrabandeadas para o Brasil. Ou seja, o consumidor fuma a “falsificação da falsificação”. Só no primeiro trimestre deste ano, já foram fechadas duas fábricas clandestinas de cigarros. Entre 2021 e 2024, foram 24 postos clandestinos, média de seis por ano.

ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

O cigarro continua liderando a lista dos itens mais flagrados pela Receita Federal em todo o país. De acordo com o órgão, o item representa 54% do total de produtos apreendidos entre janeiro e julho deste ano. Para se ter uma ideia, são destruídos cerca de 600 mil maços por dia na Alfândega da Receita Federal de Foz do Iguaçu (PR), volume equivalente a aproximadamente uma carreta por dia.

A Receita Federal utiliza uma escavadeira para dar sumiço no material ilegal apreendido

Na outra ponta da repressão às organizações criminosas que exploram o contrabando de cigarros, está a Polícia Federal. Hoje, o principal foco é prejudicar os grupos atingindo o patrimônio dos chefões que faturam com o esquema. As operações que miram o contrabando focam a apreensão de carros de luxo, joias e embarcações, bem como o sequestro de imóveis e o bloqueio de contas bancárias.

O cigarro é o produto mais contrabandeado no Brasil. No ano passado, circularam ilegalmente no país R$ 9,8 bilhões. Por isso, a Receita Federal concentra esforços em rastrear o dinheiro dos traficantes

A PF intensificou as ações de combate aos grupos criminosos que utilizaram o estado do Pará como principal porta de entrada no Brasil para os carregamentos vindos do Suriname. Desenhada por rios, igarapés e canais, Belém tem uma área insular com 329,9361 km², composta de 42 ilhas, que formam 65% de todo o território. A topografia paraense compõe o cenário natural perfeito para o contrabando marítimo.

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A Polícia Federal atua na fronteira do Brasil com o Suriname para tentar coibir o crime

COMBATE NO MAR

As investigações da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários (Delefaz) da Superintendência da Polícia Federal em Belém refletem o volume de cigarros contrabandeados que passam pelo estado amazônico. Em todo o ano passado, as operações resultaram na apreensão de 3 milhões de maços paraguaios. Apenas nos primeiros sete meses deste ano, quando 9 milhões de maços foram apreendidos, o número triplicou.

O trabalho de repressão ao tráfico ilegal de cigarros é feito por uma equipe multidisciplinar. Agentes de diversas organizações públicas se unem para apreender cargas

A Delefaz realiza um intenso trabalho de inteligência para identificar e interceptar os barcos pesqueiros que deixam o Suriname em direção ao Brasil. Complexas, as abordagens em alto-mar ocorrem em parceria com a Marinha do Brasil e chegam a durar dias. Na última ação, policiais e fuzileiros navais apreenderam um carregamento com cerca de 2 milhões de maços de cigarros paraguaios avaliados em R$ 10 milhões.

A reportagem do Metrópoles estava no Suriname quando a embarcação brasileira — que simulava ser um pesqueiro — foi interceptada pela PF e pela Marinha em alto-mar, a cerca de 400 km da costa brasileira. Na ocasião, os contrabandistas tinham como objetivo atracar em um porto clandestino no sul da Bahia.

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A operação flagrou barco que transportava cigarros contrabandeados

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Os agentes de segurança encontraram 2 milhões de maços na embarcação

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A missão foi uma ação conjunta da Polícia Federal e da Marinha do Brasil

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A embarcação fingia ser um barco pesqueiro em alto-mar

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A polícia encontrou o veículo a cerca de 400 km da costa brasileira

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Na embarcação, seis tripulantes transportavam a carga

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A operação aconteceu no fim da tarde de 16 de julho, no Porto de Belém

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Os agentes encontraram 3 mil caixas de cigarro falsificado

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A carga ilegal foi contrabandeada do Suriname

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Os contrabandistas tinham como objetivo atracar em um porto clandestino no sul da Bahia

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Os maços de cigarros paraguaios foram avaliados em R$ 10 milhões

MESMO CIGARRO

A embarcação e os seis homens que formavam a tripulação foram escoltados pelo navio patrulha “Guarujá” e por agentes do Grupo Especial de Polícia Marítima (Gepom) da Polícia Federal, em 18 de julho, até a chegada ao Porto de Belém. A embarcação tem 25,6 metros de comprimento e 6,67 metros de largura. Não havia condutor habilitado no momento da abordagem.

O barco carregava o mesmo cigarro que foi flagrado pela equipe do Metrópoles dias antes, ao ser oferecido por um surinamês aos jornalistas. Foram necessárias 12 horas de trabalho para que funcionários do porto conseguissem descarregar todas as caixas com os produtos ilegais paraguaios que estavam estocados na embarcação.

Vendedor de cigarro ilegal é flagrado pela reportagem vendendo maços em feira no Suriname

Se provado o crime de contrabando, os seis suspeitos detidos na operação podem pegar de 2 a 5 anos de prisão. A pena aplica-se em dobro se o crime é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial. Em boa parte dos casos, os pescadores nem sequer sabem que transportar cigarros paraguaios configura crime.

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O vendedor atende a muitos brasileiros e sabe até quais marcas os clientes preferem no país

BARCOS FANTASMAS

De acordo com o delegado da Delefaz em Belém, Roger Carvalho, as organizações criminosas que atuam na capital paraense desenvolveram uma série de subterfúgios para disfarçar a prática criminosa e driblar a PF. Uma delas é transformar por completo as embarcações usadas para trazer cigarros do Suriname.

O delegado explicou que, quando os criminosos notam que existe alguma suspeita sobre determinado pesqueiro, ocorre uma mudança geral. “Eles chegam a alterar a estrutura de engenharia da embarcação, como, por exemplo, o formato da proa ou da popa. Também trocam com muita rapidez o nome e as cores que constam nos documentos do barco”, disse.

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Embarcações que transportam cigarro contrabandeado se assemelham a barcos pesqueiros

A audácia dos contrabandistas vai além de simplesmente alterar a aparência de barcos usados para transportar os cigarros paraguaios do Suriname ao Brasil. Já houve oportunidades em que os grupos criminosos tomaram de volta embarcações ancoradas no Porto de Belém, sob custódia das autoridades. Os bandos simplesmente furtaram os barcos que haviam sido apreendidos e mudaram todas as suas características antes que a polícia os encontrasse.

PIOLHOS E PIRATAS

O delegado da PF destacou que o Pará responde por 81% de todo o cigarro contrabandeado apreendido na Região Norte. Para se ter ideia, o mercado do cigarro ilegal movimenta R$ 39 milhões por ano no país. “O Suriname é um ponto estratégico para as organizações criminosas – não só para desembarcar no Pará, como para chegar a estados do Nordeste”, disse Carvalho. O contrabando passa por locais como Ilha de Marajó, Abaetetuba e Benevides.

Para minimizar danos com as grandes apreensões e afastar a possibilidade de perder toda carga de uma só vez, os contrabandistas contam com o apoio de pequenos barcos, apelidados de piolhos. Com baixa autonomia marítima, os veículos menores se aproximam das embarcações maiores, que trazem os grandes carregamentos. Em seguida, os piolhos são carregados com diversas caixas de cigarros e seguem para vários destinos diferentes, antes que as autoridades localizem o contrabando.

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O meio de transporte favorito dos contrabandistas na Amazônia é o barco pesqueiro

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Na região, essas embarcações pequenas são chamadas de piolhos

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Os “piolhos” são veículos ágeis, mas têm baixa autonomia marítima

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Os barcos pequenos se aproximam das embarcações maiores que trazem os grandes carregamentos

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Os pesqueiros são carregados pelos traficantes com diversas caixas de cigarros

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Os embarcações recheadas de maços seguem para vários destinos diferentes

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Os traficantes andam rapidamente pelas ilhas e fazem percursos hidrográficos diferentes

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A operação funciona dessa forma para dificultar que as autoridades localizem o contrabando

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Os contrabandistas costumam roubar embarcações de pescadores para fazer o tráfico

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O Pará abriga grupos criminosos especializados no roubo de barcos pesqueiros

Com uma infinidade de ilhas e percursos hidrográficos diferentes, o Pará ainda abriga grupos criminosos especializados no roubo de barcos pesqueiros de médio porte que podem ser utilizados em viagens marítimas do Brasil ao Suriname. Pescadores honestos são interceptados em alto-mar durante a atividade pesqueira e são rendidos pelos piratas. Em seguida, são deixados em terra, mas perdem os barcos para os ladrões do mar.

PESCADORES ALICIADOS

De acordo com as investigações da PF, chefões das organizações criminosas evitam colocar as mãos nas mercadorias contrabandeadas. Para conseguir fazer o trajeto pelo mar, a alternativa mais prática e barata é aliciar pescadores – que, quanto mais humildes e sem instrução, melhor, na visão dos líderes do esquema. Os contrabandistas oferecem de R$ 5 mil a R$ 10 mil para que pescadores façam a viagem e transportem a carga ilegal.

Geralmente, o aliciamento ocorre já em terras surinamesas, após embarcações brasileiras levarem mantimentos e equipamentos usados nos garimpos. Quando as organizações criminosas já estão estruturadas e garantem um faturamento alto, chegam a pagar R$ 200 mil por uma embarcação de porte médio com capacidade para fazer o vaivém entre o Pará e o Suriname.

A tripulação costuma ser toda brasileira, com raras exceções. Em algumas operações, a PF também prendeu tripulantes da Guiana e da Guiana Francesa. De origem humilde, alguns pescadores acreditam que o transporte de cigarro é uma atividade legal, que não implica qualquer tipo de punição.

A fabricação de cigarro clandestino é uma operação complexa, que envolve uma cadeia enorme de pessoas e maquinários

BUNKER VIGIADO

Composto por dezenas de ilhas e ilhotas, o Pará abriga uma infinidade de portos clandestinos onde barcos pesqueiros atracam com milhares de maços de cigarros paraguaios vindos do Suriname. A equipe de reportagem registrou a movimentação de algumas embarcações suspeitas de fazer o traslado criminoso.

Com facilidade de aportar em qualquer tipo de encosta improvisada, os pesqueiros são descarregados rapidamente para que os contrabandistas e carregadores não sejam surpreendidos pela Polícia Federal. “É necessário um intenso trabalho de inteligência para identificar esses pontos de escoamentos”, afirmou o delegado da Delefaz, Roger Carvalho.

Para ganhar tempo e fugir dos portos clandestinos sem serem identificados e detidos, integrantes das organizações criminosas instalaram câmeras de segurança ao redor de toda a estrutura dos portos clandestinos. Quando viaturas se aproximam, os criminosos conseguem escapar da prisão, mas são obrigados a abandonar os carregamentos de cigarros.

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O Pará tem dezenas de ilhas e ilhotas que são usadas pelos traficantes como portos clandestinos

DE CIGARROS A ARMAS

Segundo investigações conduzidas pela PF, as organizações criminosas especializadas no contrabando de cigarros, quase sempre, “sobem de patamar” quando o lucro cresce exponencialmente. Diante desse aumento no patrimônio, os grupos passam por reestruturação.

De acordo com o delegado federal, os criminosos migram do contrabando de cigarros para o tráfico de drogas e armas, muito mais rentável e perigoso. “As pessoas entram no contrabando achando que é crime mais brando. Na verdade, quando percebem, já estão no meio de uma organização criminosa violenta e atuam em diversas áreas criminais, principalmente envolvendo tráfico de drogas e armas”, analisou Roger Carvalho.

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Existem fábricas de cigarro clandestino no Paraguai e no Brasil

A Operação Maré Segura, desencadeada pela PF em junho deste ano, desarticulou uma organização criminosa especializada no contrabando, no transporte e na distribuição de cigarros e mercadorias contrafeitas para empresas varejistas e atacadistas localizadas em diversos estados do país.

De acordo com as investigações, pelo menos quatro grupos organizados do estado do Pará eram responsáveis pela internalização no Brasil de cigarros contrabandeados e mercadorias contrafeitas oriundas principalmente do Suriname, Paraguai e Caribe. Os criminosos também articulavam a logística de entrega dessas mercadorias, de forma clandestina, em pontos da costa de municípios localizados em estados da Região Nordeste do país. Posteriormente, empresas varejistas e atacadistas eram abastecidas com essas mercadorias, que, por serem fruto de contrabando, não tinham os tributos devidos recolhidos.

PELAS RODOVIAS

Quando conseguem desembarcar e burlar toda a fiscalização em Belém, os contrabandistas partem para outra etapa da distribuição dos cigarros paraguaios: o transporte dos carregamentos para o restante do país, por meio das rodovias. A reportagem apurou detalhes do trabalho desempenhado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no combate a essa atividade ao longo dos 5 mil quilômetros das 10 rodovias federais que cortam o estado.

Segundo o superintendente regional da PRF em Belém, Haroldo Teixeira Silva, a área de cobertura se assemelha a um pequeno país europeu. “Para contornar toda a dificuldade de logística e efetivo, fazemos um trabalho de inteligência e parceria com outros órgãos, como as polícias locais e federal”, explicou.

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A operação para combater o tráfico de cigarro mobiliza órgãos federais e estaduais

O aperto ao cerco envolvendo o contrabando de cigarros paraguaios no Pará se refletiu no número de apreensões. No ano passado, a PRF retirou das ruas 46.440 maços contrabandeados. Já neste ano, apenas de janeiro a julho, as apreensões quase dobraram, chegando a 80.080 maços.

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O tráfico acontece por diferentes rotas marítimas e rodoviárias

DO SURINAME A DIVINÓPOLIS

Se a rota do cigarro clandestino no Norte do país é marítima, no Sudoeste brasileiro, os traficantes usam as rodovias para escoar o produto. Nas entranhas do interior de Minas Gerais, um fenômeno silencioso e lucrativo se espalha como fumaça densa entre as montanhas da região: as fábricas clandestinas de cigarro. Longe dos olhares das autoridades e da lei, contraventores lucram milhões de reais ao imitar as marcas dos famosos cigarros paraguaios, desafiando a segurança pública.

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As fábricas de cigarro são protegidas por muitas camadas de segurança

O esquema começa com a importação ilegal de insumos: tabaco do Rio Grande do Sul, com embalagens e papéis produzidos ilegalmente em gráficas de São Paulo. As fábricas clandestinas reproduzem marcas paraguaias falsificadas, como San Marino, Eight, Gift, Palermo e Club One, para evitar os altos impostos brasileiros e lucrar com a demanda por produtos mais baratos.

Os crimes não param por aí: ações do Ministério Público do Trabalho e Emprego e da Polícia Federal apuram a existência de tráfico de pessoas para exploração de trabalho análogo à escravidão.

Principais marcas paraguaias falsificadas

  • Eight
    Essa marca foi encontrada em uma fábrica em Cláudio/MG e em outra em Nova Lima/MG. Em ambos os casos, os cigarros estavam embalados e prontos para o transporte.
  • San Marino
    Essa marca também foi encontrada nas fábricas de Cláudio/MG e Nova Lima/MG. Na fábrica de Nova Lima/MG, a embalagem indicava que os cigarros teriam sido produzidos no Paraguai para venda exclusiva naquele país.
  • TE
    Cigarros dessa marca foram encontrados na fábrica de Cláudio/MG, com embalagens para maços e pacotes.
  • Gift
    Essa marca foi produzida na fábrica em Divinópolis/MG. Os cigarros estavam empacotados em caixas de papelão e continham inscrições em espanhol, o que indica possível fabricação no Paraguai.
  • MIX
    A fábrica em Divinópolis/MG também produzia cigarros da marca MIX. Esses produtos, assim como os da marca GIFT, estavam empacotados em caixas de papelão e continham inscrições em espanhol.

As marcas mais vendidas de cigarro clandestino

As marcas mais vendidas por região

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De acordo com as investigações conduzidas pela PF, as fábricas ilegais, muitas delas situadas no interior de São Paulo, no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais, utilizam um esquema complexo para operar sem serem detectadas, incluindo isolamento acústico, bunkers e saídas de emergência para evitar fiscalizações.

Autoridades apontam que Minas Gerais é o principal estado escolhido pelas quadrilhas para abrigar as fábricas clandestinas. A definição justifica-se diante da localização estratégica, por onde cruzam diferentes rodovias, o que facilita o escoamento dos produtos ilegais para diversos estados brasileiros.

O delegado da Polícia Federal Daniel Souza explica que o cigarro produzido no Paraguai não pode ser importado para o Brasil; assim, com o aumento de fiscalização nas fronteiras, o contrabando, antes feito por via terrestre na fronteira com o Paraguai, está cada vez mais arriscado para as quadrilhas. Dessa forma, parte dos criminosos passou a falsificar o cigarro paraguaio. “A falsificação deles é tão interessante que até a Receita Federal tem dificuldade em saber o que é produzido no Paraguai e o que é feito no Brasil.”

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Os cigarros contrabandeados são bem feitos, mas o fumo não passa por controle de segurança

Mercado total de cigarros no Brasil

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ESCRAVOS DO TABACO

Aliciados com promessas falsas de emprego, paraguaios trabalham sob condições degradantes. As vítimas, enganadas e coagidas, entregam seus celulares aos integrantes da quadrilha e são conduzidas até a rodoviária de Foz do Iguaçu. Lá, recebem dinheiro e passagens de ônibus para São Paulo, onde embarcam em outro veículo para chegar a Belo Horizonte.

Durante o transporte, os trabalhadores são orientados a olhar para baixo e não fazer contato visual com ninguém. Ao se aproximarem do destino, os paraguaios precisam usar vendas para impedi-los de saber a localização da fábrica. Por fim, são acomodados em galpões industriais discretos. Boa parte deles está localizada em Divinópolis e Nova Lima, em Minas Gerais, onde são forçados a trabalhar durante longas horas, sem condições mínimas de segurança e higiene.

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Empresas de cigarro clandestino procuram trabalhadores no Paraguai para trazê-los ao Brasil

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Aliciadores usam redes sociais para atrair pessoas com promessas falsas de emprego

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Paraguaios costumam ganhar das empresas a passagem de ônibus para o Brasil

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Quando chegam ao Brasil, os trabalhadores são obrigados a entregar seus celulares

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Os integrantes da quadrilha conduzem os homens à rodoviária de Foz do Iguaçu

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Paraguaios precisam usar vendas que os impedem de saber a localização da fábrica

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Os homens escravizados são acomodados em galpões industriais discretos

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A maior parte das fábricas clandestinas situa-se em Divinópolis e Nova Lima, em Minas Gerais

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O grupo é forçado a trabalhar durante longas horas, sem condições mínimas de segurança e higiene

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Eles não recebem salário nem as demais condições de emprego prometidas

“Eles colocam vendas nos paraguaios justamente para que eles não tenham noção de onde estão. A fábrica é o local que os criminosos mais protegem; até entre eles, a informação é compartimentada. O investimento em maquinário e insumos é alto. Quando os trabalhadores chegam na van, o portão abre e eles ficam trancados no galpão, sem contato com a família, por até 50 dias”, relatou Daniel Souza.

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Paraguaios relataram que foram aliciados por meio de redes sociais – principalmente pelo Facebook – enquanto procuravam oportunidades de emprego no Brasil.

A maioria informou ter seguido do Paraguai a Foz do Iguaçu e, de lá, a São Paulo, onde ocorre o embarque em ônibus e vans para Divinópolis (MG) e Cláudio (MG), respectivamente. Disseram, também, que foram obrigados a usar vendas e a entregar seus celulares antes de seguir para a fábrica, onde ficaram incomunicáveis e foram proibidos de deixar o local.

Em uma das fábricas descobertas pela PF em Divinópolis (MG), em 14 de novembro de 2023, os trabalhadores foram encontrados vivendo em condições degradantes. A ação foi batizada de Operação Illusio.

Os trabalhadores dormiam em alojamentos improvisados, sem ventilação adequada, e utilizavam um único copo coletivo para beber água, o que os expõe ao risco de contrair doenças. Também havia uma “sala de oração”, onde a quadrilha disponibilizava uma Bíblia para os paraguaios. Toda refeição, a manutenção das máquinas e a limpeza ficavam por conta dos paraguaios, que, em depoimento à polícia, informaram que às vezes faltava comida.

As autoridades identificaram um caso de um trabalhador que foi lesionado durante o trabalho e não teve acesso a atendimento médico por estar incomunicável. As vítimas diziam que os criminosos sempre ofereciam analgésicos, mas nunca cogitaram a ida ao hospital.

Outro trabalhador ratificou o quadro de exploração e isolamento. Contou que foram proibidos de deixar o local de trabalho e, sob ameaça de morte, trabalhavam em turnos de até 12 horas diárias, sem receber salários pelos dias de labuta.

“Cheguei ao galpão num sábado e, desde então, não saí”, disse um dos trabalhadores. Segundo ele, o grupo foi mantido em isolamento e apenas os criminosos conhecidos como “Bomba” e “Papagaio” tinham acesso ao controle do portão.

Leia depoimentos de paraguaios resgatados

CENTRO DE INTELIGÊNCIA

Cercado por muros de cinco metros de altura, arame farpado e câmeras de segurança, o local usado pela quadrilha em Divinópolis (MG) se assemelhava mais a uma fortaleza do que a uma fábrica. Apesar disso, a movimentação era discreta e a intensa produção de cigarros não chamou a atenção da vizinhança.

O imóvel foi locado por R$ 10 mil mensais, pagos sempre em espécie. Investigações apontam que o dono do galpão foi ludibriado, acreditando que a quadrilha ia montar uma empresa de transporte. O galpão contava, ainda, com uma espécie de “centro de inteligência”. Um dos criminosos era responsável por fiscalizar as câmeras de segurança e identificar movimentações suspeitas.

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Os donos do galpão foram ludibriados, acreditando que o local sediaria outro tipo de empresa

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A movimentação é discreta e a intensa produção de cigarros não chama a atenção da vizinhança

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O local tem um sistema de segurança complexo, para ninguém entrar nem sair sem autorização

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Os donos do galpão foram ludibriados, acreditando que o local sediaria outro tipo de empresa

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A movimentação é discreta e a intensa produção de cigarros não chama a atenção da vizinhança

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O local tem um sistema de segurança complexo, para ninguém entrar nem sair sem autorização

O portão abria de forma coordenada, para permitir a entrada do caminhão com insumos e a saída com cargas de cigarro. Os transportadores chegavam a dar várias voltas na rua para despistar um possível acompanhamento de investigadores. Havia, ainda, carros batedores acompanhando o caminhão em todos os trajetos.

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Os métodos sofisticados de contrainteligência surpreenderam os investigadores que atuaram no caso durante dois anos. Segundo a apuração policial, os criminosos frequentemente realocam os galpões e camuflam os equipamentos contrabandeados em meio a cargas lícitas, como roupas e calçados. Além disso, o uso de bloqueadores de sinal de celular e GPS evita a detecção dos veículos pelas autoridades.

Para ocultar os lucros do crime, a organização utilizava uma rede de empresas laranjas e de pessoas físicas que emprestavam seus nomes para registrar bens e movimentar recursos financeiros. Além disso, a quadrilha comprava imóveis, veículos e até mesmo fazendas.

Driblando as autoridades

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HIERARQUIA

A investigação revelou que a operação da fábrica em Divinópolis era coordenada por Arinaldo Oliveira do Nascimento, conhecido como “Gordo” ou “Baiano”, que residia em São Paulo e financiava e supervisionava toda a atividade criminosa. Outros envolvidos, como Elias Yossefi Menegatto, apelidado de “Gatão”, e Alexandre Barbalho Rebouças, conhecido como “Barba”, eram responsáveis pela montagem e pelo gerenciamento das fábricas.

Durante a operação, foram detidos Ailton Santos Nascimento, Imad Ahmad Beydoun e Jairo Antunes Pereira Barbosa, também conhecido como “Chico”, que atuavam diretamente na manutenção e no controle dos trabalhadores estrangeiros. Armas e dinheiro em espécie foram encontrados com os autores.

Estrutura básica da organização criminosa

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Segundo o relatório da Polícia Federal, a fábrica clandestina movimentava um alto montante de dinheiro por meio da produção e venda de cigarros falsificados. A receita obtida financiava não apenas a operação ilegal, mas também sustentava a estrutura criminosa por trás do esquema de exploração.

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Aliciadores: recrutam trabalhadores em outros países, sob falsas promessas de emprego e de boa remuneração.

“Gatos”: encarregam-se do transporte dos trabalhadores às fábricas, muitas vezes mantendo-os em cárcere privado durante o trajeto.

Gerentes: supervisionam a produção, mediante a imposição de metas abusivas e controle sobre a vida dos trabalhadores dentro da fábrica.

Distribuidores: escoam a produção ilegal no mercado, utilizando rotas clandestinas para evitar a fiscalização.

O bando utilizava maquinário importado ilegalmente e mantinha uma rede de galpões em diferentes municípios para armazenar produtos e insumos. Essa estratégia dificultava a ação policial, garantindo a continuidade do esquema, mesmo com apreensões pontuais.

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A maioria das fábricas desativadas pela polícia está localizada em Minas Gerais.

Grande parte dos depósitos ilegais encontrados pelos agentes de segurança está perto das fábricas em Minas Gerais.

A PRF fez flagrantes de caminhões transportando cigarros ilegais nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste.

A Polícia Federal estima que os cofres públicos tiveram um prejuízo superior a R$ 858 mil, referentes a impostos sonegados pela quadrilha. De acordo com as investigações, a organização atuava há anos, com ramificações em São Paulo, no Paraná e em outros estados, e possíveis conexões com o Paraguai e Uruguai.

Os crimes cometidos pelos traficantes

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CRIME NAS RODOVIAS

Com uma gama de consumidores fiéis ao cigarro paraguaio, o crime organizado, além de fábricas, precisou montar um sistema de logística para evitar apreensões nas estradas. “A produção local diminui o custo e também facilita a logística e distribuição no país. Como a circulação deles ocorre nas rodovias, as quadrilhas montam uma estrutura, um “setor” de transporte. Circulam nas estradas sempre com batedores, que seguem na dianteira para evitar qualquer abordagem policial e, quando necessário, alertar o veículo que vem com a mercadoria”, explicou o delegado da Polícia Federal Felipe Koch Torres Baeta, responsável pela Operação Illusio.

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O delegado da Polícia Federal Felipe Koch Torres Baeta investiga o esquema de produção e distribuição de cigarro clandestino

A área de atuação é ampla e, por meio das rodovias, as quadrilhas conseguem fazer entregas das mercadorias ilegais do Norte ao Sul do país.

“Foram apreendidas carretas em Brasília, na Bahia e em outras partes do Brasil. Utilizavam a estrutura de uma transportadora de calçados de Nova Lima (MG) e colocavam as cargas de cigarros atrás dos produtos legais. Como Minas está no centro do país, eles tinham essa facilidade para distribuir de forma ampla para o Sul, Nordeste, Norte e Centro-Oeste”, finalizou o delegado.

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O coordenador-geral de combate ao crime da PRF, Allyson Simensato, usa dados e inteligência para fazer as fiscalizações

O complexo cenário do combate ao contrabando de cigarros no Brasil também conta com ações da Polícia Rodoviária Federal (PRF). O coordenador-geral de combate ao crime da PRF, Allyson Simensato, explicou que a PRF intensifica a fiscalização em locais estratégicos, identificados por meio de análises de dados e inteligência. As regiões com maior incidência de contrabando de cigarros no Brasil são prioritárias para as operações da corporação. Entre os principais pontos, destacam-se Paraná, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, principalmente devido à sua proximidade com as fronteiras e ao intenso tráfego de mercadorias.

“A nossa abordagem, baseada em dados e inteligência, direciona as fiscalizações para os pontos onde o contrabando é mais relevante”, disse Simensato. “No Paraná, por exemplo, temos uma média de 50% das apreensões do país, seguida por Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.”

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Os traficantes de cigarro ilegal evitam estradas com fiscalização intensa da PRF

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A polícia usa dados e informações de inteligência para efetivar a apreensão de cargas

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No Paraná, acontecem 50% das apreensões de carga ilegal do país

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A variedade de rotas utilizadas pelos traficantes representa um grande desafio para as operações da PRF

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A PRF trabalha em conjunto com a Receita Federal para fazer operações nas estradas

Os contrabandistas de cigarros empregam táticas sofisticadas para driblar a fiscalização. Simensato descreve a diversidade de rotas usadas pelos criminosos: “Eles utilizam estradas de terra e rotas alternativas para evitar as principais rodovias, onde a fiscalização é mais intensa. A complexidade e a variedade de rotas utilizadas representam um grande desafio para nossas operações”.

Com o aprimoramento contínuo da inteligência e da análise de dados, a PRF busca identificar e interceptar essas rotas menos óbvias.

“Trabalhamos em conjunto com a Polícia Federal e a Receita Federal, entre outros órgãos, para realizar operações coordenadas. A integração entre as forças de segurança é essencial para maximizar a eficácia das nossas ações. A capacitação e o treinamento dos nossos policiais também são essenciais. Realizamos operações direcionadas e fornecemos as melhores informações e técnicas para que nossos agentes possam identificar e lidar com o contrabando de forma mais eficiente”, afirmou Simensato.

O policial também acrescenta que o trabalho da PRF não é empregado apenas para combater o crime econômico. “É também uma questão de saúde pública. Estamos removendo produtos ilícitos do mercado, o que contribui para proteger a saúde da sociedade”.

SAÚDE

O perito criminal federal Eduardo Mendes Cardoso, lotado no Setor Técnico Científico da Polícia Federal em Minas Gerais, também alerta para os riscos desse tipo de produto à saúde. “Via de regra, a gente sempre consegue identificar a presença da nicotina, sem qualquer padrão de quantidade, e até mesmo metais pesados. Isso porque esses cigarros são produzidos de forma completamente clandestina. O consumidor pode se expor a riscos ainda maiores do que o produto legalizado.”

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O perito criminal federal Eduardo Mendes Cardoso fica lotado no Setor Técnico Científico da Polícia Federal em Minas Gerais

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Ele alerta que, nesse tipo de cigarro, é possível identificar a presença da nicotina sem qualquer padrão de quantidade

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Os cigarros clandestinos fazem mal à saúde, porque eles não passam por controle de qualidade

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O consumidor pode se expor a riscos ainda maiores do que o produto regularizado

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Metais pesados também costumam ser encontrados nesse tipo de produto

“O preço do cigarro original é elevado; muitas pessoas com menor poder aquisitivo não conseguem pagar e, por isso, recorrem aos clandestinos – que, muitas vezes, chegam sem pagar imposto e sem qualquer controle de qualidade”, enfatiza o perito.

MERCADO LUCRATIVO

Desde 2012, mais de 20 desses estabelecimentos foram desmantelados pelas autoridades brasileiras; nove dessas operações ocorreram no último ano. A motivação para o crime organizado é evidente: escapar das taxas exorbitantes de impostos brasileiros sobre cigarros, que podem superar 90% do valor do maço, a depender do estado. Em contrapartida, o Paraguai, de onde muitas dessas marcas são falsificadas, impõe apenas 18% de imposto sobre produtos similares, tornando-se um terreno fértil para a produção ilegal.

Divulgação: Policial deflagra operação e mostra o dinheiro encontrado em uma fábrica. O negócio é muito lucrativo para os traficantes

O perito criminal federal Cláudio Mota destaca que os cigarros clandestinos feitos no Brasil também chegam a outros países. “Há fábricas que, às vezes, manufaturam praticamente o mesmo produto e mudam apenas a embalagem. Aplicam embrulhos e selos diferentes, porque, algumas vezes, o item é destinado ao mercado interno do Paraguai.”

Já o delegado Daniel Souza alerta para o interesse de facções e milicianos no mercado milionário do tabaco. “Várias organizações criminosas cresceram o olho nesse negócio, porque é muito rentável, principalmente no Rio de Janeiro. Nós estamos vendo várias situações em que a milícia está começando a migrar para esse tipo de atividade. No caso deles, há um agravante: nas regiões de milícia, a polícia não entra. Ainda tem outra questão: a milícia, quando domina determinada região, obriga que todos os comerciantes só vendam aquele produto.”

Estima-se que, somente em 2020, o Brasil tenha perdido mais de R$ 10 bilhões em receitas tributárias devido à operação dessas fábricas clandestinas. Além disso, o mercado ilegal de cigarros representa cerca de 49% do consumo nacional, segundo dados do Instituto Ipec.

Para o presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), Edson Vismona, a pesada carga tributária que incide sobre o cigarro no Brasil é crucial para o avanço do ilegal. “Se o produto legal fica mais caro por causa do aumento de impostos, isso vai favorecer a ilegalidade. É uma relação direta, imediata e um alerta absolutamente necessário”. Vismona destaca, ainda, que reprimir o ilegal, além de conter a criminalidade, significa incentivar e apoiar quem produz dentro da lei, gerando empregos e renda. “Além disso, precisamos ajudar quem atua dentro da legalidade e paga seus impostos de forma correta. Portanto, esse esforço coletivo para conter a criminalidade é imprescindível”.

Apesar dos golpes pontuais nas organizações criminosas, o império do cigarro clandestino aparenta estar sólido e se reinventando. Trata-se de uma máquina destrutiva, que não só impacta a economia de diversos países, mas também mata milhares de pessoas todos os anos.

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